Imagem ilustrativa da imagem O martírio de uma trabalhadora
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Há algumas informações disponíveis acerca de uma brasileira chamada Edi Alves Guimarães. Sabemos que tinha 53 anos e oito (eu disse oito) filhos. Sabemos que morava em Santa Luzia, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, e trabalhava no centro da capital mineira. Sabemos que era passageira de um ônibus que, na manhã da última sexta-feira, 14 de junho, trafegava pela Avenida Antônio Carlos, na região da Pampulha, perto da Universidade Federal de Minas Gerais. Sabemos que um bando de arruaceiros vestidos de vermelho — possivelmente grevistas da UFMG — botou fogo em pneus para bloquear aquela via, em um ato contra a Nova Previdência. Sabemos que o ônibus onde estava Edi teve que parar diante da barricada. Sabemos que uma fumaça tóxica se desprendeu do material incendiado, contendo altíssimo teor de monóxido de carbono. Sabemos que o ônibus vindo de Santa Luzia era um dos primeiros na longa fila de veículos provocada pelos baderneiros. Sabemos que Edi aspirou uma grande quantidade de fumaça. Sabemos que ela começou a passar mal ali mesmo, na Avenida Antônio Carlos. Sabemos que foi socorrida por policiais militares e levada numa viatura para o Hospital Risoleta Neves. Sabemos que teve duas paradas cardíacas no caminho entre a avenida e o hospital. Sabemos que deu entrada à UTI em estado gravíssimo. Sabemos, por fim, que morreu às 14h30 da última segunda-feira.

Esta crônica poderia terminar aqui, mas não vai. Sobre a morte de Edi Alves Guimarães, podemos tirar algumas conclusões, especialmente conclusões de natureza negativa. Ela não será homenageada por partidos de esquerda, sindicatos, movimentos sociais e órgãos da extrema-imprensa. Ela não ganhará busto em praça pública, nem nome de rua, nem tributos de celebridades midiáticas, militantes e ativistas. Não serão confeccionadas camisetas com o seu nome; não ouviremos slogans em sua memória; não haverá filmes, livros, peças de teatro, músicas, novelas e seriados para contar como foi a sua vida. Nenhuma organização feminista vai denunciar o caso Edi como exemplo de feminicídio e violência patriarcal. Nenhum punho se fechará nem será erguido para mostrar que #EdiVive. Tampouco teremos longas reportagens investigativas para apurar quem são os assassinos de Edi — onde vivem, o que comem, como se reproduzem. É provável que a sua morte seja atribuída a um desses acidentes — tristes, mas inevitáveis — que compõem a longa marcha do socialismo em nosso país. Daqui a um tempo, ninguém mais se lembrará de Edi — com a exceção dos oito órfãos que ela deixou.

E, no entanto, Edi sobrevive. Ela é uma de nós. Naquela sexta-feira, Edi só queria acordar cedo e trabalhar o dia inteiro para sustentar a família. Mas — no meio do caminho tinha uma greve, tinha uma greve no meio do caminho. Nunca saberemos o que se passou pela cabeça de Edi no seu martírio de três dias. Nunca saberemos quanto ela sofreu. Nunca saberemos o que ela faria com o resto de sua vida.

Mas de uma coisa nós podemos ter certeza: o que aconteceu a Edi Alves Guimarães é um símbolo e uma imagem do que os inimigos do Brasil querem fazer a cada um de nós. Descansa em paz, Edi. Nós lutaremos por você.