BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Jair Bolsonaro enfrenta seu maior desafio na arena internacional nesta quinta (22), quando realiza um breve discurso na Cúpula de Líderes sobre o Clima organizada pelo presidente dos EUA, Joe Biden.

O líder brasileiro terá apenas três minutos para tentar desfazer a imagem que ele mesmo cultivou nos últimos anos e que hoje é partilhada por boa parte dos governos estrangeiros: a de um chefe de Estado descompromissado com a preservação do meio ambiente e, particularmente, da Amazônia; adversário de povos indígenas e obstáculo para a proteção de uma das áreas de maior biodiversidade no planeta.

Relatórios sobre a gestão de Salles à frente do Meio Ambiente preocupa comunidade internacional
Relatórios sobre a gestão de Salles à frente do Meio Ambiente preocupa comunidade internacional | Foto: Marcos Correa/PR

De acordo com pessoas que acompanham os preparativos, Bolsonaro deve repetir em seu discurso, de forma mais concisa, a mensagem antecipada em carta enviada a Biden no dia 14 de abril. No documento, o líder brasileiro prometeu acabar com o desmatamento ilegal até 2030.

"Reitero o compromisso do Brasil e do meu governo com os esforços internacionais de proteção do meio ambiente, combate à mudança do clima e promoção do desenvolvimento sustentável. Teremos enorme satisfação em trabalhar com V. Excelência em torno desses objetivos comuns", escreveu Bolsonaro ao democrata na ocasião, distanciando-se da imagem do presidente que, num passado recente, acusou ONGs de colocarem fogo na Amazônia e apontou cobiça estrangeira sobre o bioma.

Ainda segundo interlocutores, Bolsonaro deve argumentar que as ações do Brasil para a preservação do bioma têm cinco eixos: ações de comando e controle, regularização fundiária, pagamentos por serviços ambientais, ações de zoneamento ecológico-econômico e promoção da bioeconomia. Ele também deve indicar um aumento de recursos para o Ministério do Meio Ambiente, mas sem detalhar valores.

Se a mudança de tom é avaliada positivamente pelos EUA, Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ainda não conseguiram apresentar aos estrangeiros uma estratégia convincente para atingir os objetivos traçados. Os cinco eixos do plano brasileiro, por exemplo, são uma reciclagem de pontos frequentemente destacados por Salles.

Os mais recentes dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostraram que a área de alertas de desmatamento na Amazônia em março foi 12,6% maior do que a registrada no mesmo mês de 2020. E há temores no governo de que os dados de abril não indiquem uma reversão de tendência.

As dificuldades em conter os índices são uma das razões que levaram o governo a estudar novamente a ampliação da ação dos militares no combate a crimes ambientais na Amazônia -embora o Planalto já houvesse anunciado a retirada desse efetivo. Em outra frente, negociadores americanos e europeus têm recebido com preocupação relatórios sobre a gestão de Salles à frente do Meio Ambiente.

Na terça-feira (20), por exemplo, fiscais do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e outros servidores publicaram uma carta na qual afirmam que "todo o processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se comprometido e paralisado" devido a um recente ato publicado pelo governo.

Neste mês, a superintendência da Polícia Federal no Amazonas entrou em choque com Salles em torno da maior apreensão de madeira da história do Brasil. O então chefe da corporação no estado, Alexandre Saraiva, disse que pela primeira vez viu um ministro do Meio Ambiente manifestar-se contra uma ação que visa proteger a floresta amazônica. E emendou que na PF "não vai passar boiada", em referência à célebre frase dita por Salles no ano passado. Em um sinal de força do ministro, Saraiva foi removido do cargo.

A combinação de avanço da devastação na Amazônia e enfraquecimento das agências de combate a crimes ambientais dificulta o cumprimento, pelo Brasil, de um dos principais pedidos da gestão Biden.

A equipe liderada pelo enviado especial para o clima, John Kerry, tem ressaltado nas conversas bilaterais que o governo brasileiro precisa conter até o final do ano a progressão da destruição da floresta.

Uma curva descendente de desmatamento é condição para que os americanos comecem a considerar o envio de ajuda internacional para o Brasil, como Salles e Bolsonaro têm cobrado. O ministro, por exemplo, tem afirmado que o país precisa de US$ 1 bilhão para diminuir o desmatamento no curto prazo.

Ao menos até agora, o pleito encontra ceticismo em Washington --que prega comprometimento de recursos apenas após a entrega de resultados. O histórico de Salles não ajuda a sensibilizar os estrangeiros. Eles lembram que o Fundo Amazônia detém em caixa recursos bilionários, doados por Noruega e Alemanha, mas que, ainda assim, o mecanismo encontra-se travado após mudanças feitas em seu comitê gestor pelo atual titular do Meio Ambiente.

O preço de um desempenho pouco convincente na cúpula pode ser alto para o Brasil, alertam interlocutores nos dois governos. Um Bolsonaro que continue a ser retratado como vilão global do meio ambiente não só tende a perder apoio dos americanos em temas-chave -como para o desejado ingresso na OCDE, o clube dos países ricos- como corre o risco de, no futuro, assistir a EUA e Europa discutirem a crise ambiental na Amazônia em fóruns onde o Brasil não tem assento, como o G7.

Biden também trabalha para que investimentos americanos tanto do setor público como do privado sejam alocados levando em conta compromissos ambientais. Assim, está claro para conselheiros de Bolsonaro que o tema vai além das relações entre Brasil e Estados Unidos.

O diagnóstico ficou evidente nas conversas preparatórias para a cúpula. Os embaixadores em Brasília de EUA, Reino Unido, Noruega, Alemanha e União Europeia realizaram recentemente uma série de conversas com autoridades brasileiras. A ação conjunta foi pensada para transmitir o recado de que os EUA de Biden e a Europa estão na mesma página quando o tema é ação contra o aquecimento global.

A cúpula foi arquitetada para ser o marco do retorno dos EUA ao combate ao aquecimento global, agenda abandonada pelo ex-presidente Donald Trump. Quarenta chefes de Estado foram convidados para dois dias de debates virtuais, dos quais também participarão líderes empresariais e da sociedade civil.

Biden quer usar o encontro para mostrar que a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC é um dos pilares da atuação de sua administração em política externa. Também funcionará como uma prévia da COP26, reunião global sobre o clima que acontece em Glasgow, na Escócia, em novembro.