Após a exoneração do ministro da educação, Ricardo Vélez Rodríguez, nesta segunda-feira (8), especialistas elencaram os principais gargalos educacionais do País. Desafios que agora serão enfrentados pelo recém-nomeado ministro, o economista Abraham Weintraub.

O professor e pesquisador do núcleo de políticas educacionais da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Ângelo Ricardo de Souza, vê com bons olhos a nomeação de um novo ministro. Isso porque Vélez não conseguia dialogar nem com a própria equipe, nem com os profissionais de educação ou as universidades, de acordo com o professor. “Ele demonstrou não ter habilidades de diálogo, o que é determinante no campo da educação.”

Enquanto educadora que discute currículo e questões relacionadas à educação, a professora Adriana de Jesus, do departamento de educação da UEL (Universidade Estadual de Londrina), lembra que o MEC (Ministério da Educação) se “arrasta” desde janeiro com disputas de poder internas. Ela concorda com Souza sobre a forma obtusa da condução da pasta até então. “A preocupação com o diálogo tem que ser a política atual desse governo, é preciso estabelecer contato com os setores da educação.”

Souza espera que o novo ministro tenha condição de assumir sem as desordens que Vélez vinha conduzindo, mas disse que não conhece Weintraub. “Ele tem formação, o que é interessante. Todavia, Vélez também tinha”, alertou.

Entre os imbróglios do ex-ministro, Jesus cita as diversas exonerações de pessoas que foram indicadas pelo alto escalão do MEC. O que ficou evidente, segundo a especialista, foi a sobreposição da disputa de poder em relação ao projeto educacional para a nação. “O que se viu no MEC foi uma discussão ideológica pautada em esquerda ou direita, que fez com que o ministério perdesse a real função, de pensar políticas públicas que possam melhorar o processo de ensino e aprendizagem”.

NOVO MINISTRO

“Se o novo ministro tiver esse diálogo com diretores de escolas e a sociedade como um todo, acho que temos algumas chances de avançar”, pensa Souza. Embora seja legítimo que o governo federal tenha um projeto, não se pode esquecer os programas nacionais já feitos para a educação, como o Plano Nacional de Educação, conforme lembrou o especialista.

Para Souza, a primeira condição que Weintraub deve ter é a disposição de ouvir. Em segundo lugar, não cabe trazer modelos estranhos para a educação, como práticas pedagógicas de gestão de negócios.

“Há um conjunto de oportunistas que aproveitam a troca de governo para vender ideias. Ideólogos, que não são especialistas na matéria, que querem colocar na cabeça de quem vai conduzir conceitos que não funcionam para a educação.”

O universo da educação possui especificidades distintas da gestão de negócios. O primeiro, é humano. O segundo, visa obter lucro, conforme o professor. “A escola tem interesse em formar pessoas. Não é uma simples técnica de administração que resolve os problemas. Tem que modernizar, sim, mas sempre dialogando com a natureza do processo educativo.”

COMPROMISSO

Outro desafio de Weintraub é a retomada do compromisso de investir na educação. De 2016 para cá o governo estabeleceu um teto de gastos para a educação, que, segundo Souza, é carente. “É um contrassenso. O novo ministro é um economista, espero que ele possa fazer com economia, mas fazer bem. Alcançar objetivos”.

O desafio hercúleo do novo ministro é conseguir investir em educação mesmo com o projeto de retenção de gastos apresentado pelo governo federal. Segundo Souza, mais de 15% da população jovem é analfabeta e pouco menos de 20% da população tem ensino superior, enquanto a meta do plano nacional é de 33%.

“Temos como meta atender 50% das crianças nas escolas até 2024 mas atendemos 25%”. Por isso, a última meta do plano é ampliar o investimento para 10% do PIB (Produto Interno Bruto) em educação. “Educação de qualidade se faz com boa gestão e mais investimento. Se não investir mais, não tem milagre. Basta ver qualquer país do mundo que conseguiu avanços significativos, Cingapura, Finlândia, Uruguai. Eles investiram."

'QUANTO MAIS TÉCNICO, MELHOR'

Paralelamente à briga interna entre os grupos com visões distintas dentro do MEC, os desafios e os problemas da formação dos estudantes se acumularam. Situações urgentes que teriam de ser endereçadas como a formação de professores, a evasão do ensino médio, a alfabetização, os baixos índices de aprendizagem e a base nacional curricular ficaram para um segundo plano, conforme alegam os especialistas.

Para a professora Adriana de Jesus, da UEL, cabe ao novo ministro o desafio de pensar políticas públicas. “O MEC teria que ter um educador, pessoas que realmente conhecem a educação básica, conhecem as condições das políticas educacionais, não só as questões econômicas. Temos que pensar o processo de educação integral, desde a educação básica até a superior. O MEC tem que sair da situação de palanque, não estamos mais em campanha eleitoral.”

Mauricio Fronzaglia, professor e cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pontua que os dois ministros, tanto o que está saindo quanto o que está chegando, não têm experiência na área, e que há o risco de trocar seis por meia dúzia. “O Vélez, por exemplo, parecia não ter ideia da complexidade da máquina púbica. É preocupante que não se tenha nomeado para a área um técnico com experiência comprovada.”

Fronzaglia pondera que até então nenhum projeto claro foi apresentado. “Parece que o governo se ateve mais às guerras narrativas das redes sociais do que aos problemas reais da educação. Há uma briga entre os pragmáticos, como os militares do perfil mais técnico, e o pessoal de perfil mais ideológico, por isso essa queda de braço. Para a educação, quanto mais técnico, melhor.”