Na região central, aumentou o número de pessoas dormindo sob as marquises e em praças
Na região central, aumentou o número de pessoas dormindo sob as marquises e em praças | Foto: Gustavo Carneiro



A população de moradores de rua em Londrina cresce a olhos vistos. Na região central da cidade, aumentou o número de pessoas dormindo sob as marquises e em praças. Desde outubro de 2018, o Ministério Público realiza, em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social e universidades, uma pesquisa que entre vários dados, como origem e vínculos familiares, deverá apontar também quantos eles são no total. A estimativa é de que 900 pessoas estejam vivendo nas ruas. Para os moradores da região central, os sem-teto representam um incômodo. A população do entorno das áreas utilizadas como refúgio citam a sujeira, o barulho, o consumo de drogas e o medo da violência como motivos para desejarem a remoção dos moradores de rua. Já os desabrigados têm consciência de que são um problema social, mas lembram a sociedade de que a rua não é escolha, mas falta de opção.

Próximo ao Bosque Central e à Concha Acústica vivem dezenas de moradores de rua. É naquela região também que grupos de voluntários se revezam na distribuição de alimentos ao longo da semana, garantindo uma refeição diária para a população vulnerável. Muitos moradores, no entanto, veem o trabalho voluntário como um incentivo à permanência dos sem-teto no centro e defendem a interrupção da entrega de alimentos.

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"Sou contra a presença deles aqui (na Concha Acústica). Se eles viessem, comessem e fossem embora, mas ficam por aqui, ficam gritando de madrugada, tomam banho pelados no Bosque. Esse é um ponto turístico da cidade, mas virou uma cracolândia", disse o dedetizador José Valdenor Landioso. Ele acredita que falta uma intervenção mais enérgica da Polícia Militar para coibir a permanência dos moradores de rua no centro. "Um tempo atrás, no Zerão, ninguém conseguia tirar esse pessoal de lá. Com algumas visitas da PM, eles sumiram."

O engenheiro agrônomo Edson Taramelli entende que são necessitados, mas diz que a presença deles na Concha Acústica e no Bosque constrange os moradores do entorno. "Deveriam criar um espaço apropriado que tivesse mais conforto, banheiro, pia para lavarem as mãos. Todos os dias eles recebem alimentação, a comida é garantida. As igrejas poderiam encontrar um local estratégico para distribuir as refeições."

Um comerciante da região central que preferiu manter seu nome em anonimato diz que a presença dos moradores de rua lhe desperta sentimentos como compaixão, medo e desconforto. A marquise de sua loja serve de abrigo aos sem-teto há mais de um ano. "A primeira vez que eles dormiram aqui, fiquei desconfortável e pensei em pedir para saírem, mas refleti e vi que a situação deles era bem pior do que a minha. Conversei e pedi para que retirassem papelões, cobertores e outros pertences no horário comercial. Chegamos a um acordo, mas tenho medo do que pode se transformar isso aqui. Medo da violência", comentou.

DE FORA
Ex-morador de rua e coordenador do Movimento População em Situação de Rua (POP Rua), Leonardo Aparecido Gomes afirma que a falta de políticas públicas efetivas para os moradores de rua levou ao agravamento da situação. Segundo ele, uma contagem informal feita em 2018 contabilizou mais de duas mil pessoas vivendo nessas condições em Londrina, mas ele garante que o número já é bem maior. "Tem muita cidade que coloca os moradores de rua em um carro e vêm trazer aqui para Londrina. Isso acontece muito e a cada dia chega mais gente de fora", disse. "Aqui em Londrina não tem estrutura suficiente para atender essas pessoas e a sociedade discrimina os moradores de rua. Eles são invisíveis para a sociedade. Só quando começam a usar drogas, roubar, é que ficam visíveis."

Gomes espera medidas da secretaria municipal de Assistência Social e aponta uma alternativa para amenizar as necessidades enfrentadas pela população de rua. "Deviam fazer aqui o que já fizeram em outras cidades que é organizar uma frente de trabalho para dar emprego para essas pessoas. Elas poderiam cuidar da limpeza da cidade, lavar os carros da prefeitura. Precisaria organizar direitinho, mas daria para fazer", sugere. "Como movimento, estamos cobrando medidas da secretaria de Assistência Social."

MEDO
C.A., 53, vive nas ruas desde que se separou da mulher, há três anos. Às segundas, quartas e sextas-feiras ele trabalha como carregador na Ceasa (Central de Abastecimento do Paraná), de onde tira os R$ 400 da pensão alimentícia dos dois filhos e mais o dinheiro que garante o seu sustento durante o mês. Mas os ganhos ainda não são suficientes para que ele possa pagar o aluguel de uma casa. "Queria alugar uma casa perto da Ceasa para ficar mais fácil. Hoje, vou até lá de carona. Acordo às 3 horas", contou. A vida na rua é difícil. Ele diz que usa álcool e drogas para conseguir suportar a realidade. "A rua é um local perigoso. Todo dia a gente passa muito medo."

O eletricista R.S. foi para as ruas depois de enfrentar uma sucessão de problemas. Durante uma briga, ele empurrou o irmão que morreu em decorrência da queda. Pouco depois, perdeu o pai. Na sequência, sofreu um acidente doméstico no qual teve uma parte do corpo queimada, passou três meses internado e, quando deixou o hospital, foi preso. Quando deixou a cadeia, se viu sem alternativa e foi viver nas ruas. "Depois de tudo o que me aconteceu, eu fiquei desacorçoado e fui para as ruas. Faz nove meses que estou vivendo assim. A gente aqui não é vagabundo. Cada um tem uma profissão. Mas estamos em um momento difícil das nossas vidas."

Os moradores de rua reclamam da falta de acolhimento por parte dos órgãos públicos e da forma como são vistos pela sociedade. Os abrigos, afirmam eles, não têm vagas para todos e mesmo quando há vagas, contam, eles só podem permanecer no local se deixarem de usar álcool e drogas. "Se chegar lá com bafo de cachaça eles não deixam a gente entrar. Lá não pode beber, não pode fumar. A gente é alcoólatra, vamos fazer como? Vão tirar a gente da rua para levar para onde?", questionou S. "E as pessoas implicam muito com a gente. Acham que somos bandidos."

ADAPTAÇÃO
Mesmo para quem deixou as ruas, a vida não é menos difícil. Um ex-morador de rua relata as dificuldades de adaptação depois de viver por um longo tempo sem regras. Ele era pizzaiolo, mas uma lesão em uma das mãos deixou o membro paralisado e ele não tinha mais condições de exercer a atividade. A falta de dinheiro deu origem a uma série de outros problemas e ele acabou indo para as ruas. "É triste a vida de quem vive nas ruas. Eu perdi muita coisa. Conseguia um dinheiro, comprava uma coisa, mas logo eu perdia o que tinha comprado. A vida é assim. Dormia nas quebradas e bebia bem para aguentar. A vida nas ruas não compromete só a parte física. Compromete o psicológico também", contou.

Foram dez anos nas ruas e, há 15 dias, ele cedeu à insistência da irmã e aceitou o convite para ir viver com ela e dois sobrinhos adultos. "A readaptação não é fácil. É demorada. Estou me esforçando para ficar na casa da minha irmã. Lá ninguém bebe. Estou firme no propósito de ficar lá e quero voltar a trabalhar", planeja.

ESTIGMA
Quem atua diretamente com os moradores de rua e tenta todos os dias melhorar as condições dessa população destaca que é preciso ter um olhar mais humano para as pessoas em vulnerabilidade social. Compreender que são seres humanos que também sentem medo por estarem desprotegidos e sujeitos a todo tipo de dificuldade, inclusive a situações de abuso e violência. "Cria-se um estigma muito grande em torno da pessoa em situação de rua. Para a sociedade, todos são bandidos, ladrões, viciados. Mas nem toda pessoa que usa drogas está na rua. Nem todos os bandidos estão na rua", ressaltou Jucelei Pascoal Boaretto, coordenadora do Consultório na Rua, serviço itinerante que leva atendimento à população de rua e ligado à secretaria de Saúde. "As pessoas que estão nessa situação, em vulnerabilidade e falta de vínculo familiar, procuram a região central por ser mais seguro para elas também."

Na próxima terça-feira (12), o município realiza o evento Londrina mais Cuidado. Das 9 às 12 horas, equipes das secretarias municipais de Saúde, Assistência Social, Cultura, Educação, Trabalho, Defesa Social, Mulher e Fundação de Esportes estarão na Concha Acústica para promover diversas ações e conscientizar os moradores de rua sobre a necessidade de se cuidarem e cuidarem do seu local de permanência.

O evento é coordenado pelo Comitê Intersetorial de Políticas para Pessoas em Situação de Rua, do qual fazem parte várias secretarias e órgãos, além do Ministério Público e Movimento POP Rua, formado por ex-moradores de rua. "Queremos mostrar para as pessoas em situação de rua e para a sociedade que Londrina está interessada em auxiliar essas pessoas. É uma visão mais humana dos cuidados", disse Boaretto. "Quando você atende alguém em situação de rua, você não está atendendo apenas ela, mas todo o entorno."

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