Foi no dia 23 de outubro de 1972 que o agricultor Herbert Bartz (1937-2021) adotou, pela primeira vez na América Latina, a prática do SPD (Sistema Plantio Direto). A técnica, que à época busca principalmente não revolver o solo, foi aplicada na fazenda Rhenânia, em Rolândia, na Região Metropolitana de Londrina. De lá para cá, o SPD ganhou outros dois pilares: a cobertura permanente do solo e a diversificação de culturas, se tornando uma das mais importantes tecnologias da agricultura brasileira.

Herbert Bartz, na fazenda Rhenânia. Pioneiro do Sistema Plantio Direto, que morreu em 2021, será homenageado nesta segunda-feira (23), no pátio do Museu Municipal de Rolândia.
Herbert Bartz, na fazenda Rhenânia. Pioneiro do Sistema Plantio Direto, que morreu em 2021, será homenageado nesta segunda-feira (23), no pátio do Museu Municipal de Rolândia. | Foto: Cesar Augusto/Folha de Londrina 13-11-2012

É por isso que a Lei Federal n° 14.609/2023 instituiu o dia 23 de outubro como "Dia Nacional do Plantio Direto". É uma lembrança do pioneirismo de Bartz, que vai ganhar um busto em Rolândia. A homenagem será justamente no dia 23, a partir das 9h, no pátio do Museu Municipal de Rolândia.

A foto que inspirou o busto é da Folha de Londrina e de autoria do fotógrafo Cesar Augusto, tirada em 2012. A imagem mostra Herbert Bartz segurando palha, que é um dos símbolos do movimento do SPD, da proteção e cuidado com o solo.

NOS ESTADOS UNIDOS

A pesquisadora Marie Bartz explica que seu pai conheceu a técnica em Kentucky, nos EUA, onde já era utilizada há cerca de dez anos. Ela aponta que a data homenageia também os agricultores, técnicos e profissionais que aderiram, acreditam e defendem esse método de cultivar o solo.

“Meu pai, quando começou com o Plantio Direto, era chamado 'o Alemão louco de Rolândia que plantava no mato', ele era inclusive motivo de chacota. Mas ele era extremamente teimoso e sabia que fazer agricultura desta forma, usando o Plantio Direto, seria a melhor forma de cuidar de nosso patrimônio solo, que estava indo embora com o severo processo de erosão, resultado do uso de maquinário pesado do sistema de cultivo convencional do solo”, afirma.

Bartz lembra que Herbert tinha “uma personalidade muito forte, opinião formada e muito crítica”. Não tinha medo de colocar o dedo nas feridas e não poupava palavras. É dele a frase “a natureza não aceita propina”.

Marie Bartz  e o pai em 2018, no Rio de Janeiro,, no Congresso Mundial de Ciência do Solo, "onde meu pai era o único agricultor (sem grau superior) participando"
Marie Bartz e o pai em 2018, no Rio de Janeiro,, no Congresso Mundial de Ciência do Solo, "onde meu pai era o único agricultor (sem grau superior) participando" | Foto: Rafael Fuentes Llanillo/Divulgação

“O motivo dele ter saído à procura de uma alternativa para fazer agricultura, que não comprometesse o solo para a erosão ali no início dos anos de 1970, já mostrava a preocupação dele com os nossos recursos naturais. Essa frase dele é de 2015 e virou uma máxima, porque justamente ele acreditava que não podemos tentar enganar a natureza, tentando tirar proveito”, continua a pesquisadora. “Se não fizermos agricultura de uma forma que agrida menos a natureza, ela dará o troco, o que temos visto ser cada vez mais evidente, através das secas, chuvas intensas demais, ou seja, as diversas oscilações climáticas, cada vez mais evidentes.”

PESQUISA `VEIO A REBOQUE´

O pesquisador Henrique Debiasi, da Embrapa Soja, reforça que Herbert Bartz é um dos “pais” do SPD justamente por seu pioneirismo na adoção dessa tecnologia em nível comercial. E isso aconteceu ao contrário do tradicional: foi uma técnica que começou pelo produtor, a pesquisa “veio a reboque”, diz, ajudando a aprimorá-la.

Na década de 1970, o agricultor foi buscar nos Estados Unidos a inspiração para aplicar a técnica do Plantio Direto no Brasil, como uma forma de combater a erosão
Na década de 1970, o agricultor foi buscar nos Estados Unidos a inspiração para aplicar a técnica do Plantio Direto no Brasil, como uma forma de combater a erosão | Foto: Cesar Augusto/Folha de Londrina 13-11-2012

Debiasi explica que os três pilares do plantio direto contribuem para a qualidade do solo e para uma maior produtividade no campo. Mas, tem sido cada vez mais comum a adoção apenas parcial dessas técnicas.

“Falta principalmente a diversificação de culturas. Hoje é um grande desafio para a pesquisa e para a assistência técnica estimular os produtores a usar o verdadeiro sistema plantio direto, que é a tecnologia que traz todos os benefícios”, ressalta.

PROTAGONISMO

Isso porque, na avaliação do pesquisador, o SPD teve papel decisivo no protagonismo do Brasil na produção de grãos. Em termos de benefícios, ele cita uma redução de 95% nas perdas do solo e entre 75% e 85% nas perdas de água. Isso tem um reflexo profundo na preservação do meio ambiente. Também, contribui para o sequestro de carbono.

Já para os melhores resultados na produção, Debiasi diz que, segundo ensaios da Embrapa Soja, houve um aumento de 50%. “Temos cerca de 4,5 mil quilos por hectare na soja, enquanto no preparo convencional está em torno de 2,8 e 3 mil quilos”.

O professor Paulo Cesar Conceição, da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), afirma que o Paraná é “o melhor estado da agricultura conservacionista” e que o SPD é uma estratégia altamente eficiente.

CONSERVAÇÃO DO SOLO EM REGIÕES TROPICAIS

A conservação do solo é um ponto crucial em regiões tropicais, explica, já que as chuvas têm alto potencial de causar estragos em lavouras. “Solo sem cobertura, sem palhada, com revolvimento, para nós não serve. Bartz e os pesquisadores perceberam a importância de resolver o problema da erosão”, afirma o professor, que faz parte da SBCS (Sociedade Brasileira de Ciência do Solo).

Conceição também ressalta que o pilar da rotação de culturas é fundamental porque pressupõe mais palhada. Mas, com o boom da commodity soja, muitos agricultores abandonaram esse princípio e passaram a focar nesse grão.

“A soja produz menos palhada, ou seja, menos cobertura. Essa intensificação do sistema produtivo também fez com que o produtor se preocupasse menos com a palhada. Aquilo que os pioneiros faziam nos anos de 1970 e 1980, de fato, hoje nem todos os produtores fazem”.

Segundo o pesquisador da Embrapa Soja, “no máximo” 15% dos agricultores utilizam o SPD em sua plenitude. No entanto, a adoção de um ou dois dos pilares já é melhor do que a prática convencional. “Temos um espaço para melhorar, essa é a boa notícia. Temos espaço para aumentar a produtividade, reduzir custos, sequestrar carbono porque, embora grande parte da área de grãos soja em plantio direto, a maior parte não adota todas as técnicas”.

‘HERÓIS PRÓXIMOS DE NÓS’

Para a filha de Bartz, a homenagem possui vários aspectos importantes. Um deles é o reconhecimento, pelo município, da contribuição do pioneiro; outro, é reforçar o esforço para que a sociedade “conheça e valorize esse pedacinho, bastante significativo, da nossa história da agricultura”.

“Temos a mania de admirar personalidades de fora, ou sempre achar que a grama do vizinho é mais verde. Mas esquecemos dos heróis que fazem história pertinho de nós, ao nosso lado”, aponta. “Eu espero que essa data nos ajude e levar para a sociedade o que nossos agricultores e a nossa agricultura fazem de muito bom. Estamos à frente de muitos países mundo afora quando se fala em cuidado e conservação do solo, mas ainda falta reconhecimento e valorização.”

Debiasi ressalta que a data é fundamental para valorizar o trabalho dos pioneiros do sistema plantio direto e para evidenciar as boas práticas adotadas pela agricultura brasileira. “Datas como essa são importantes para valorizar nossa agricultura e mostrar como a inovação pode levar a um resultado de extremo sucesso”.