A FOLHA inicia neste final de semana uma série de reportagens sobre o plano de governo dos dois principais candidatos ao governo do Paraná, Ratinho Jr. (PSD) e Roberto Requião (PT), sobre quatro temas cruciais: Educação, Segurança, Saúde e Desenvolvimento Econômico. Especialistas nessas áreas vão avaliar o conteúdo das propostas de ambos, que são os concorrentes mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto - os únicos cujos índices passam dos dois dígitos. A série começa com o tema Educação. As demais serão publicadas nos finais de semana seguintes, finalizando na edição dos dias 24 e 25 de setembro.

As propostas de Ratinho Jr. e Requião para a área têm poucos pontos em comum e se comprometem de maneira tímida a abrir concursos e recompor o quadro funcional. Enquanto o plano do candidato à reeleição promete aumentar o uso da tecnologia, o ex-governador aposta no diálogo com professores e comunidade escolar.

A primeira especialista ouvida pela FOLHA foi a mestre e doutora em Educação Andrea Gouveia, do Departamento de Planejamento e Administração Escolar (Deplae) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Diálogo

Para Andrea Gouveia, o primeiro ponto a ser analisado em um plano para a Educação é a proposta de relação e diálogo com os profissionais. “Planos de governo são genéricos e têm pouco espaço para um diagnóstico. A rede estadual tem alta qualificação de professores e uma história de gestão democrática. A primeira coisa que eu me pergunto é o quanto a gestão considera a interlocução com os seus profissionais”.

Sob esse ponto de vista, ela avalia que os planos dos dois principais candidatos não são comparáveis. Enquanto Ratinho Junior propõe soluções com base na tecnologia, com pouco espaço para o protagonismo dos profissionais, o programa de Roberto Requião deixa implícita uma ideia de retomada de diálogo com as categorias da Educação, ainda que não especifique como isso será feito.

“O programa do Ratinho Junior propõe soluções tecnológicas, mas que não dialogam com o cotidiano da escola. Não tem espaço para entender o protagonismo dos professores. A impressão é que o programa foi feito de fora da rede para dentro. Tenta colocar soluções para problemas que não ficam claros quais são”, afirma a professora. “No programa do Requião aparece a ideia de recolocar isso no horizonte da gestão do sistema. Pelas posições mais gerais não dá para saber exatamente o que vai ser feito, mas elas apontam para uma visão de mais diálogo”.

Diversidade

Andrea Gouveia avalia que os dois programas falham em relação à diversidade na oferta de vagas no sistema educacional. “O programa do Ratinho diz que houve diversificação da oferta das oportunidades educacionais e dá como exemplo as escolas cívico-militares, que são um projeto polêmico. Mas ao mesmo tempo coloca uma preocupação com escolas indígenas e quilombolas. Dá a impressão de que a diversificação não serviu aos propósitos e não fica clara a proporção disso”.

Já a proposta do ex-governador trata o tema de maneira genérica e sugere uma discussão posterior com a comunidade. “O programa do Requião também coloca a necessidade de pensar a diversidade e faz uma crítica mais contundente da ideia do disciplinamento, mas é meio genérico. Propõe avaliar e ver qual a diversidade necessária, dialogando com educadores e comunidade. Há uma sutil proposição e uma ausência sobre qual diversidade’”.

Valorização dos profissionais

Outro tema avaliado é o conjunto de propostas que podem promover a valorização dos professores. De maneira geral, os dois planos se comprometem a abrir concursos para a contratação de novos profissionais e recompor os salários, o que não é garantia, segundo Andrea Gouveia. “A indicação de novos concursos, reajustes e reposições no programa do Ratinho Junior é genérica, porque no primeiro não houve”, salienta a professora.

A valorização do quadro de profissionais da Educação passaria pela retomada da carreira de funcionários de escola, avalia a especialista. “Há um silêncio no programa do Ratinho Junior sobre o fim com a carreira dos funcionários de escola, um quadro de carreira. Era um diferencial na qualidade da educação do Paraná e acabou durante a pandemia”.

O programa de Requião se compromete de maneira geral a abrir concursos, mas não especificamente para a Educação. E não cita os funcionários de escolas. “No programa do Requião a retomada do quadro não aparece claramente”, diz Andrea Gouveia. “Os estudos mostram que um quadro permanente garante um melhor uso dos programas de formação. Para se pensar em uma escola que avance em termos de qualidade, os melhores quadros têm que ser mantidos. E é uma regra constitucional. O estado abusa da ideia da excepcionalidade, tem 30% de temporários no quadro de professores”.

Escolas cívico-militares

O plano de Requião critica a adoção das escolas cívico-militares durante a primeira gestão de Ratinho Junior. Segundo o plano apresentado pelo ex-governador, a criação das escolas é uma “aposta de que a imposição e a aceitação irrefletida da autoridade e da disciplina pudessem oferecer soluções para os problemas enfrentados na vida escolar”. As escolas são apresentadas como modelo por Ratinho Junior.

Segundo Andrea Gouveia, estudos nacionais sobre os resultados decorrentes da adoção desse modelo são pouco conclusivos. “Elas são bem recebidas pelas comunidades, porque a sociedade tem cada vez mais marcos de violência. A ideia de um militar na gestão faz as pessoas comprarem essa ideia”, afirma a educadora. “Mas essas escolas selecionam os alunos. Precisamos abrir mais os dados para saber se essas escolas não estão ficando só com os alunos que aprendem. Talvez sejam crianças que aprenderiam em qualquer modelo de escola”.

Tecnologia e educação profissionalizante

Dois temas comuns em planos de governo quando o assunto é educação são o uso da tecnologia e o ensino profissionalizante. Andrea Gouveia avalia que há espaço para a oferta de mais vagas no ensino profissionalizante, mas lembra que ele é uma das partes da formação.

“As funções do sistema educacional são formar para a cidadania, formar para a vida adulta e para o trabalho. Nem todo trabalho implica em educação profissionalizante ou ensino superior. As duas são importantes. Mas a oferta do ensino profissionalizante ainda é pequena no Brasil. Outros países chegam a 30% ou 40%, não chegamos a 10% das titulações”, afirma a educadora.

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Já a aposta em tecnologia pode ter o efeito de afastar a comunidade da escola e não resolver problemas como a evasão escolar. “O programa do Ratinho Junior dá muito peso para a ideia do controle em tempo real, de acessar a grade de notas. É uma ideia de que o pai não precisa estar na escola, não precisa falar com o professor. Aumenta as formas de vigilância sobre o professor e diminui as formas de diálogo”.

O mero controle da frequência do aluno, como foi implantando no primeiro governo do candidato à reeleição, não garante a redução da evasão escolar, diz a especialista. “Saber se o aluno está na sala não enfrenta a evasão. O que enfrenta é conversar, ter programas de contraturno. O monitoramento é interessante, mas a tecnologia é um instrumento, não um fim em si mesma”.

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