Belém, capital do Pará, foi oficialmente escolhida como cidade-sede da COP 30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025. A sigla se refere a "Conferência das Partes" e é um evento que reúne todos os anos representantes de todo o mundo para discutir, buscar soluções e firmar acordos para superar os desafios ambientais vigentes. Essa será a primeira vez que uma cidade da Amazônia será anfitriã da COP. Dentre os participantes da conferência, estão desde presidentes e ministros a organizações não-governamentais, pesquisadores e sociedade civil, no geral.

A notícia tem ganhado repercussão em todo o globo, especialmente porque a Amazônia está no centro das discussões sobre clima e é um bioma fundamental para o equilíbrio ambiental do planeta. É onde está a maior floresta tropical e o maior reservatório de água doce do mundo. No entanto, apesar de estar cercada de riquezas naturais, a população encara no dia-a-dia diversos desafios sociais, como a falta de saneamento básico. Muitos lugares na Amazônia brasileira não contam com aterros sanitários ou políticas públicas de reciclagem.

Para enfrentar essa realidade, em Igarapé-Açu, no interior do Pará, os resíduos recicláveis deixaram de ser problema para serem parte da solução. O município fica a cerca de 2h30 de viagem (aproximadamente 115 km de distância) da capital do estado e é conhecido por abrigar muitos igarapés, que são cursos d'água comumente encontrados na Amazônia, com água gelada que atrai as pessoas para tomar banho em momentos de lazer.

Quando era criança, a empreendedora social Carol Magalhães costumava tomar banho nesses igarapés. "Mas conforme fui crescendo, os igarapés foram se perdendo, ficando sujos pelo lixo que é descartado inadequadamente", relata. Diante desse cenário, ela decidiu se reunir com amigos e criar o Movimento Moeda Verde (MMV), em 2018, para incentivar a destinação correta dos resíduos sólidos.

Empreendedora Social, Carol Magalhães
Empreendedora Social, Carol Magalhães | Foto: Arquivo pessoal

A ideia é simples: a população pode levar materiais recicláveis, como garrafas pet e caixas de papelão, e trocar por uma cédula simbólica, a moeda verde. Com esse "dinheiro", é possível fazer compras em comércios da cidade. Os recicláveis são pesados e "convertidos" em dinheiro. A tabela que determina quanto vale cada kg de reciclável muda constantemente, acompanhando os preços do mercado de recicláveis. Por exemplo, no momento, seis quilos de plástico equivalem a R$ 1,00 - ou uma moeda verde.

A cédula hoje é válida em 72 estabelecimentos de Igarapé-Açu, desde mercados a lanchonetes. A iniciativa é liderada pelo Instituto de Desenvolvimento Amazônia Sustentável (IDEASSU), do qual Carol é coordenadora, e tem como inspirações desde o vencedor do Nobel da Paz em 2006, Muhammad Yunus (criador de um sistema revolucionário de microcrédito) a bancos comunitários criados anteriormente no Brasil.

Moeda Verde
Moeda Verde | Foto: Arquivo pessoal

Economia circula em volta dos recicláveis

Depois de recolhidos, os materiais são vendidos para a reciclagem e o dinheiro obtido é o mesmo que volta para fomentar o comércio local com as moedas verdes, conseguindo, assim, ser uma iniciativa economicamente viável. E, para felicidade da idealizadora, o MMV foi um sucesso de adesão e conseguiu expandir seus horizontes, criando também o Banco Comunitário Moeda Verde, em 2021. Esse próximo passo trouxe uma possibilidade inovadora para microempreendedores de Igarapé-Açu: conseguir um financiamento que pode ser pago com recicláveis.

"Eu não tinha nada de dinheiro para poder investir no meu negócio e ao mesmo tempo não tinha nem como 'pegar' ou como pagar um empréstimo. Mas o Moeda Verde veio com essa alternativa", diz Roseline Dantas, 61 anos, a primeira cliente do banco. Quando ela olha para trás e vê as conquistas que teve com seu negócio, chega a se emocionar pensando no longo caminho que percorreu desde 2020, quando, em meio ao auge da pandemia de Covid-19, lutava para arranjar um meio de subsistência diante desse cenário.

Imagem ilustrativa da imagem Moeda Verde, criada na Amazônia, é algo para ficar de olho e espelhar dentre os exemplos da anfitriã da COP30
| Foto: Arquivo Pessoal

A empreendedora passou décadas trabalhando como autônoma, vendendo cosméticos de porta em porta, e quando veio o isolamento social, tudo ficou mais difícil. Junto da filha, passou a vender pão caseiro na cidade em que vive, Igarapé-Açu, interior do estado do Pará. "Era muito difícil. Eu colocava toda a vestimenta de proteção e ia na bicicleta pela cidade até vender o último pão. Mas o dinheiro que rendia mal dava para o nosso alimento", recorda.

Imagem ilustrativa da imagem Moeda Verde, criada na Amazônia, é algo para ficar de olho e espelhar dentre os exemplos da anfitriã da COP30
| Foto: Arquivo Pessoal

Os financiamentos no banco são de valores que para alguns podem ser baixos, mas que para outros fazem toda a diferença. Para Roseline, ao longo dos últimos três anos já conseguiu três empréstimos, cada um na faixa de R$ 300,00, que ela foi pagando em "prestações" de resíduos recicláveis. "Foi um dinheiro que fez toda a diferença. Me ajudou a comprar um forno novo, a adquirir os insumos no supermercado no atacado para economizar no custo de produção dos nossos pães, nos permitiu sonhar mais alto", declara.

Hoje, o cardápio de suas vendas inclui também empadas, salgados e cestas de café da manhã, dentre outras guloseimas, e as entregas são feitas de motocicleta, com a contratação de um entregador. "Além do meu negócio crescer, isso fez com que eu abrisse ainda mais meus olhos para a importância de dar um destino correto para os resíduos. Agora eu saio coletando em vários lugares, nos vizinhos, nas escolas, vou juntando e levo para trocar em 'moeda verde'", conclui.

Imagem ilustrativa da imagem Moeda Verde, criada na Amazônia, é algo para ficar de olho e espelhar dentre os exemplos da anfitriã da COP30
| Foto: Arquivo Pessoal

Iniciativa já evitou que mais de 700 toneladas de recicláveis fossem parar no lixão

O Movimento Moeda Verde atualmente representa a melhor opção de gestão de resíduos sólidos do município. Os esforços da iniciativa são tão significativos para a cidade que a própria prefeitura reconhece e, desde 2020, vem firmando parcerias para fortalecer o MMV. Em contrapartida pelos serviços oferecidos à cidade, a gestão municipal se compromete em disponibilizar um caminhão para a coleta seletiva, a contratação de quatro catadores e a cessão de um espaço apropriado para a triagem desses materiais. "Hoje, o lixo que é coletado em Igarapé-Açu é levado a um lixão a céu aberto, o que é muito negativo. Então, quando surge o Moeda Verde, a prefeitura decidiu somar com a iniciativa popular, fazendo esse esforço coletivo que só tem a beneficiar a população", reforça Eliton Araújo, coordenador da Secretaria Municipal do Meio Ambiente.

De acordo com Carol Magalhães, nos cinco anos do projeto o MMV já direcionou mais de 700 toneladas de resíduos para a reciclagem e a iniciativa já é replicada em Curuçá (PA), município a cerca de 80 km de distância de Igarapé-Açu. "Sonhei com isso, essa cadeia do Movimento Moeda Verde por todo o Pará. O que mais quero é que com a COP 30 sendo realizada no estado, esse tipo de iniciativa possa ganhar proporções ainda maiores", compartilha a empreendedora social.


ESPECIAL SEJA SUSTENTÁVEL - Essa reportagem foi financiada pela bolsa Seja Sustentável de jornalismo de sustentabilidade e destinada para publicação em parceria entre iniciativa privada e a Folha de Londrina com o apoio do ICFJ e Meta.