Leio, nalgum sítio da rede mundial, que um menino de 11 anos que jogava futsal no Guarani da capital dos bandeirantes foi mandado embora do time da rua Turiaçu por ter sido avistado (filmaram o infante) em meio a torcida do Corinthians, em uma arquibancada da vida, torcendo feito um louco do bando, em um jogo de futebol...

Não sei o que escrever sobre uma situação que, se não explica a vida, resume a atual quadra de nossa existência: somos, hoje, uma pálida lembrança de quem deixamos de ser. Empatia, apego, paciência, solidariedade, respeito, cuidado, carinho, afeto, atenção, amor são palavras que o pó da história fez perder na equação espaço/tempo.

Assim é que já não somos, apenas estamos. Seria isso ou me equivoquei?

Em nome de meus ancestrais, indago: o que leva uma entidade esportiva reconhecida (ainda que não tenha qualquer título mundial, enquanto nós temos dois carimbados e catalogados pela FIFA), a tratar um menino de 11 anos desse jeito?

A atitude não é digna nem de quem, em 1969, votou contra o pleito do Corinthians, no Conselho Arbitral da Federação Paulista de Futebol, vetando a inscrição de dois jogadores em lugar de Lidu e Eduardo, falecidos em um acidente automobilístico em 28 de abril de 1969, na ponte do Limão, na marginal do Tietê, em São Paulo....

Foi essa posição, aliás, que justificou o apelido que acompanha os de verde desde então e que eles assimilaram tão bem: porco...

O autor da proeza teria sido (foi) o jornalista Tommaso Mazzoni, um ítalo brasileiro que escrevia elegantemente na Gazeta Esportiva, o então maior jornal de esportes do país. Ao comentar a posição dos palestrinos no Conselho Arbitral, assim se lhes referiu: ‘um espírito de porco’...

Porcos fora, o espírito parece ter sobrevivido a catarse do acidente que vitimou os jovens jogadores alvinegros, naquilo que a tragédia de 69 é rediviva em 2022, no cancelamento de uma criança (de 11 anos) por ter sido filmada em meio à torcida do Todo Poderoso Timão...

Freud teria dificuldade em explicar tamanho complexo de inferioridade, notadamente em face da grandiosa capacidade de quem imagina que 51 seja mais do que uma pinga, justamente porque o sonho, para Sigmund, constitui uma ‘realização (ainda que disfarçada) de um qualquer desejo então reprimido’ – convenhamos: há demasiado desejo reprimido na atitude da direção dos palestrinos ao cancelar o jovem de 11 anos pelo não motivo deste querer ser feliz...

Na medida em que não há infelicidade na zona leste de São Paulo, tampouco desejo reprimido e/ou apropriação de narrativas de interesse (para nós 51 segue sendo pinga) o Principado de Itaquera (onde reinou Rivellino), se apressou em convidar o infante a vestir nossas cores (no que ele já aceitou e perfilou com o manto sagrado).

Assim é que, por obra do destino, o jovem antes verde, hoje é preto e branco, e voltou a sorrir...

Não se pode, todavia, generalizar a infeliz opção dos de verde: deve ter sido um ato isolado de um subalterno estafeta, então deveras ocupado criando conteúdo sobre 1951....

De toda sorte a história se fez e seu tear deságua na possibilidade do menino, então expulso da instituição que a segunda guerra fez mudar de nome (de palestra para palmeiras), encontrar a felicidade nas cores de quem nasceu sob a luz dos lampiões, ‘colorido em preto e branco sem preconceito de cor’.

De minha parte só posso desejar ao infante a valorização da felicidade que ele deve estar vivendo, uma vez que a conjuntura dos astros, com Júpiter na terceira casa de Saturno e sob a era de Aquário, ainda que nada signifique, demarca o instante em que o menino foi resgatado das sombras e ascendeu à luz.

Sede, então, muito bem-vindo ao bando de loucos meu jovem e siga sabendo que ser feliz demanda cantar a ‘canção da glória e a santa melodia’. Cante mais, todavia, ‘revirando a noite, revelando o dia’, porque os deuses lhe convidaram viver uma fantasia de seu coração – e isso, além de raro, demanda aceitar a hipótese freudiana de que um conteúdo manifesto se sobrepõe à temática então latente, que repousa em nosso inconsciente...

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO:  Ouça a voz do coração...
| Foto: Danilo Fernandes /FramePhoto/Folhapress

Assim, sem querer, o Guarani da capital dos bandeirantes deu razão à hipótese freudiana de que a repressão a que nos submetemos em nossa infância demarca nossa caminhada – justamente o que se passou com o jovem que se vestia de verde enquanto sonhava com o preto de branco de nossa história...

É `nóis´ criança!

Tristes e estúpidos trópicos, onde um menino sonhador é cancelado até ressurgir ‘colorido em preto e branco, sem preconceito de cor’.

Olhai por Ele, Pai.

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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