Imagem ilustrativa da imagem O Tempo de Domingos Pellegrini
| Foto: Gustavo Carneiro - 03/12-2018

No dia em que peguei o ônibus do Expresso Birigui e vim para Londrina, há 30 anos, meu pai me disse que havia um grande escritor na cidade. Hoje, seus personagens decidiram fazer uma festa surpresa para ele.

Decidiu-se que o melhor lugar para a festa seria a lendária Casa Sete, república onde moraram alguns jovens funcionários da Companhia de Terras, na época da fundação de Londrina.

Eles estão todos ali, na velha casa de madeira. Logo na entrada, vejo o casal protagonista de “Terra-Vermelha”, José e Tiana, que vivem uma das mais lindas histórias de amor da literatura brasileira. José — também conhecido como Beppe de Rafard, Zé do Facão, Zé da Tiana, Zé da Capivara, Zé da Farmácia, Zé da Pensão, Zé do Açougue, Zé do Chapéu, Zé Dasarves ou simplesmente Nono — abre a porta da casa para aquele que, paradoxalmente, é seu criador. Ao lado, Tiana escreve com letra caprichada no caderninho de poesias:

Põe na mão, olha bem, olha

e sabe por que então

esta terra é assim vermelha?

É vermelha de paixão!

Na sala, reconheço convidados especiais: Zé do Cano, Mané Felinto, Lázaro Góis, Mané Preto, Maria Arrumadeira, Jeofrey, João Português, Dr. William, Irmã Trudberta, Dr. José Gomes de Moraes, Dr. Melo, o Homem Vermelho, 220 Volts, Circuito, Caruso, Mané Falcão, Mr. Chicago, Mr. Boston... Todos têm um sorriso no rosto e lágrimas nos olhos.

Diante de Domingos, eles revivem velhas e boas histórias. O dia em que Góis e Mané Felinto, o fazendeiro e o comunista, salvaram um cafezal da geada de 55. O dia em que Mané foi preso pela enésima vez e Tiana mostrou o fogão que ele havia construído com suas próprias mãos: “Um homem que faz um fogão desses não pode ser má pessoa!” O dia em que tiraram o corpo de Mané Preto do poço e escreveram em sua lápide: “Mané Preto — Saudade dos Amigos”. O dia em que José teve o seu batismo de lama com a terra de Londrina. O dia em que Góis e Mané Felinto debateram sobre o homem e a natureza na Câmara de Vereadores. O dia em que Jeofrey tirou as velhas botas e doou-as ao Museu Histórico. O dia em que o antropólogo francês previu o futuro de uma grande cidade. O dia em que Maria Arrumadeira gritou, no enterro da amiga: “Recebe ela, Jesus! Recebe ela, Jesus!” O dia em que os homens de adultos choravam nas ruas a derrota do Brasil na Copa de 50. Tantos dias, tantas passagens, tantas vidas. É como se a vida falasse!

Um cachorro late no fundo do quintal: Faísca, tão amado pelo Vô. Na cozinha, um bigodudo declama poemas. Perto do fogão, o crítico Wilson Martins diz para que todos ouçam: “O Brasil ainda não se deu conta de que temos no Norte do Paraná um dos maiores escritores de todos os tempos, Domingos Pellegrini, autor de um idioma próprio e uma não menos própria visão do homem.”

Lá fora, à sombra da árvore que dava dinheiro, guardados por Faísca, conversam Celso Garcia Cid e um homem chamado Paulo. Seo Celso tem nas mãos uma garrafa de Coca-Cola, oferece um gole ao aniversariante. Paulo olha para mim, olha para Domingos e diz:

— Filho, é sobre esse escritor que eu estava falando. Hoje ele faz 70 anos.

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