A edição da Folha de Londrina, de 07 de fevereiro de 2023, trouxe a primeira entrevista jornalística em que o entrevistado não é humano, mas um algoritmo de inteligência artificial. A reação, sem dúvida, foi de espanto. A própria FOLHA, na edição de 02 de fevereiro, havia tratado do assunto com especialistas que analisaram o impacto da nova ferramenta na produção textual. A jornalista Célia Musilli, na mesma matéria, testou a aptidão poética do ChatGPT, demonstrando faltar-lhe poiesis, ainda que o escrevente digital esbanje muita tecné.

Associar palavras não faz do algoritmo um poeta, a exemplo de Manoel de Barros, para quem “o poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina”. E continua: “No osso da fala dos loucos há lírios”. Por ora, não haverá lírios nos textos do escriba nascido no Vale do Silício.

O desenvolvimento tecnológico fomenta fenômenos que apressam a destruição dos vínculos tradicionais e geram transformações no modo de gerir a socialização humana. O ChatGPT dispõe de excessiva capacidade técnica. É isso que assusta e assombra. Mas é carente de poiesis, pois é incapaz de sentimentos, de criatividade e de capacidade imaginativa. Talvez ele jamais consiga entender que “a poesia está guardada nas palavras” – parafraseando novamente o trovador mato-grossense. A menos que tais algoritmos, no futuro, consigam capturar e expressar sentimentos, como no filme “Ela”, de 2013, em que Theodore (Joaquim Phoenix), um escritor solitário, se apaixona pela voz feminina do sistema operacional do seu computador, mantendo com “ela” um intenso e dramático relacionamento amoroso.

O professor do Departamento de Comunicação da UEL, Miguel Contani, e o crítico literário, Marcos Losnak, em matéria da FOLHA, analisaram o uso do ChatGPT e suas implicações quanto ao plágio, aos direitos autorais e a responsabilização pelo conteúdo produzido. O ChatGPT, ao que tudo indica, afetará a práxis, termo que os gregos consagraram para expressar a ética.

Na contemporaneidade, Karl Otto-Apel e Jürgen Habermas, dois filósofos alemães, dedicaram-se à formulação da ética do discurso. A ética, para esses autores, ocorre em um nível de intersubjetividade e de reciprocidade mediada linguisticamente. A interação social depende de palavras portadoras de significação.

Se as relações sociais emanam da linguagem, significa que a ética é própria do ser humano. Porém, diante de uma pessoa que age inconscientemente não há como firmar uma relação de intersubjetividade. O outro, nesse caso, será tratado como objeto e não como sujeito. Diante de uma pessoa embriagada, por exemplo, assume-se uma atitude objetivante. Muito embora se possa combater um bêbado, não é possível discutir com ele, e muito embora se possa falar com ele, não se pode argumentar. A presença de motivos inconscientes torna a interação objetivada, despindo-a de reação emotiva, de reciprocidade e de expectativa mútua de comportamento.

A ética, portanto, só é plausível diante de pessoas que possuam competências cognitivas e linguísticas. O ser humano sempre conferiu uma atitude objetivamente às tecnologias em geral, tratando-as como meros objetos. O ChatGPT parece reivindicar uma posição de sujeito para si, já que ele demonstrou ser possível interagir com o ser humano fazendo uso do mesmo insumo que alimenta as relações éticas: a linguagem.

Afinal de contas, a ética impõe limites às novas tecnologias ou a técnica, ao contrário, amplia os limites da ética? Não lancei essa pergunta ao ChatGPT. Deixo essa tarefa aos estimados leitores, caso queiram, é claro, saciar a curiosidade. Por ora, apenas atesto que este texto é de minha autoria, escrito na tarde da última quinta-feira, sorvendo algumas xícaras de café, prazer que o ChatGPT, na condição de escritor, não pode desfrutar nem saborear.

Clodomiro José Bannwart Júnior é professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina.

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