Camisa rasgada
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
por Paulo Briguet
Quando o padre Rafael entrou na missa, todos notaram que ele levava alguma coisa nas mãos. Só descobrimos o que era no momento da homilia.
Depois da leitura do Evangelho, o padre trouxe consigo o tal objeto e disse:
Nesta semana, durante a higienização das roupas que foram doadas aos pobres pelos nossos paroquianos, as funcionárias encontraram esta camiseta rasgada. Imediatamente eu pedi para ficar com ela. É a inspiração da minha homilia de hoje.
Então o padre nos perguntou:
Que motivo leva alguém a doar uma roupa velha e rasgada aos pobres? O que faz essa pessoa acreditar que está realizando uma boa ação?
O silêncio das pessoas enquanto o padre fazia essas perguntas foi absoluto. Parecia-me ouvir o exame de consciência de cada um naquele instante. Ao final da homilia, retumbou um grande aplauso entre os fiéis.
A camiseta rasgada é o símbolo de nossa falta de caridade. Mais uma vez, lembrei-me da frase do Upanishad: "Tat tvam asi". Você é isso. Todos os dias, nós falhamos ao doar farrapos àqueles que necessitariam do inconsútil. Oferecemos migalhas a quem pede o alimento verdadeiro. Damos água salobra a quem precisa matar a sede. Estendemos a mão só para recolhê-la no instante seguinte. Emprestamos o guarda-chuva quando o tempo está bom e o tomamos de volta quando começa a chover.
Não se trata de exigir perfeição de ninguém. Quem gosta de exigir que as pessoas sejam perfeitas é o diabo. O ponto aqui é saber se estamos realmente envolvidos naquilo que fazemos, naquilo que ofertamos ao mundo. O cerne de nossos atos está na intenção no coração.
Você, cronista de sete leitores, está escrevendo com o coração nas mãos?
Você, professor, está dando uma aula que amplie o horizonte intelectual de seus alunos?
Você, médico, está ajudando a aliviar a dor do mundo?
Você, engenheiro, está construindo uma obra com sólidos fundamentos?
Você, advogado, está defendendo a real justiça?
Você, homem público, está contribuindo para o bem da comunidade?
Você, jornalista, está procurando incessantemente a verdade dos fatos?
Você, artista, está pensando nas consequências que a sua obra pode ter na vida das pessoas?
Você, funcionário público, está realmente servindo as pessoas?
Você, religioso, está procurando as coisas de Deus, e não as coisas dos homens?
A verdade é que somos seres decaídos; portanto, doaremos muitas camisetas rasgadas aos nossos irmãos. Essa falibilidade faz parte da condição humana e tem um nome bíblico: pecado original.
Mais de mil pessoas estavam na igreja quando o padre nos mostrou a camiseta rasgada. Não duvido que naquele momento todos tenham pensado que poderiam ter sido os doadores daquele pedaço de pano. A consciência do pecado é o pressuposto para despertar a misericórdia de Deus; ignorá-lo é correr o risco de ouvir, no dia do julgamento:
" Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos. Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; era peregrino e não me acolhestes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão e não me visitastes." (Mt 25, 41-43)