Publicado pela primeira vez em 2013, o ensaio "24/7, capitalismo tardio e os fins do sono" já é um clássico na interpretação dos desafios da contemporaneidade. Jonathan Crary, o autor, é professor de Arte Moderna na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Caprichoso na escrita e rigoroso nas análises de conjuntura, Crary contempla seu leitor com um diagnóstico poderoso dos tempos atuais. Em linhas gerais, a obra faz um mapeamento das condutas humanas a serviço de uma lógica mercantil renovada, que, a despeito de sua voracidade, ainda não conseguiu transformar em produto de compra e venda as horas necessárias de sono e descanso.

"Os fins do sono", expressão que compõe parte do subtítulo do livro, é ambígua e tem propósito. Haverá o dia em que dormir será uma questão completamente irrelevante? O imperativo "24/7" (24 horas por dia, 7 dias por semana) irá, enfim, colonizar também o sono? Crary levanta hipóteses inquietantes, nas quais aparecem cientistas e militares em busca do soldado perfeito, sempre desperto, em alerta eterno. Na ânsia de produzir para consumir e consumir para "ser alguém", os seres humanos dão ao capitalismo o que ele mais quer: a destruição de laços de afinidade e afetividade que estejam para além de cifras e relatórios de lucratividade e desempenho.

Mas há no ensaio um segundo intento para a sagaz expressão "fins do sono": se souber como resistir, o ser humano irá abrir mão de "acordar" para a vida e terá coragem de se entregar ao mundo onírico, em que uma espécie ainda inédita de liberdade pode ser experimentada. A finalidade do sono é evitar a derrocada ambiental e a maquinização de todas as relações sociais. Em essência, trata-se de uma metáfora que combate a ideia segundo a qual dormir é para os fracos. Ao contrário: num mundo em que estar sempre acordado é a ideia geral mais difundida, dormir é ato de rebeldia, senso de coletividade, sentimento de classe. Mais do que isso, a metáfora do sono traz consigo um bem maior: permite que sejam vistos aqueles que são sugados pelas instâncias devoradoras da sociedade capitalista, nas quais o sonho (produto do descanso e do apagar das luzes) é proibido, perseguido, censurado.

A lógica perversa "24/7" impõe fórmulas de comportamento e controla expectativas. A loucura "24/7" é, na verdade, um dispositivo, no sentido que Giorgio Agamben empresta ao termo, ou seja, reúne condições práticas de evitar a dissidência e se tornar inevitável, visto como urgente. Graças ao seu poder de produzir docilidade e anuência, o dispositivo "24/7" surge como incontornável para domesticar a experiência total da vida. Os penduricalhos tecnológicos do onipresente "24/7" convocam as massas para reproduzi-las em formato seriado. Nesses termos, destacam-se as "1.001 coisas que todo o mundo precisa fazer, ler, ouvir ou visitar antes de morrer". Ideias como essa dão a entender o absoluto desprezo que a equação "24/7" tem pela possibilidade humana de autodeterminação.

Reza lenda ancestral que um chauvinista usurpou o posto de oráculo numa comunidade milenar às margens do caudaloso Athena. Anos depois, após ter utilizado os dispositivos conhecidos à época para disseminar burriquices e trevas, confessou a um de seus discípulos que temia morrer do coração. Sua ânsia "24/7" de apagar bom senso e inteligência do entorno havia lhe causado enorme medo de afogar-se nas águas do Letes. O jovem obreiro, decidido a perder a vida em vez da piada, acalmou o "mestre", dizendo que, para alguém morrer do coração, é preciso que tenha um. Vale o mesmo para credibilidade, principalmente sob a crueza do autoritarismo "24/7".