Imagem ilustrativa da imagem A educação de  Astrojildo



Astrojildo Pereira (1890-1965) teve uma vida tão errante quanto digna e admirável. Nascido em Rio Bonito, no Rio de Janeiro, atravessou mais da metade do século 20 defendendo princípios de liberdade e igualdade. Foi anarquista combativo e, em 1922, um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil (PCB), o velho e "Partidão". Escreveu em jornais, dedicou-se à crítica literária, enfrentou ditaduras e manteve erguida a decência daqueles que aliam ideais e condutas. Astrojildo foi um sujeito imprescindível.

Uma das bandeiras do autor de "Interpretações" postulava uma educação emancipadora, capaz, num país desigual e violento como o Brasil, de eliminar o analfabetismo, oferecer ampla e diversificada instrução e fazer-se gratuita da pré-escola aos níveis superiores. Parece simples (para os mais sensatos, uma obviedade), mas não é nem jamais foi.

Os processos educacionais são corolário da política das ruas e das instituições; contornam os traços mais delicados de uma sociedade que se deseja democrática; apostam num caminho farto em antídotos contra as realizações excludentes e elitistas de passados de triste memória. A educação, portanto, não é um ato voluntarista de espíritos brilhantes - é, de modo bem diferente, um campo de disputas entre interesses muitas vezes inconciliáveis.

O analfabetismo é uma chaga nos países pobres. Atinge os mais vulneráveis e é visto como uma questão a ser enfrentada pela consternação dos mais ricos. Assemelha-se a uma doença contagiosa: aqueles que se sentem protegidos ou sabem estar vacinados enxergam o problema como pertencente ao mundo dos outros. Não se trata, portanto, de um tema da vida coletiva. Para variar, entra em cena a velha e irracionalista mentalidade conservadora: o analfabetismo é culpa do próprio analfabeto.

Muito se passou desde o Brasil em que lutou Astrojildo até a nação fragmentada do presente. O analfabetismo é hoje mais funcional do que real. O mundo surge como um texto indecifrável e nada atraente. A dificuldade do brasileiro em interpretar a realidade e diante dela assumir posturas inquietas e transformadoras deve-se à ausência daquilo que Astrojildo Pereira preconizava como "instrução ampla e diversificada", que valorizasse as artes, a cultura popular, a história dos trabalhadores, as linguagens dos povos, a racionalidade científica, a ética pessoal, a cidadania coletiva...

Noutras palavras, um processo educacional que falasse de si e acolhesse os outros, que resgatasse as trajetórias dos silenciados, que questionasse a linearidade do progresso e estabelecesse uma autocrítica permanente, lúcida, orientada pela necessidade de reescrever os livros invariavelmente redigidos pelos vencedores.

As etapas superiores da educação girariam em torno de valores humanistas e preparariam os cidadãos para ocupar um mundo do qual eles fossem artífices, não espectadores frustrados ou ressentidos.

A antiga bandeira de Astrojildo ainda requer sonhadores que a empunhem e lutadores que a finquem em espaço aberto, público, democrático.