As propostas dos dois principais candidatos ao governo do Paraná para a segurança pública não propõem grandes reformas, não tratam com profundidade do problema da violência policial e fazem uma aposta na integração entre as instituições. A análise é do professor da UFPR Henri Francis, mestre e doutorando em Sociologia e pesquisador da área, que a pedido da FOLHA analisou os principais pontos dos planos de Ratinho Júnior (PSD) e Roberto Requião (PT) para este setor. Esta é a segunda reportagem da série que a FOLHA publica na edição de final de semana sobre os planos dos dois candidatos ao governo - os únicos com mais de dois dígitos nas pesquisas de intenção de voto - para quatro áreas sensíveis: Educação, Segurança, Saúde e Desenvolvimento Econômico.

Para Henri Francis, a principal diferença entre as propostas do candidato à reeleição e o plano do ex-governador é a visão geral da política de segurança pública. “O plano do Requião tem uma visão mais humanista do processo, está mais preocupado com os direitos humanos e as mulheres. O plano do Ratinho Júnior foi estabelecido dentro de uma lógica de gerenciamento, de gestão”.

O pesquisador considera negativo o fato de os planos não proporem e não se comprometerem com mudanças significativas no âmbito legislativo. “Eles não propõem nenhuma reforma que a gente possa levar em consideração. Há limites para o Executivo estadual, precisa de uma mudança em âmbito federal. Mas poderia haver um compromisso com mudanças estruturais na legislação federal, e não vemos isso”.

Essa discussão mais ampla poderia abranger o tema da violência policial, avalia o professor. “Os programas não tocam nos pontos fundamentais acerca da violência por parte das forças policiais. Esse é um problema que está ligado à estrutura do sistema. Um governo realmente preocupado com transformações na segurança precisa assumir compromissos políticos de reformas na Constituição”, diz Henri Francis. “Precisa atuar politicamente para criar as condições de ele próprio ter recursos e ferramentas jurídicas para aplicar as políticas mais eficientes no campo da segurança, em especial no que diz respeito à violência do aparato policial”.

Integração

A ideia de integrar as diversas instituições da segurança pública começou a se consolidar em planos de governo no início dos anos 2000, afirma Henri Francis. Segundo o especialista, no entanto, há uma dificuldade natural nesse processo. “Os dois planos parecem circunscritos a essa lógica de que precisa integrar. Mas são instituições que não foram feitas para se integrarem, pelo contrário. Elas disputam poder e recursos públicos”.

Imagem ilustrativa da imagem Ratinho Jr. e Requião evitam grandes reformas em planos de segurança
| Foto: Gustavo Carneiro 27-06-22

Nas experiências de integração de órgãos de segurança registradas no país, diz Francis, foi observado que uma instituição acaba absorvendo as demais. “Não é fácil integrar, a não ser por curtos espaços de tempo. Uma política bem sucedida consegue promover alguma integração, mas, quando ela se consolida, uma das instituições acaba absorvendo a outra. Temos exemplos de políticas que estão completando uma década, mas na verdade as instituições foram completamente absorvidas”.

Proteção social e recompensas

O programa de Ratinho Junior propõe a criação de um sistema de proteção social, que estabeleceria novos parâmetros para remuneração e concessão de pensões para policiais militares. Para Henri Francis, a proposta poderia trazer benefícios para a categoria e para a população, mas o especialista não acredita que ela saia do papel ou traga resultados efetivos.

“Se isso incluir um debate amplo com o conjunto do efetivo, pode trazer benefícios imediatos não apenas aos servidores militares, mas ao atendimento final. Melhores condições de trabalho dos militares estaduais podem elevar muito a qualidade do serviço prestado, mas duvido que aconteça”, diz o pesquisador.

Ainda em relação à PM, Ratinho Junior se compromete a contratar uma empresa especializada na gestão de call center para o Centro de Operações da Polícia Militar (COPOM). “Terceirizar um serviço essencial ao atendimento operacional não é inteligente”, critica Francis. “Quem propôs isso não entende como funciona o sistema. É um setor sensível para todo o processo de atendimento. Os policiais que trabalham ali às vezes já atuaram nas unidades operacionais, sabem como funciona a rotina. O contrário também é verdadeiro. É uma vantagem que precisa ser melhor explorada e não cortada”.

Outra proposta de Ratinho Junior é o Programa Estadual de Pagamento de Recompensas. A população seria recompensada por denúncias. O professor lembra que experiências semelhantes foram realizadas em estados como Pernambuco e Rio de Janeiro, sem sucesso. “É difícil dizer o que isso pode gerar quando falamos de denunciantes”, avalia o pesquisador da UFPR, que considera a proposta superficial.

Polícia comunitária e câmeras nas fardas

Uma bandeira antiga do candidato petista, Roberto Requião, é a polícia comunitária e a instalação de módulos da Polícia Militar nos bairros, que ele retoma no plano de governo atual. Para o pesquisador na área, professor Henri Francis, não há como criar uma polícia comunitária em um modelo militarizado. “É um problema de estrutura, não há como implantar polícia comunitária tendo exércitos fazendo segurança pública, sobretudo com o tipo de Polícia Militar que temos. Trata-se de uma instituição que não foi criada para isso. Não vai se adaptar facilmente, sobretudo com o fenômeno dos últimos anos, com essa obsessão pela militarização e pela guerra”.

Requião também propõe a instalação de câmeras nas fardas dos policiais militares, como forma de combater a violência, o que já vem sendo feito em estados como São Paulo e Rio de Janeiro. O pesquisador da UFPR diz que esse tipo de proposta não deve ser o centro do debate quando o assunto é violência policial. “No estado temos exemplos que vieram como grandes novidades e logo se perderam na má gestão da polícia. O telefone celular nas viaturas, que prometia se tornar uma ferramenta de comunicação direta entre as equipes e a comunidade, logo se perdeu, faltavam baterias e carregadores. Esse tipo de política pode ser importante, mas não deve ser o centro do debate”.