.
. | Foto: FatCamera

Brasília - O movimento de retorno às escolas experimentado nas redes públicas do país, mesmo que parcialmente, revela forte quadro de desigualdades. A proporção de alunos pobres que tiveram essa oportunidade (16%) é menor que a metade da registrada entre alunos com maior renda (38%). Os dados são de pesquisa recente da Datafolha encomendada pela Fundação Lemann e pelo Itaú Social.

É maior a proporção de negros e mulheres entre as famílias com alta vulnerabilidade, com menor acesso ao retorno, revelando assim o perfil dos maiores atingidos. O abismo é também regional.

Enquanto 40% dos estudantes do Sudeste e do Sul tiveram acesso a escolas reabertas, mesmo que parcialmente, a região Norte tem índice de 6%; no Nordeste, são 11%. Escolas urbanas tiveram melhor índice de reabertura do que as rurais.

A pesquisa ainda reforça o baixo e desigual acesso ao ensino remoto ou híbrido, com, por exemplo, oferta de plataformas educacionais. O cenário geral tem forte relação com a ausência de uma política federal para a educação básica na pandemia, sobretudo com foco no combate a desigualdades, na garantia de conectividade e na estruturação para uma oferta educacional remota. Questionado, o Ministério da Educação não respondeu.

A pesquisa foi realizada entre abril e maio, com foco em estudantes de ensino fundamental e médio de escolas públicas (com idades entre 6 e 18 anos). Foram ouvidos 1.997 estudantes (amostra com margem de erro de 2 pontos percentuais) e 1.315 responsáveis (margem de erro de 3 pontos).

Os dados mostram que há insegurança entre as famílias para o retorno. Quatro em cada dez estudantes que tiveram à disposição escolas reabertas, mesmo que parcialmente, não foram às unidades. O medo da pandemia aparece como a principal motivação.

O Brasil já ultrapassou meio milhão de mortes por Covid-19 em meio a índices elevados de transmissão e mortalidade. Em maio do ano passado, 74% dos estudantes informaram ter tido acesso a conteúdos, segundo sondagem anterior. Esse percentual subiu agora a 96%. Ainda assim são 1 milhão de crianças e jovens sem qualquer contato com a escola. E, entre os que tiveram, as condições são desiguais e precárias.

Diante das dificuldades com conectividade, as principais formas de oferta de conteúdo têm sido por orientações via WhatsApp e por materiais impressos. O uso de papel cresceu e hoje atinge 10% dos estudantes -a adoção combinada de impressos e equipamentos, como TV ou internet, perpassa 67%.

Outro fator de preocupação trazido pela pesquisa é o baixo tempo dedicado para as atividades. Nesta sondagem, 45% dos estudantes informaram dedicar só até 2 horas diárias de estudos na última semana. Um terço estuda mais de 3 horas diárias.

Pesquisas têm mostrado fortes prejuízos de aprendizado e alto potencial de abandono. O diretor-executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, diz que a pandemia provoca graves impactos na saúde e economia, com mortes e fome, mas os prejuízos na educação têm efeitos muito fortes de longo prazo.

"Ter uma geração perdida na educação é devastador", diz. A escola pública, afirma ele, deve ser a equalizadora da sociedade na missão de reduzir desigualdades. "Já não fazia bem isso, mas na pandemia, quando mais se precisava dela, não temos atingido os alunos mais vulneráveis."

A desigualdade no retorno teria mais a ver, segundo Mizne, com grupos de força do que com o status da pandemia. "Onde a comunidade é mais fraca, nas escolas de periferias, onde os pais têm menos voz, os grupos com mais voz estão deixando as crianças vulneráveis de fora", diz ele, que reforça o reflexo da ausência de uma coordenação nacional mais clara.

Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime (que representa dirigentes municipais de educação), diz que colabora com o quadro a falta de um programa de âmbito nacional. Segundo ele, os reflexos da pandemia são sentidos de maneira diversa no país.

"A municipalidade está muito perto das pessoas e existe pressão social pela volta e também por não voltar. É assustador que muitas cidades com menos de 15 mil habitantes não tenham hospitais, há dificuldades de implementação de protocolos nas escolas e ainda vivemos casos de aumentos de infecção pediátrica. Isso cria um crime ruim de retorno."

Garcia diz que, com o avanço da vacinação de educadores, a expectativa é por um retorno às aulas presenciais mais consistente a partir de agosto. A aposta com modelos híbridos continuará.

Para Patricia Mota Guedes, do Itaú Social, os dados reafirmam que a pandemia acentuou as desigualdades educacionais inclusive na própria rede pública, uma vez que a resposta das redes estaduais é mais positiva do que a dos municípios. "A capacidade de resposta das redes está diretamente relacionada a seus recursos, sejam financeiros, de infraestrutura, conectividade e recursos humanos", diz.

"Há desafio em estratégias de acompanhamento e comunicação com as famílias", afirma ela, que pontua a necessidade de olhar pontos positivos da sondagem. "Há um ano, Nordeste e Norte estavam muito atrás em relação ao outras regiões em termos de oferta de algum tipo de atividade remota e, agora, chegam a índices muito próximos do resto do país."

Segundo Mizne , é imprescindível que haja uma forte mobilização em torno da educação. Entre os esforços, ele cita a necessidade de trazer alunos evadidos de volta à escola, acolhimento emocional para alunos e professores no retorno, ampliação do tempo de aula, atenção na transição para o 6º ano (quando já há forte abandono) e um programa econômico de apoio para alunos do ensino médio.

A secretária de Educação de Londrina, Maria Thereza Paschoal de Moraes, afirmou que a pandemia de Coronavírus está fazendo com que a educação volte a um nível equivalente ao período da década de 1980. “A gente estava trabalhando no Brasil para melhorar a qualidade da educação e agora a gente trabalha para colocar os alunos de volta na escola todos os dias”, aponta. Segundo ela, as crianças são atendidas presencialmente, mas somente um dia na semana. "A gente tinha 200 dias de aula no ano, então isso exige um esforço tremendo. Nós vamos ter que trabalhar muito para recuperar isso”, aponta.

“A gente não fechou as escolas. No momento difícil da pandemia, a gente diminuiu a atividade e desde fevereiro estava autorizado a atender até duas crianças por vez, principalmente as crianças que não tinham conexão com a internet. Nesse momento estamos atendendo até seis crianças por sala. Desde abril os professores ficam se revezando.”

“A gente procurou marcar visitas o máximo de vezes, especialmente àqueles alunos que estavam passando por maior dificuldade, seja de conexão de internet, seja de alimentação. De alguns, a gente só tinha notícia exatamente quando ia entregar a cesta básica. Só este ano fizemos de 8 mil a 9 mil visitas”, aponta.

A pasta conta com 24 grupos espalhados em todas as regiões da cidade. “Eles visitam os alunos nas escolas, mas alguns escapam e a mãe não responde mais as mensagens. Então vamos na casa desse aluno.”

Recentemente a Receita Federal doou quase 600 telefones celulares para a Secretaria Municipal de Educação para o Projeto Conectando Vidas. Os equipamentos serão destinados para alunos carentes. “Nós temos alunos que têm conexão, mas que não conseguem estudar, porque são muito novos ou porque não conseguem ter um espaço em casa com tranquilidade ou celular disponível por duas horas para poder fazer as atividades”, expôs.

Moraes ressalta ainda que há regiões da cidade em que 20% dos alunos não frequentam a escola por falta de determinação dos pais. “Os pais não querem mandar [a criança para a escola] porque ainda estão com muito medo ou têm alguém de grupo de risco em casa."

A empresa, órgão público ou pessoa física interessada em auxiliar a campanha Conectando Vidas pode entrar em contato pelos telefones (43) 3375- 0101 e (43) 3375-0022. O e-mail [email protected] também está disponível. O horário de funcionamento da Secretaria Municipal de Educação é das 8h às 12h e das 13h30 às 17h30, de segunda a sexta-feira.

O diretor de Educação da Seed (Secretaria de Estado da Educação), Roni Miranda Vieira, destaca que a preocupação da pasta é "principalmente com um aluno que está em uma situação vulnerável, com uma condição social menos favorecida". “O Paraná já criou já de largada um aplicativo para que o estudante pudesse ter acesso às aulas para fazer as atividades com isenção de dados, para ter acesso pelo celular da mãe ou do pai para fazer as atividades de aula. Então o estudante do Paraná não tem custo para participar das aulas on-line na questão do consumo de dados. Essa foi a primeira ação, feita, além de parcerias com a Receita Federal e com a Receita Estadual, para arrecadação de equipamentos apreendidos para distribuir para os estudantes que porventura não teriam a condição de ter esse equipamento”, explica.

Vieira ressalta, porém, que mesmo assim não há garantia que o aluno com acesso ao equipamento e à rede de internet participe integralmente das aulas. “Muitas vezes naquela casa só tem um cômodo, onde fica todo mundo junto. Fica o pai, a mãe e todos os irmãos fazendo outras atividades na casa e o pessoal fica interagindo e isso acaba tirando o foco dos estudantes. Isso é comprovado não só no Paraná, mas em qualquer lugar, que mesmo o aluno que tem acesso à rede não consegue ter dedicação total para as aulas”, aponta.

“Com a crise econômica, o estudante passou a ter que trabalhar para complementar a renda da família. Nossas escolas estão sendo abertas, mas os alunos do ensino médio não estão indo”, lamenta. Dos 40 mil matriculados em 2021, 12% não frequentam mais as aulas há mais de 60 dias. “A gente está fazendo campanhas de buscar estudantes e está movimentando as redes de proteção nos municípios e as regionais para que nos auxiliem na busca desse estudante, para que retornem para a escola.” (Com Folhapress)