Rafael de Almeida Evangelista é pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), cientista social e doutor em antropologia Social pela mesma universidade, destaca que os estudos mais recentes apontam para a tendência de não trabalhar com o real e o virtual como duas esferas distintas. “A separação do online e offline é cada vez mais frágil, pois há relação entre as duas coisas. O tempo, o prestígio ou o estímulo que as pessoas vivem no ambiente das redes têm reflexos para o ambiente fora dela, como a aquisição de bens materiais que são usufruídos fora da web”, destacou.

Imagem ilustrativa da imagem "Estudos não trabalham o real e o virtual como duas esferas distintas"
| Foto: iStock

Sobre a internet das coisas, ele ressalta que há um direcionamento da indústria da informática para a colocação de sensores que produzem dados o tempo todo fora da internet para jogar para a web. “É uma busca de juntar os dois mundos cada vez mais. Um tema que tenho trabalhado é o capitalismo de vigilância, em que os mecanismos de vigilância são usados para estruturar ganhos econômicos. A gamificação utiliza várias táticas das empresas que não tem a ver com o jogar, mas tem a ver com jogos de azar. A relação entre a indústria do Vale do Silício e a indústria de cassinos é histórica. Muitos mecanismos artificiais são produzidos a partir da máquina de caça-níquel, em que você vai dando estímulos sonoros e visuais e brinca com a ansiedade e expectativa das pessoas, para que elas fiquem mais tempo ligada com os aplicativos. Quando você começa a perder de mais em um cassino, a indústria identifica esse momento e dá um bônus e uma garçonete traz uma bebida de graça e faz com que a pessoa fique mais tempo naquela máquina. A indústria das redes sociais utiliza essa mesma lógica e busca cada vez mais engajamento desse usuário e quando o sujeito está cansado da rede, a plataforma faz uma distribuição mais ativa das publicações para o sujeito obter mais curtidas, e ele continuar ali”, apontou. “Elas usam um poder instrumentário que opera baseado em uma ciência Skinneriana, de behaviorismo radical (de condicionamento clássico, que promove a gênese e a modificação de alguns comportamentos efeitos do binômio estímulo-resposta).”

No documentário O Dilema das Redes, do diretor Jeff Orlowski, afirma que as redes sociais transformam seus usuários em produtos. O senhor concorda com isso? “Em vez de falar que você é o produto eu diria que você é um trabalhador 24 horas por dia para eles. Não é você que eles estão comercializando, mas o conhecimento que você produz enquanto está nas redes. É interessante fazer essa distinção, porque somos instados a doar para essas redes, produzindo conteúdo para ela. Ninguém entra no Facebook por causa do Facebook. Você entra porque seu amigo ou seu familiar ou algum intelectual que você quer ler está lá. Ou alguma coisa engraçada. As redes sociais lucram com intermediação e fazem isso capturando dados sobre você, mas não é só para te vender coisas, mas para adquirir conhecimento sobre o mundo. Se eu tenho determinado gosto de música e filme, quando viajo para outra cidade vou a lugares de acordo com esse meu gosto. Se a rede monitora, ela sabe os meus gostos e faz a conexão com uma pessoa com perfil semelhante ao meu para oferecer produtos. Ela usa o conhecimento que eu produzi indiretamente”, destacou.

Imagem ilustrativa da imagem "Estudos não trabalham o real e o virtual como duas esferas distintas"
| Foto: iStock

“As empresas trabalham com comportamento e mudanças de comportamento e com os dados coletados sabem com certeza como os indivíduos vão se comportar quais mecanismos de influência serão colocados sobre ele. Sabendo isso tudo serão capazes de fazer melhores operações para obter lucro. Tudo isso tem a ver com precificação. Podem cobrar mais porque conseguem explorar melhor as informações”, destacou.

DEEP FAKE

“Plataformas são agnósticas, não se importam se o conteúdo que o usuário consome é sensacionalista e mentiroso. Elas produzem arquiteturas que buscam aumentar exposição daquilo que julgam pode provocar engajamento. Sensacionalismo gera mais engajamento, e a gente sabe que isso existe desde a era do broadcasting de TV. As fake news, ou melhor, a desinformação, para usar uma palavra melhor, é produto do casamento de interesses de atores políticos para manipular sua rede para uma agenda de extrema direita e para o interesse das plataformas. Esse casamento explora muito claramente a violação dos direitos humanos, explora o ódio, que o outro tem que ser exterminado, porque isso gera mais engajamento, porque lida com emoções extremas.

Quando se consegue emular a notícia, a ideia é criar uma falsidade em forma de notícia e as plataformas exploram isso. O deepfake pode ser até mais nocivo, porque a manipulação pode ser até pior. As coisas estão muito abertas e isso tende a aumentar a desconfiança das pessoas em relação a tudo. É interessante pensar que isso reflete no produto, e eventualmente vai para as instituições que já vêm sendo diminuídas e atacadas por fenômenos que estão além da internet.”

CONTINUE A LEITURA AQUI - A interferência do virtual na qualidade do espetáculo