Parece que quando a gente era criança tudo parecia mais gostoso, não é verdade?

Lembro de minha mãe fazendo doce e também me vem à memória o antigo livro de capa dura já meio amarelado que tinha uma vovózinha de cabelo branco e coque, toda sorridente e o netinho ao lado com as mãos nos cotovelos só esperando o bolo. Esta cena, acredito, encantou gerações.

Acho que todo mundo tinha um livro daquele em casa, se é que ainda não tem.

Ali se ensinava muita coisa importante. O jeito de bater os ovos, a sequência e a medida da farinha e dos outros ingredientes, a temperatura do forno e mais uns segredinhos na hora de elaborar os recheios. Mesmo os doces mais simples tinham seus truques. Hoje em dia os doces são muito mais sofisticados mas a essência é a mesma: agradar os olhos e o paladar. Faziam-se muitos doces e bolos em casa, não é como hoje que temos padarias por toda a cidade; e doce era mais no final de semana, não era todo dia.

Hoje, muitas padarias são verdadeiras butiques de pão pela quantidade e qualidade dos doces e pães. As panificadoras e confeitarias evoluíram muito com os produtos de fabricação assim como os maquinários e a mão de obra especializada com cursos. Tenho um irmão que foi confeiteiro e entre os doces mais requisitados que fazia era um pudim de leite. Tinha uma camada de queijo ralado embaixo e todo cremoso por cima com o açúcar derretido em forma de caramelo. Outro pudim delicioso que ele fazia era o de pão duro. O pudim de pão velho que meu irmão fazia era de fazer fila na padaria. Meu irmão sempre foi muito caprichoso. Ainda hoje muitas pessoas que me encontram, perguntam do tempo que trabalhávamos em padaria e fazem questão de lembrar dos doces.

Tenho outro irmão mais velho, que fazia os pães, o melhor deles o pão sovado. A massa era fermentada com um pouco de massa velha, ou seja, massa do dia anterior, depois de descansada se fazia o verdadeiro pão sovado que era cortado levemente ao meio na parte de cima e colocado com uma longa pá de madeira que fazia do padeiro um verdadeiro equilibrista. Quando o pão entrava no forno, que era daqueles de lastro e à lenha, dava-se o vapor e o pão desabrochava. O cheiro do pão era uma coisa impressionante quando saía do forno, uma verdadeira obra de arte. Eu também gostava do pão Paris que era um pão doce achatado, (com goiabada ou com chocolate ), e enrolado como um rocambole. Antes de assar era passado um pincel com gema de ovos em cima o que o tornava macio e logo que saía do forno passava-se uma pincelada de geleia dando-lhe um brilho maravilhoso e irresistível.

Minha infância e adolescência foi praticamente dentro de padaria. Estivemos em muitos lugares de Londrina. Meu pai era o que se chama hoje de verdadeiro empreendedor e queria sempre melhorar. Pena que ficou doente e quase cego. Veio do sítio na juventude com minha mãe, trabalhou teve seus altos e baixos e deixou uma família maravilhosa, trabalhadora e que muito me honra fazer parte. Meu irmão mais velho diz que se tiver padaria no céu meu pai está lá fazendo pão. Riqueza não foi nosso objetivo principal mas o mais importante foi que nunca nos faltou o pão de cada dia e nem a quem estivesse perto de nós ou em nosso caminho, afinal o melhor pão, claro, é o pão repartido.

Daílton Martins é leitor da Folha de Londrina


NOTA DO EDITOR

O livro de receitas citado por Daílton é Dona Benta - Comer bem - cuja primeira edição foi lançado no Brasil em 1940.

Livro Dona Benta - Comer Bem (1ª ed. 1940)
Livro Dona Benta - Comer Bem (1ª ed. 1940) | Foto: Reprodução