De manhã, uma fatia de pão para começar o dia. No almoço, aquele macarrão ao sugo coberto com queijo parmesão ralado de dar água na boca. À tarde, mesa farta com torradas, bolos e biscoitos. Mais tarde, os amigos te esperam para relaxar tomando uma cervejinha. De volta para casa, pedir a pizza favorita pelo aplicativo de entregas não parece uma má ideia. E geralmente não é - exceto para quem convive com a intolerância ao glúten, proteína presente em todos os alimentos citados.

Esta é uma realidade que afeta cerca de dois milhões de pessoas, de acordo com a Fenacelbra (Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil), e inclui a jornalista Patrícia Maria Alves, que, mesmo tendo sofrido com diversas alergias desde criança, recebeu o diagnóstico há apenas um ano e vem reinventando a sua dieta dentro e fora de casa desde então.

Além de expor o seu processo de descoberta da doença, o novo podcast da Folha, "De Repente, Celíaca", traz um importante bate-papo de Alves com especialistas do tema, a fim de conscientizar pessoas que sofrem com os desconfortos da condição autoimune, mas não sabem que possuem. Com abordagem informativa e boas pitadas de humor, a audiossérie é composta por seis episódios, sendo o terceiro lançado nesta sexta-feira (24), às 12h, em todas as plataformas de streaming.

Imagem ilustrativa da imagem 'De Repente, Celíaca' esclarece dúvidas frequentes sobre intolerância a glúten
| Foto: Patricia Maria Alves

UM "VILÃO" EM COMUM

No segundo episódio, "Patrícia e o Labirinto (do glúten)", são apresentados os médicos Fernando Valério, gastroenterologista; Flávia Sartorelli, endocrinologista; e Ana Paula Juliani, alergista. Em entrevista aos profissionais da saúde, Alves consegue tirar suas próprias dúvidas sobre o assunto, conhecendo detalhes da sua condição, e ainda esclarecê-las de forma acessível aos ouvintes.

Primeiramente, é importante saber fazer a diferenciação entre os diagnósticos envolvendo o "vilão" em comum, já que existe a doença celíaca, a sensibilidade ao glúten não-celíaco e a alergia ao trigo.

"A doença celíaca é uma inflamação crônica do nosso intestino delgado que acontece porque a gente faz uma resposta imunológica exacerbada ao glúten, e na grande maioria da vezes é a uma proteína do glúten, a gliadina", explica Sartorelli. Segundo ela, existem pessoas que podem apresentar as reações de forma mais intensa, enquanto outros não, mesmo com a doença.

Os sintomas podem se manifestar de diversas formas, sendo os gastrointestinais os mais perceptíveis pelas pessoas, porque envolvem diarreia, distensão e dor abdominal, constipação e gases excessivos. Outros sinais também são importantes, mas mais difíceis de serem associados à doença num primeiro momento, como é o caso da anemia, com a deficiência de nutrientes que não são absorvidos corretamente pelo organismo, osteoporose, infertilidade e efeitos neurológicos. "A gente tem que estar ligado, porque não são apenas os sintomas clássicos", alerta a endocrinologista.

Com a sensibilidade ao glúten não-celíaco, ao consumir alimentos que contêm a proteína, as pessoas tendem a ter uma má digestão, com sintomas muito parecidos aos mencionados, mas que, apesar de desconfortáveis, não implicam uma reação inflamatória no intestino.

Já no caso da alergia ao trigo especificamente, é desencadeada uma resposta imediata, geralmente associada à anafilaxia, que inclui alterações na pele, tosse, chiado, falta de ar, dor abdominal, náusea e vômito, por exemplo. De acordo com Juliani, pequenas quantidades do alérgeno já são suficiente para um risco de morte.

"A doença celíaca é uma doença autoimune, é o primeiro conceito importante, quer dizer que ela não é uma alergia, não é uma doença contagiosa, não é uma intolerância e não é uma sensibilidade, ela é autoimune, ou seja, o meu sistema imunológico me agride", reforça Valério. Segundo ele, a doença ocorre devido a uma pré-disposição genética, provocada pela ingestão da proteína presente no trigo, no centeio, na cevada e em seus derivados.

Para ter certeza da origem do problema, é necessário um exame clínico com médico especialista, para avaliar uma biopsia do intestino realizada por meio de endoscopia.

CONSEQUÊNCIAS DO SUBDIAGNÓSTICO

O gastroenterologista chama a atenção para a amplitude da condição, que, segundo ele, é maior do que as pessoas imaginam, já que não se trata de uma doença intestinal, mas sim sistêmica. "70 a 80% dos pacientes celíacos têm manifestações extraintestinais ou associação com outras doenças autoimunes e até um maior risco de câncer em alguns órgãos", afirma.

Por isso, quanto antes houver o diagnóstico correto, maiores as chances de controlar os sintomas, a fim de preservar a qualidade de vida e impedir complicações sérias no futuro. O problema, no entanto, é a falta de visibilidade sobre a condição, que causa a falsa impressão de uma doença não tão comum.

Como os principais sintomas são facilmente confundidos com outras enfermidades, a doença celíaca passa por uma banalização tanto de profissionais da saúde quanto da sociedade, causando o subdiagnóstico que impacta na verdadeira estatística de pacientes. Assim, muitas pessoas que possuem a intolerância ao glúten não conhecem a doença e acabam colocando a saúde em risco por não entender a importância de uma dieta específica.

"A doença celíaca acomete 1% da população. A cada 5 pessoas, uma é celíaca. Para que você tenha uma comparação prática mais visível, 1% é a mesma incidência do Alzheimer e da epilepsia, só que, infelizmente, no máximo 15% dos celíacos no mundo desenvolvido sabem que são celíacos. No Brasil, geralmente esse número é menor", revela.

Abordando esses e outros assuntos, o podcast "De Repente, Celíaca" tem episódio novo todas as sextas-feiras, trazendo luz a dados importantes sobre a doença celíaca e compartilhando vivências, seja de forma trágica ou cômica.

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