Presença constante nos últimos meses, o calor extremo gera uma série de efeitos nocivos à agricultura. Mas pesquisadores vêm estudando há tempos cultivares (variedades) resistentes a altas temperaturas e os bons resultados já aparecem.

Um bom exemplo disso são as pesquisas desenvolvidas pelo IDR-PR (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná), com foco em culturas importantes como o feijão e o café.

A riqueza produzida pela leguminosa e pelo grão alcançou, respectivamente, R$ 894,4 milhões e R$ 486,8 milhões em terras paranaenses no ano passado, o chamado VBP (Valor Bruto da Produção).

Vania Moda Cirino, pesquisadora do IDR em melhoramento genético do feijão, explica que muitos estágios da fase reprodutiva do feijoeiro são sensíveis às altas temperaturas, incluindo a formação do botão floral, formação do grão de pólen, fertilização e formação das vagens e sementes.

Gustavo Hiroshi Sera, pesquisador do IDR em melhoramento genético do café, acrescenta os efeitos do calor extremo para a cultura.

“A maior parte do parque cafeeiro brasileiro (cerca de 80%) é de Coffea arabica, atualmente composta pelas cultivares Catuaí e Mundo Novo, sensíveis ao calor. Os 20% restantes da área cafeeira, em sua maior parte, também são cultivados com outras cultivares sensíveis”, pontua.

O pesquisador acrescenta que o principal efeito do calor sobre essas cultivares são os danos foliares, com redução da área foliar e da taxa fotossintética da planta, com consequente redução da produtividade e qualidade de bebida.

FEIJÃO


A pesquisadora Vania Cirino explica que o feijão, por ser uma espécie originária de regiões de médias a elevadas altitudes, não suporta temperaturas elevadas durante a fase reprodutiva, isto é, durante o florescimento e formação de vagens e sementes.

“Altas temperaturas durante a fase reprodutiva do feijoeiro ocasionam drásticas reduções no rendimento, sendo que o termoperíodo ideal para uma boa produtividade do feijoeiro situa-se em 29,5º / 21º C (dia/noite). Em temperaturas próximas a 35º C praticamente não ocorre o pegamento de vagens”, pontua.

MAIS TOLERÂNCIA

O IDR Paraná vem desenvolvendo, desde o final da década de 1980, pesquisas focadas na criação de cultivares de feijão mais tolerantes a altas temperaturas.

“Desde 1997, foram disponibilizadas cultivares de feijão mais tolerantes ao calor, inicialmente a IAPAR 81 e posteriormente IPR Uirapuru, IPR Tangará e IPR Tuiuiú. Atualmente, a IPR Tangará, IPR Uirapuru e IPR Tuiuiú encontram-se em franca produção de sementes por parceiros produtores de sementes do IDR”, detalha Vania Cirino.

Com relação ao café, o IDR Paraná comercializa sementes da IPR 103, cultivar com moderada resistência ao calor. “Essa variedade está sendo plantada e vem apresentando altas produtividades, principalmente em regiões mais quentes do Paraná e em áreas quentes do Cerrado mineiro, com temperaturas médias anuais de 24oC”, detalha Gustavo Hiroshi Sera.

O pesquisador destaca ainda que estão sendo desenvolvidas variedades com nível de resistência ao calor maior do que a proporcionada pela IPR 103 que, em médio prazo, poderão ser lançadas.

GENÉTICA


O programa de melhoramento de café do IDR-PR realiza pesquisas para desenvolver novas cultivares com resistência ao calor por meio da transferência de genes das espécies robusta e arábica – esta última a mais plantada no mundo.

“A transferência desses genes que promovem a resistência ao calor é feita pela hibridação artificial entre essas espécies por meio do melhoramento clássico e, portanto, não são consideradas cultivares transgênicas ou geneticamente modificadas”, pondera.

Estudos apontam que o café arábica pode ser cultivado em regiões com temperatura média anual entre 18ºC e 23ºC, ou seja, não pode ser cultivado em regiões com temperaturas médias anuais acima de 23ºC, sendo que nesta situação é possível o cultivo de café robusta, que é uma espécie mais resistente ao calor e pode ser cultivada em locais com temperaturas médias anuais entre 21ºC e 26ºC.

“Os estudos do IDR-PR indicam que os cafeeiros arábicos portadores de genes resistentes ao calor estão suportando temperaturas médias anuais de até 25ºC, ou seja, poderiam ser plantados até mesmo em regiões aptas para o cultivo de café robusta”, destaca o pesquisador.

MUDANÇA

Conforme o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, com as mudanças climáticas previstas, não será possível o cultivo de café arábica em várias regiões cafeeiras importantes do Brasil.

Com o aumento de temperatura previsto, em várias dessas regiões as temperaturas médias anuais serão superiores ao limite máximo de 23ºC para o cultivo de café arábica.

“Portanto, com o desenvolvimento de cultivares de café arábica com resistência ao calor será possível manter o cultivo dessa variedade em várias dessas regiões cafeeiras, mesmo com o aquecimento global, desde que a temperatura média anual seja até 25ºC”, conclui o pesquisador.

Vania diz que a mesma lógica se aplica à cultura do feijão. “Em regiões onde as temperaturas noturnas forem elevadas, somente será possível o cultivo de variedades tolerantes a estresse térmico”, conclui.