“Mas se alguém fizer cair em pecado um destes pequenos que creem em mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o lançassem no fundo do mar.” (Mt 18, 6)

Imagem ilustrativa da imagem O abraço do prisioneiro
| Foto: iStock

Eu o encontrei no bar, numa sexta-feira. Era um homem magro, encurvado, de gestos lentos. Estava sozinho na mesa, bebendo silenciosamente a sua cerveja. Não devia ter mais de 50 anos, mas envelhecera precocemente. O rosto tinha rugas, não sei se de preocupação ou desgosto; a calvície alongara-lhe a testa; os óculos não escondiam os olhos tristonhos. O bar estava cheio, com aquele burburinho típico das sextas-feiras; só havia uma mesa, bem ao seu lado. Apontando o lugar, perguntei ao homem:

— Está livre?

— A mesa? Está.

Sentei-me. Estávamos tão próximos que seria uma descortesia ignorá-lo; iniciei uma conversa.

— O sr. mora aqui no bairro?

— Não, estou de passagem. Moro em São Paulo.

— Em que bairro?

— União de Vila Nova. Fica na zona leste.

— Eu nasci em São Paulo, morava em Campos Elíseos, quase no Centro.

— Tem filhos, amigo?

— Tenho um menino de nove anos.

— Nove anos? Essa era a idade do meu Fábio.

Fiquei em silêncio. Ele tomou um gole de cerveja. Fechou os olhos por alguns instantes e, ainda sem abri-los, disse com a voz trêmula:

— Pois é. Ele morreu com 9 anos. Hoje estaria com quase 20.

Senti uma pontada no coração.

— Mas o que aconteceu com ele?

— Um monstro que morava na região conseguiu atraí-lo para um lugar escondido. Como ele era um menino bondoso e inocente, que sempre estava ajudando os outros, foi facilmente enganado pelo sujeito.

— Meu Deus...

— Eu e minha mulher ficamos desesperados. Procuramos o Fábio por dois dias. Fomos ao hospital, polícia, rádio... De repente, ouvimos a campainha tocar. Na frente de nossa casa, estava o corpo morto de nosso filhinho. O sujeito estava ali, disse que havia encontrado o corpo nas redondezas. Queria nos enganar. Depois, na polícia, confessou tudo.

— E esse monstro foi condenado?

— Sim. Pegou 36 anos de prisão. Mas, no último domingo, eu estava em casa, vendo televisão, e quem aparece na tela? Ele mesmo. O monstro. O sujeito que matou meu filho e destruiu a minha vida. Conversava com um médico famoso, dizendo que se sentia muito solitário na prisão. Agora eu pergunto, amigo: e a MINHA solidão? E a solidão da minha mulher?

Não pude dizer nada. O homem se calou, bebeu o último gole de cerveja, deixou uma cédula de vinte reais sobre a mesa. Quando ele se levantou, eu também fiquei em pé. Ele tirou os óculos, encarou-me com os olhos do fundo da morte e disse:

— Na verdade, meu amigo, eu é que sou o prisioneiro. Para sempre.

Dei-lhe um abraço de irmão e depois fiquei observando seus passos no escuro da noite.