O mapa do Paraná que conhecemos hoje e a divisão em 399 municípios poderia ser diferente caso o Decreto-Lei 5.812, de 13 de setembro de 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, não tivesse sido extinto três anos mais tarde. Na época, a decisão criou o Território Federal do Iguaçu, que compreendia parte das regiões do Sudoeste e Oeste paranaense e também o Oeste catarinense.

Imagem ilustrativa da imagem Na década de 40, Paraná perdeu parte de sua área para um território federal
| Foto: iStock/Folha Arte

A motivação veio com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Ainda havia imensos vazios demográficos ao longo das fronteiras, fato que incomodava o governo. Temendo uma invasão, os getulistas decidiram desmembrar cinco regiões estratégicas da fronteira do país, para administrá-las diretamente como territórios federais.

O programa “Marcha para o Oeste” criou então os territórios do Amapá, Rio Branco (onde hoje está Roraima), Guaporé (hoje Rondônia) e Ponta Porã (hoje Mato Grosso do Sul), além do Iguaçu, que tinha área de 65.854 quilômetros quadrados, sendo 51.452 quilômetros quadrados do Paraná e 14.402 quilômetros quadrados de Santa Catarina. A ocupação deveria atender à uma necessidade de estabelecer e desenvolver as condições mínimas de nacionalização, organização social e econômica, defesa e segurança das regiões fronteiriças e de integrá-las às demais regiões do Brasil.

Cascavel
Cascavel | Foto: iStock

Dias depois, o Decreto-Lei 5.839 instituiu a capital. “Foz do Iguaçu, então com 29 anos de fundação, buscava o título, mas achavam que ficava muito longe. Então o distrito de Vila Xagu, que pertencia à Guarapuava, foi anexado ao território e rebatizado de Iguaçu. Em 1947, já com a extinção do Território Federal, a cidade passa a se chamar Laranjeiras do Sul”, conta Maria Helena Ramos, professora de História. Além de Iguaçu e Foz, o território contava com outras três cidades: Clevelândia, Mangueirinha e Chapecó.

“Havia uma reclamação geral da população na época, criticando a falta de atenção que a região sofria por parte dos governos, com graves deficiências na infraestrutura. A educação sofria sérios problemas, também não havia saneamento básico e a saúde era precária, com surtos de várias doenças. Por isso, quando houve a criação do território, muitos moradores comemoraram, enxergando ali uma possível melhoria na qualidade de vida. Houve certa euforia e um sonho de desenvolvimento e crescimento”, frisa a professora Maria Helena.

Laranjeiras do Sul (antiga Iguaçu)
Laranjeiras do Sul (antiga Iguaçu) | Foto: Arquivo ANPr

Administrada pelo governo federal, a região cobria toda a fronteira dos dois estados com Paraguai e Argentina. O major João Garcez do Nascimento, bastante próximo de Vargas, foi nomeado governador. Em fevereiro de 1946, foi sucedido pelo também major Frederico Trotta. Na época, a população local realmente chegou a receber mais atenção do governo getulista, que promoveu avanços em várias áreas.

“Foi um período de boa evolução, se comparada com o cenário que havia antes. A educação foi melhor estruturada, com a vinda de professores e construção de escolas. Na saúde, houve a inauguração de um hospital na cidade do Iguaçu e postos de saúde foram abertos nas demais regiões”, explica Ramos. O aumento populacional, com forte migração de habitantes do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, também foi destaque na época. “Até hoje a influência gaúcha e catarinense é bastante forte na região, muitas famílias foram para lá no período do território acreditando no progresso”, complementa a professora.

Mas a “aventura” durou pouco. Após a morte de Vargas, deputados paranaenses e catarinenses conseguiram aprovar a extinção do território e retomar suas áreas durante a Assembleia Constituinte que elaborou a Constituição Federal de 1946. Nos anos seguintes, importantes cidades foram fundadas na região paranaense, como Cascavel, Pato Branco e Toledo, em 1951, Francisco Beltrão, em 1952, e Marechal Cândido Rondon, em 1960.

Chapecó - SC
Chapecó - SC | Foto: iStock

Mesmo assim, diversos grupos tentaram emplacar a volta da independência da região. Em 1947, a primeira tentativa ocorreu por meio de um abaixo-assinado. Já na década de 1960, as ações se intensificaram com a criação da CODEI (Comissão para o Desenvolvimento e Emancipação do Estado do Iguaçu) e da SODEI (Sociedade para o Desenvolvimento e Emancipação do Estado do Iguaçu). Para os movimentos, a emancipação traria liberdade e progresso. “Assim que o Território do Iguaçu foi extinto, aquela atenção dada termina e os problemas estruturais, que sequer tinham sido resolvidos com plenitude, voltam a castigar a região, que volta a ficar esquecida. Então parte da população se manifesta a favor da independência, mas vem o golpe de 1964 e o movimento arrefece, sendo retomado a partir de 1983, durante o processo de redemocratização do país”, observa a professora de História.

Entre 1983 e 1986, são realizados diversos encontros para rearticular o debate. “Houve uma proposta de emenda para a realização de plebiscito na Assembleia Constituinte, em 1987, que foi derrotada na Comissão de Organização do Estado”, detalha Maria Helena Ramos. Uma nova articulação conseguiu reunir 50 mil assinaturas dos moradores para apresentação de uma proposta de Emenda Popular à Constituinte. A emenda chegou a seguir para a votação, mas foi retirada antes do veredito pelo deputado federal Nilso Romeu Sguarezi, que havia apresentado a proposta.

Nos anos 1990, outra tentativa: a de um plebiscito, apresentada pelo deputado federal Edi Siliprandi. O projeto 141/91 chegou a ser votado pelo plenário da Câmara, em 31 de março de 1993, mas foi rejeitado por 177 votos contra, 90 a favor e 13 abstenções. “Os governos estaduais e as Assembléias Legislativas do Paraná e de Santa Catarina se uniram e fizeram grande pressão entre os deputados, conseguindo derrubar a proposta. A partir daí, a ideia perdeu expressividade e hoje pouco se fala”, observa Ramos.

O território hoje

Fundação de municípios e expansão da agroindústria mudou panorama da região

Passados mais de 70 anos do período em que o Território Federal do Iguaçu alterou os mapas do Paraná e de Santa Catarina, a região está completamente diferente. Os anos de descaso dos governos ficaram, em parte, para trás. Com grande desenvolvimento na agroindústria, o Oeste paranaense tem destaque na produção de grãos e as cidades prosperaram. Apesar disso, Laranjeiras do Sul – a então capital Iguaçu – estagnou em crescimento populacional e hoje tem 32 mil habitantes. Foz do Iguaçu, com grande desenvolvimento durante a construção da usina de Itaipu, além de ser destaque do turismo mundial com as Cataratas do Iguaçu, cresceu mais e tem uma população de 258 mil habitantes. Clevelândia e Mangueirinha possuem 17 mil habitantes cada. “É importante observar que essas cidades perderam muitos dos seus distritos, que se desmembraram e tornaram-se municípios até mais prósperos”, observa a professora de História, Maria Helena Ramos.

Foz do Iguaçu
Foz do Iguaçu | Foto: iStock

Cascavel, hoje com 332 mil habitantes, desmembrou-se de Foz, assim como Toledo (142 mil). Já Francisco Beltrão (93 mil) e Pato Branco (83 mil) se desmembraram de Clevelândia. Entre as cidades catarinenses que integraram o Território do Iguaçu, Chapecó tem 225 mil habitantes e São Miguel do Oeste, 40 mil. Xanxerê, cidade de 50 mil habitantes, desmembrou-se de Chapecó. A população do Território do Iguaçu era de 97 mil habitantes. Hoje, só o Oeste paranaense passa de 1 milhão e 350 mil.

Em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) per capita, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Mangueirinha lidera, com R$ 80.180. Na sequência vem Foz do Iguaçu (R$ 56.702), Pato Branco (R$ 46.842), Toledo(R$ 44.448), Chapecó (R$ 44.321), São Miguel do Oeste (R$ 37.963), Cascavel (R$ 37.733), Francisco Beltrão (R$ 35.460), Xanxerê (R$ 33.864), Clevelândia (R$ 27.935) e Laranjeiras do Sul (R$ 24.175).

“Não dá pra arriscar qual seria a maior delas hoje se aquela ideia do estado independente tivesse prosperado. Talvez Laranjeiras, por ser oficialmente a capital, tivesse tido um crescimento maior, recebido mais incentivos. Com certeza teríamos um cenário totalmente diferente”, arrisca Ramos.