Era manhã de domingo quando o Baiano chegou na fazenda Relicário pertencente ao Major Chulipa trazendo a égua Perfume. Era uma égua de pelagem cinza com pintas brancas e marrons por todo o corpo. Nem alta, nem baixa. Média altura, mas muito dócil. Dócil até demais. Dócil além da conta para dizer a verdade. Égua boa de lida, daquelas que não espantam a boiada.

Ninguém na fazenda conhecia aquele rapaz de nome Baiano e muito menos a égua Perfume.

Mas Baiano disse que a égua Perfume era um presente para o Major Chulipa. Nena, que era a filha do capataz, correu logo em direção à casa da sede e foi chamar o major que muito cabrera e de revólver na cintura, sem fazer questão de esconder, desceu para receber o desconhecido.

O Major Chulipa era um homem rude, mas não era má pessoa. Era justo e cumpridor da palavra. Tinha ganho esse apelido ainda nos tempos da farda quando certa vez, no encalço de bandidos, adentrou na mata e se deparou com uma cadelinha chorando sozinha. Não se conteve. Pegou o pobre animalzinho, colocou-o dentro da farda e seguiu na caça aos bandidos. Reza a lenda que mandou os quatro bandidos para sete palmos debaixo da terra. Achou que a cadelinha foi o seu amuleto da sorte. Ficou com fama de matador de bandidos e ganhou promoção. Resolveu ficar com ela. Depois, já no quartel, deu de cuidar da pobre cadelinha batizando-a com o nome de Chulipa, que depois grudou no nome dele. E assim o major, cujo nome de batismo era Francisco, passou a ser chamado de Major Chulipa pela tropa.

Voltando ao Baiano, o Major Chulipa, diante do desconhecido, foi logo querendo saber o que ele queria.

Baiano, então, disse:

- Sou filho do Nego Nardo. Não sei si o sinhô lembra dele. Já faz muito tempo. Eu já tô com quase trinta anos. Mas meu pai, antes de morrer, fez questão de domar essa égua e como seu último desejo me fez jurar que eu ia trazer ela de presente prô sinhô.

O Major respondeu que não lembrava desse nome. Então o Baiano continuou com a explicação:

- Quando eu nasci a gente morava num sítio perto daqui, onde faltava de tudo e a fazenda do sinhô era a mais rica da região. Diziam que na fazenda do major tirava quase mil litros de leite por dia. Então, num dia de muito desespero, meu pai bateu aqui na fazenda do sinhô perguntando se o sinhô podia dar um pouco de leite para ele poder me alimentar. O capataz foi ter uma conversa com o sinhô e o sinhô autorizô meu pai a pegar dois litros de leite até que eu completasse 2 anos de idade, mas que era para o capataz anotar na agenda.

Então, durante aqueles dois anos, meu pai vinha todo dia aqui pegar os dois litros de leite e o sinhô nunca fez questão de cobrar.

Major e capataz imediatamente lembraram da história. A anotação na agenda era só de faz de conta.

Baiano então disse que, já velho e doente, seu pai no leito de morte pediu que levasse a égua Perfume de presente para o Major Chulipa, pois ele nunca tinha esquecido da ajuda que o sinhô tinha dado prá gente e não queria esticar as canelas sem antes pagar essa dívida com o sinhô.

E o Baiano, homem de palavra igualzinho ao pai, estava ali para realizar o último desejo do Nego Nardo.

O Major não teve como recusar diante de tão simbólico desejo. Seus olhos merejaram. Sabia que tinha salvo a vida do Baiano. Aceitou de bom grado o presente

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E assim a égua Perfume fez a alegria dos filhos do Major durante muitos anos.

Estórias da roça.

Gregório Montemór, advogado