Na última década, a relação entre as abelhas e a soja tem ganhado espaço no campo da pesquisa agronômica brasileira. Nesse contexto, o trabalho da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Soja, em Londrina, tem sido importante para estabelecer os benefícios dessa interação.

“Entendemos que abelhas visitando soja, especialmente a Apis mellifera, redunda em aumento de produtividade", afirma o pesquisador Décio Gazzoni
“Entendemos que abelhas visitando soja, especialmente a Apis mellifera, redunda em aumento de produtividade", afirma o pesquisador Décio Gazzoni | Foto: Douglas Kuspiosz - Especial para a FOLHA

O pesquisador Décio Gazzoni explica que a soja era tida como uma planta que não precisava de polinização externa, mas, que na verdade, existe uma parcela que pode ser polinizada por outros agentes - principalmente as abelhas.

“Entendemos que abelhas visitando soja, especialmente a Apis mellifera, redunda em aumento de produtividade. Se você procurar em manuais clássicos, é uma coisa que não existia. Está acontecendo há dez, 15 anos e estamos demonstrando que, dependendo do ano, da variedade, das condições do clima, da quantidade de abelhas e da força dos enxames, você pode ter 10%, 15% e até 20% de ganho de produtividade”, diz.

Esse é um número extremamente vantajoso para o agricultor porque não tem impacto no sistema de produção. Ele mantém o mesmo número de sementes, a mesma quantidade de adubo, o mesmo tratamento fitossanitário e a mesma mão de obra. Ou seja, acaba sendo um aumento na renda líquida do produtor. “Pode representar de 30% a 40% do custo de produção dele”, acrescenta Gazzoni.

O pesquisador detalha que, para se ter bons resultados, é necessário colocar de duas a três caixas de abelhas por hectare de soja. Cada caixa tem, em média, uma população de 50 a 60 mil abelhas. Como o Brasil possui cerca de cinco milhões de caixas de abelha atualmente, Gazzoni destaca que essa é uma prática que será adotada pelos agricultores mais voltados à inovação - seria inviável cobrir os 45 milhões de hectares de soja.

Além do ganho de produtividade, os estudos indicam que a produção de mel também tem um aumento expressivo. No Brasil, uma caixa renda de 19 a 20 quilos por ano; mas, levando as colmeias para perto das lavouras, apicultores já colheram de 30 a 50 quilos.

Em termos de renda líquida, também é observada uma elevação, já que os criadores podem manter as abelhas alimentadas no período em que a soja floresce. Normalmente, essa é uma época do ano em que é preciso utilizar alimentos artificiais.

Gazzoni ressalta que o meio ambiente também ganha nessa equação. “Ora, se eu aumentar 10% a produtividade da soja sem aumentar os insumos e a área, vou diminuir em 10% a emissão dos gases [que provocam o efeito estufa] e estou colaborando para a mitigação das mudanças climáticas”, explica o pesquisador. “Estou mostrando que esse é um processo ganha-ganha que, se todo mundo fizer bem a sua parte, todos ganham nessa história. Ganha o apicultor, o agricultor e a sociedade.”

Imagem ilustrativa da imagem Interação entre abelhas e soja traz benefícios para produtores
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CONSTRUINDO PONTES

Os resultados desses estudos foram apresentados pelo pesquisador no painel “Case soja e abelhas: como as abelhas contribuem com a melhoria da produtividade no campo”, durante a AgroBit Brasil 2023, em Londrina.

Com esses benefícios evidentes, o pesquisador explica que existem três dinâmicas em andamento no país: muitos agricultores têm se tornado, também, apicultores; produtores têm buscado em sindicatos e outras entidades apicultores para estabelecer parceria; e startups surgiram para construir pontes entre as duas atividades.

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| Foto: Douglas Kuspiosz - Especial para a FOLHA

Um exemplo é a AgroBee. O coordenador técnico da empresa, Diego Moure Oliveira, explica que a soja é uma planta autógama, ou seja, que consegue se reproduzir com ela mesma, e tem a cleistogamia - ainda que não perfeita - como característica.

Isso significa que as flores não abrem todas fecundadas, o que dá oportunidade para a polinização feita pelas abelhas. A melhora da soja nesse processo ocorre a partir de mais flores se tornando vagens, na maior produção de sementes por vagem e no peso das sementes.

“No Brasil, esse sistema pode parecer estranho, mas temos exemplos de polinização assistida, que seria a utilização como insumo agrícola, acontecendo. Dois exemplos: a maçã em Santa Catarina e o melão e a melancia no Nordeste”, disse o coordenador.

No exterior, talvez o exemplo de maior sucesso seja a produção de amêndoas nos Estados Unidos, que modificou profundamente a apicultura do país. “Hoje, eu afirmo que 80% da renda do criador de abelhas norte-americano vem do aluguel de colmeias”.

MEL

Gazzoni explica que o mel de soja tem se posicionado como um produto interessante no mercado. Com coloração mais clara, com aroma agradável e sem cristalização, esse tipo de mel tem sido até mesmo comprado antecipadamente. “O que vai ser colhido em janeiro, fevereiro e março, já está sendo comprado agora. É outro benefício”.

Mais do que isso, quando se observa o meio ambiente, o pesquisador lembra que as abelhas são um importante indicador de saúde ambiental. “Isso é muito valorizado, principalmente na Europa, e faz parte do nosso atestado de bom comportamento ambiental”, completa.