A falta de matéria prima para produção de medicamentos, a grande procura por insumos hospitalares, a variação cambial e a alta da inflação registrada nos últimos dois anos, elevaram os custos de manutenção dos hospitais. No primeiro semestre do ano passado, quando o Brasil viveu o auge da pandemia de Covid-19, com a imunização da população ainda em fase inicial, o agravamento dos casos clínicos e a superlotação nos hospitais, os preços de remédios e EPIs (equipamentos de proteção individual) dispararam. Alguns medicamentos chegaram a subir mais de 1.500% entre 2020 e 2021 e o HU (Hospital Universitário) de Londrina teve um aumento de quase 150% nos valores empenhados na comparação com o período pré-pandemia.

Um levantamento apontou alta de 5,96% no preço dos medicamentos no país em 2021. A variação foi medida pelo IPM-H (Índice de Preços de Medicamentos para Hospitais), indicador criado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) em parceria com a Bionexo, empresa que atua na área de soluções digitais para gestão em saúde. O resultado aponta crescimento abaixo da inflação de 10,06% no período, calculada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas no dia a dia das instituições de saúde, as planilhas de controle financeiro mostram um aumento bem mais significativo nos custos gerais de manutenção.

Em 2019, antes da pandemia, o HU de Londrina empenhou R$ 39 milhões para cobrir as despesas da unidade. Em 2020, o valor empenhado cresceu 38,46% e chegou a R$ 54 milhões. No ano passado, quando houve o agravamento da situação epidemiológica, os custos subiram para R$ 96 milhões - alta de 146% na comparação com o período pré-pandemia. A verba orçamentária é destinada ao custeio de todos os gastos da instituição, da compra de papel higiênico a medicamentos. Mas segundo a diretora administrativa do HU, Daiane Cardoso, a maior parte desse valor foi usada na compra de material hospitalar e medicamentos.

KIT INTUBAÇÃO

Um exemplo do efeito da pandemia nos custos da instituição de saúde é o fentanil, um dos medicamentos que compõem o kit intubação. A ampola, que em 2020 custava R$ 5,07 a unidade, a partir de abril do ano passado, no pico da doença, chegou a R$ 48,50, uma alta de 856%. E além da explosão no preço, houve a falta do medicamento. “Vários fatores levaram a isso, a oscilação cambial, o aumento exponencial do consumo, tendo em vista a gravidade da pandemia. Quando começou o agravamento da doença e as pessoas começaram a precisar de intubação, os antibióticos, os sedativos, os relaxantes neuromusculares e os EPIs - máscaras, aventais, luvas – tiveram alta em torno de 300%”, disse Cardoso. “Esses insumos sumiram do mercado mundial devido ao alto consumo. A China e a Índia, que detinham a matéria-prima, precisavam produzir em larga escala e vimos a vulnerabilidade do sistema produtivo nacional. Os laboratórios locais não tinham como produzir. E ainda teve a alta do dólar.”

De forma geral, se analisada toda a gama de materiais hospitalares e medicamentos, a alta nos preços foi de 70%, calculou o gerente financeiro da Santa Casa de Londrina, Manoel Velasco Junior. “Não foi só o valor, foi também a questão do consumo. Tivemos uma mudança grande no perfil de gastos de produtos. A luva teve um aumento exacerbado de preço. Hoje, a caixa que custava R$ 14, custa R$ 30, mas cheguei a pagar R$ 96 (585% de aumento). Antes da pandemia, eram 600 caixas por semana. Agora, são 800”, comparou.

Entre os medicamentos, um dos mais básicos teve alta expressiva no período. A dipirona injetável, cuja ampola de cinco mililitros custava R$ 0,50, na semana passada era vendida por R$ 5,78, uma diferença de 1.056%. O rocurônio, sedativo amplamente utilizado para auxiliar na intubação de pacientes, antes da pandemia custava R$ 12 a ampola. No auge da doença, em 2021, chegou a custar R$ 195, aumento de 1.525%. Hoje, baixou para R$ 30, mas o valor ainda está 150% acima do praticado há dois anos.

icon-aspas Não foi só o valor, foi também a questão do consumo. Tivemos uma mudança grande no perfil de gastos de produto

PREJUÍZO

Velasco destacou, no entanto, que as maiores altas foram observadas nos materiais descartáveis, como luva, máscara, touca e avental. Os gastos com esses itens dobraram desde 2019. Para os hospitais filantrópicos, como a Santa Casa, que vivem “no vermelho”, a alta repentina nos custos resulta em um prejuízo ainda maior para as instituições. O último reajuste linear na tabela do SUS foi aplicado há 11 anos e há valores que permanecem inalterados há quase duas décadas. “Sem reajuste, os custos estão sendo absorvidos pelas instituições. O convênio não paga o EPI porque é equipamento de proteção do trabalhador.” O gerente financeiro calcula que o balanço de 2021 deva apontar um prejuízo duas vezes e meia maior que o prejuízo registrado em 2020.

O IPM-H registrou oscilações ao longo de 2021, com crescimento no primeiro semestre seguido de seis quedas consecutivas, entre junho e novembro. Em dezembro, houve ligeiro aumento, com alta de 0,19%. “A sequência de seis quedas mensais seguidas em 2021 coincidiu com os avanços na imunização dos brasileiros e o maior da pandemia no país, o que reforça a relação entre o controle da pandemia e o comportamento dos preços dos medicamentos”, avaliou o CEO da Bionexo, Rafael Barbosa, por meio da assessoria de imprensa da empresa. “Nesse sentido, o avanço nos preços do ano passado pode ser atribuído em partes aos aumentos registrados entre março e maio, período que combinou o agravamento do quadro da pandemia e os reajustes nos preços (CMED, em abril)”, concluiu.

O resultado do consolidado do IPM-H em 2021 foi menor do que o crescimento registrado em 2020, de 14,35%. Nos anos anteriores, as altas foram de 3,97% (2019), 4,97% (2018), 3,94% (2017) e 4,74% (2015). No entanto, desde o início da pandemia da Covid-19, em março de 2020, o IPM-H apresenta uma alta acumulada de 18,84%, impulsionada pelas variações positivas registradas nos preços de quase todos os grupos de medicamentos, sendo mais expressivas em aparelho digestivo e metabolismo (56,02%), sistema nervoso (48,99%) e aparelho cardiovascular (37,20%).

“Os preços não vão cair enquanto tiver pandemia. Não vai haver redução nesse momento até porque o aumento hoje é em função da matéria prima que está em falta no mercado. Vai um tempo até estabilizar e reduzirem os preços, mas não voltarão aos patamares normais nunca mais”, afirmou Velasco.