O nome nos diferencia e é um dos mais relevantes direitos da personalidade. Um nome de batismo pode ser tão criativo, incomum ou excêntrico a ponto de, o prenome próprio, ser considerado impróprio. Nomes barrados no cartório são aqueles considerados capazes de levar o indivíduo ao constrangimento. Recentemente, repercutiu o fato de o artista Seu Jorge receber a negativa do cartório por escolher para o filho o nome Samba. No fim, conseguiu: deu Samba.

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Em nota publicada, a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo - ARPEN/SP, confirmou que o cantor Seu Jorge recebeu a autorização para o registro do filho após justificar sua escolha. A registradora Kátia Possar alegou que frente as razões apresentadas pelos genitores "que envolvem a preservação de vínculos africanos e de restauração cultural com suas origens, assim como o estudo de caso que mostrou a existência deste nome em outros países", formou seu convencimento pelo registro do nome escolhido, garantindo, pelo menos no estado de São Paulo, a inauguração do nome Samba nos assentos de registros civis.

LEI, SUBJETIVIDADE E BOM SENSO

De acordo com o escrevente cartorário do Cartório Civil Julião, Marcio Lobato, Seu Jorge também ouviria não se o pedido fosse realizado na unidade que funciona no município de Londrina, pois a orientação vigora nacionalmente. "Não criamos empecilhos, mas orientamos que determinadas escolhas podem levar a criança a constrangimentos." Com 28 anos de atuação, Lobato enfatiza que não se trata de criar dificuldade, mas até de uma forma de prevenir os pais.

Marcio Lobato, escrevente do cartório Julião: "Nome não deve expor criança a constrangimento"
Marcio Lobato, escrevente do cartório Julião: "Nome não deve expor criança a constrangimento" | Foto: Walkiria Vieira

O escrevente recorda uma situação em que o nome eleito pela família foi parar na justiça anos atrás. "Queriam registrar a criança com o nome Lúcifer. Tanto o cartório como o juiz da 1ª Vara de Família não deferiram o pedido, os pais foram atrás de advogado e ainda assim não conseguiram autorização e chegaram a questionar se queríamos escolher o nome do filho deles", recorda. Tradicionalmente, Lúcifer é um dos nomes atribuídos ao diabo, também conhecido na Bíblia Cristã como Satanás. A palavra lucifer foi usada na versão em Latim da Bíblia, a Vulgata, para traduzir a palavra hebraica heylel.

O estrangeirismo segue considerado diferencial, segundo os pais, na hora de dar o nome aos nascidos. Kimberlly, Hillary, Sheron Stephanny, Jhennyfer e Ritanny são exemplos de escolhas para as meninas. No caso dos meninos Bryann, Edward, Lucca, Noah, Darksoon, Anthonny, Frankstefferson, são alguns. Lobato considera que a inclusão de sílabas é uma tentativa de dar um toque de exclusividade à identidade. - assim como no caso de nomes compostos. "Mas ainda destacam-se os nomes bíblicos", resume.

De acordo com a Lei de Registros Públicos, a qual os registradores e notários são obrigados a seguir, “o oficial de registro civil não registrará prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores, observado que, quando os genitores não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso à decisão do juiz competente, independentemente da cobrança de quaisquer emolumentos” (taxas). Previsão do artigo 55 da Lei 6.015/73.

Segundo o coordenador de comunicação da ARPEN, Alexandre Lacerda, não existe uma lista de nomes proibidos, mas deve prevalecer o bom senso e a responsabilidade sobre aquela escolha. Assim, deve-se avaliar, por exemplo, o significado ou a carga pejorativa da escolha. A citar, Hitler, Bin Laden.

Em 2022, a introdução da Lei Federal 14.382/2022, possibilitou a qualquer adulto maior de 18 anos alterar seu nome em Cartório independentemente do motivo, o mesmo ocorrendo com pais de bebês, em consenso, que podem alterar o nome do recém-nascido em até 15 dias após o registro de nascimento.

PARECE NOME DE BONECA, MAS NÃO É

A manicure Enilia Ferreira admite que seu nome é incomum e, por isso, é habitual que as pessoas o troquem por outro, chamando-a de Emília, personagem de Monteiro Lobato. "Acho chique, fico até lisonjeada, mas nunca brava. Quando me perguntam se é com "n" de navio ou "m" de Maria, explico. E também aviso que não me incomodo se trocar as letras" sorri.

A manicure Enilia Ferreira afirma que sempre confundem seu nome com Emília, a personagem de Monteiro Lobato
A manicure Enilia Ferreira afirma que sempre confundem seu nome com Emília, a personagem de Monteiro Lobato | Foto: Arquivo pessoal

Ferreira explica que em seu caso, não se trata de um erro de cartório na hora de fazer o registro de nascimento. "Foi a escolha da minha mãe mesmo e isso eu perguntei a ela." Mãe de Julia e avó de Henry, leva com bom humor essa realidade em sua rotina e recorda que também acontece bastante confusão em situações comerciais. Estou de férias e meu bilhete de viagem foi emitido com erro, mas levo numa boa. Eu até me sinto uma boneca, sou divertida.

UM PEDACINHO DO NOME DO PAI E DA MÃE

Se a união é um exercício de comunhão, as decisões do dia a dia são parte do acordo. Assim, na hora de decidir sobre o nome do herdeiro, é comum a soma da criatividade, assim como a fusão de nomes. Esse é o caso de Cloara Pinheiro Lima, deputada estadual pelo PSD, pois o seu nome foi criado pelos pais e é uma mistura de Clovis com Araci. A mãe de Clora preferia Sandra, o pai insistiu em Cloara e assim ficou registrado.

Nunca foi tão fácil, segundo a entrevistada, que tinha sempre que explicar que seu nome não era Clara, nem Cloaca. "Sempre tive dificuldade, sofri muito bullying no começo sendo chamada até de Cloaca e embora minhas fãs tivessem curiosidade de saber a origem e elogiavam, eu as alertava para que não dessem esse nome para as filhas embora eu ame o meu nome, sou feliz e até hoje não conheci alguém com o meu nome", conta.

A deputada estadual Cloara Pinheiro Lima nunca encontrou outra pessoa com nome igual ao seu, uma junção do nome do pai e da mãe
A deputada estadual Cloara Pinheiro Lima nunca encontrou outra pessoa com nome igual ao seu, uma junção do nome do pai e da mãe | Foto: Gustavo Pontes/Casa Civil

O nome diferente acabou ajudando-a. "Eu sempre puxo assunto e explico que é a mistura de pai com mãe, eles que escolherem e valorizo a escolha. Isso ficou bacana tanto na televisão como agora na política, pois ficou parecendo uma nome artístico, mas é Cloara mesmo", sorri.

INSPIRAÇÃO NA NATUREZA

Sempre que se apresenta e se identifica, a artesã Lua precisa repetir que esse é seu nome de batismo e o que consta em seus documentos. "Chegam a pensar que Lua é uma forma mais íntima de me chamar ou um apelido e chegam a optar por me tratar como Luana", conta.

Além de despertar a curiosidade das pessoas pelo prenome, ela surpreende: Lua Linda Pellicano Beltrame é seu nome completo. A criação é obra de seu pai, que bastante ligado aos elementos da natureza e influenciado pela bisavó que era descendente de índigenas, passava noites a contemplar a lua, sempre imaginando sua filha sendo assim chamada.

Lua Linda Pellicano Beltrame, artesã: alguns a chamam de Luana, pensando que Lua é apelido
Lua Linda Pellicano Beltrame, artesã: alguns a chamam de Luana, pensando que Lua é apelido | Foto: Thais Fujarra/ Divulgação

Mas a chegada do primeiro filho exigiu uma mudança nos planos. "Meus pais achavam que era um menina, mas se enganaram", diverte-se. "Então foi necessário pensar em um nome novo." Cogitou-se um nome em guarani, mas não soou bem. Então o primeiro filho recebeu o nome de Sol Rei, também em nobre exaltação à natureza. Lua é mãe de Otto, de sete anos. "Significa homem próspero". Mesmo sendo um nome simples de fácil pronúncia, causa estranhamento em algumas pessoas: "Pensam que é Otton", diz.

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