Amigas do peito



Cinco anos após a promulgação da lei federal que garante às mulheres mastectomizadas o direito de ter suas mamas reconstruídas no mesmo ato cirúrgico de retirada parcial ou total das mamas, essa ainda não é uma realidade para as pacientes brasileiras atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme dados da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), em 2015 pelo menos 7,6 mil mulheres não puderam ser beneficiadas pela lei, embora tenha aumentado de 15% para 29,3% a incidência de reconstruções – entre 2008 e 2014 – na parcela de pacientes atendidas no sistema público.

O mastologista Cícero Urban, membro da Sociedade Brasileira de Mastologia e coordenador do curso de Medicina da Universidade Positivo, explica que a reconstrução no mesmo ato cirúrgico pode ser feita na maioria das pacientes. "Só não são indicadas para quem está com condições de saúde precárias ou tem um tumor em estágio avançado", diz. As mulheres deixam de fazer a reconstrução das mamas, porém, por motivos alheios à própria saúde.

Conforme Urban, uma das principais causas é a falta de cirurgiões capacitados para fazer as duas cirurgias. Além disso, segundo ele, muitos serviços enfrentam falta de material – como as próteses mamárias – para realizar os procedimentos.

A essas pacientes só resta entrar na fila para conseguir o procedimento de reconstrução pós-mastectomia, o que impõe não apenas a angústia da espera, mas também o trauma emocional de viver sem a mama por um tempo. O médico compara que nos atendimentos privados que realiza pelo menos 97% das pacientes fazem as duas intervenções no mesmo ato cirúrgico, contra apenas 30% das pacientes do SUS.

"Um único profissional pode fazer as duas cirurgias, mas é preciso que ele tenha formação para isso", explica, destacando que a proposta da SBM é inserir essa formação nos programas de residência médica em mastologia. "Também organizamos cursos de aperfeiçoamento para os profissionais que queiram aprender. Isso tem trazido resultados positivos", considera.

Ele defende que a lei, por si só, não garante os direitos das pacientes. "É preciso garantir acesso ao serviço e às próteses", afirma, lembrando que a redução na quantidade de intervenções cirúrgicas é melhor para a saúde e para a autoestima das mulheres.

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LONDRINA
Em Londrina, o Hospital do Câncer é uma das três instituições do Paraná que realizam reconstrução mamária – seja no momento da mastectomia ou após. "Temos um grupo no departamento de mastologia que é qualificado para isso", explica o mastologista José d´Oliveira Couto Filho, chefe do Serviço de Mastologia do hospital e professor titular de Ginecologia da UEL (Universidade Estadual de Londrina).

Ele esclarece que as intervenções são feitas como parte do curso de cancerologia cirúrgica, oferecido pela instituição para médicos com pelo menos dois anos prévios de experiência em cirurgia geral.

Apesar do acesso ao procedimento, não são todas as mulheres que podem se submeter. O critério da indicação envolve baixo risco oncológico e que não haja outros fatores limitantes, como por exemplo diabetes.

Mulheres que foram diagnosticadas precocemente e que não apresentam outras doenças podem ser submetidas a cirurgias de reconstrução conservadoras usando o próprio tecido das mamas e abdômen. Outra alternativa é a colocação das próteses. "A escolha é feita pós avaliação da equipe que está tratando a paciente", diz.

Enquanto as pacientes do sistema privado conseguem realizar a reconstrução com mais facilidade, pelo SUS as mulheres esbarram em dificuldades. Além da falta de profissionais qualificados, o diagnóstico tardio ainda é uma realidade que, conforme Couto, impede que muitas mulheres façam a reconstrução no ato da mastectomia. "A lei é feita para a mulheres que têm condições clínicas de se submeter ao procedimento", enfatiza. Outro problema, segundo ele, é a falta de leitos. "Quando temos outros pacientes com câncer esperando vaga no centro cirúrgico, nem sempre a reconstrução será prioridade", diz.


Amigas do Peito dão apoio às mulheres em Arapongas

Grupo defende que a intervenção é um direito da mulher e que, por isso, a vontade dela deve ser respeitada
Grupo defende que a intervenção é um direito da mulher e que, por isso, a vontade dela deve ser respeitada | Foto: Ricardo Chicarelli



Realizar ou não a cirurgia de reconstrução de mamas após uma mastectomia depende das condições clínicas e também do desejo das pacientes com câncer. Entre as integrantes do grupo Amigas do Peito, de Arapongas (Região Metropolitana de Londrina), há quem tenha feito reconstrução no momento da mastectomia, quem tenha feito depois e até mesmo quem preferiu não se submeter à segunda cirurgia. Independente da motivação, o grupo defende que a intervenção é um direito da mulher e que, por isso, a vontade dela deve ser respeitada.

Uma das fundadoras do grupo é a empresária Maria Rinara Schimini, de Arapongas, que há cinco anos recebeu o diagnóstico de câncer de mama e, após passar por todo o tratamento, percebeu que nem sempre as pacientes recebiam todas as informações necessárias. "Isso me motivou a criar o grupo, para que possamos trocar experiências", conta ela, que fez a retirada de um tumor em estágio avançado e que, por isso, não realizou a cirurgia de reconstrução de mama. "Poderia fazer agora, mas não tive coragem de me submeter a outra cirurgia, pois foi um sofrimento grande. O apoio do meu marido nesta decisão foi fundamental", explica.

A professora Aparecida Lazareti também tinha um tumor avançado que a impediu de fazer a reconstrução imediata das mamas. "Desde o diagnóstico, porém, eu já sabia que ia querer fazer a reconstrução. Gosto muito de praia, não ia querer abrir mão de usar biquíni", diz ela, que foi a primeira paciente a ser submetida à reconstrução mamária no Hospital João de Freitas, em Arapongas. "Meu foco inicial foi a saúde, mas dois anos depois, busquei a cirurgia de reconstrução e consegui pelo SUS", comemora Aparecida, que fez a chamada cirurgia conservadora, com uso da própria pele.

Já a aposentada Denise Hirata foi atendida por um convênio médico e conseguiu realizar os dois procedimentos ao mesmo tempo: mastectomia e reconstrução. "Quando recebi o diagnóstico, fiquei em choque, mas depois me informei e decidi pela reconstrução. Achei muito bom fazer tudo de uma só vez, pois não passei pelo trauma de ficar sem os seios", pondera.

As colegas do grupo Amigas do Peito concordam que esta é a melhor situação. "A gente ganha peso, perde os cabelos e ainda fica sem o seio, é muito ruim para a nossa autoestima. A cirurgia no mesmo momento da mastectomia é o ideal, mas nem sempre é possível", comentam.

A cabeleireira Neusa Hisako Nogami demorou dez meses para receber o diagnóstico do câncer de mama. Apesar de ter feito todos os exames preventivos, não fez biópsia – por indicação médica – quando os exames apontaram alterações. "Eu não sentia que estava bem, por isso voltei ao médico. Ainda bem quer não era um tumor agressivo", recorda ela, que após receber a notícia se encheu de coragem e fez todos os procedimentos necessários, incluindo a mastectomia. "Fiz tudo pelo meu convênio, mas os médicos não recomendaram a reconstrução na mesma cirurgia", diz.

Ela agora está liberada para a reconstrução, mas decidiu que não fará o procedimento. "Tenho medo do câncer voltar e ter que passar por todo o sofrimento de perder a mama novamente. Atualmente, estou pensando mais na minha própria vida", pondera.

Gravidez não é perigosa para mulheres que tiveram câncer de mama

Ficar grávida depois de um diagnóstico de câncer de mama não aumenta o risco de que o câncer retorne, segundo o maior estudo sobre este tema já realizado, divulgado recentemente em uma importante conferência sobre oncologia.

O estudo incluiu 1.207 mulheres com menos de 50 anos que tiveram câncer de mama que não havia se espalhado para outras partes do corpo. A maioria (57%) tinha câncer de mama com receptores de estrogênio (um tipo de câncer conhecido como RE-positivo), no qual os tumores são alimentados por este hormônio.

Alguns médicos acreditavam que essas mulheres podiam enfrentar um maior risco de recidiva do câncer se ficassem grávidas, devido a alterações hormonais durante a gestação. Um total de 333 mulheres engravidaram durante o estudo, em média 2,4 anos após o diagnóstico e o tratamento do câncer.

Após um acompanhamento de 10 anos, os pesquisadores não encontraram "nenhuma diferença na sobrevivência livre de doença entre as mulheres que ficaram grávidas e as que não ficaram", segundo o artigo divulgado na reunião da Sociedade Americana de Oncologia Clínica.

A gravidez também mostrou benefícios surpreendentes para as mulheres que tinham sobrevivido a um câncer de mama sem receptores hormonais. Essas mulheres tinham uma chance 42% menor de morrer do que aquelas que não tinham engravidado. "Nossas descobertas confirmam que a gravidez depois de um câncer de mama não deveria ser desencorajada, nem mesmo para mulheres com câncer RE-positivo", disse Matteo Lambertini, médico que dirigiu este estudo no Instituto Jules Bordet em Bruxelas.

"É possível que a gravidez possa ser um fator de proteção para pacientes com câncer de mama do tipo RE-negativo, através de mecanismos do sistema imunológico ou hormonais, mas é necessário mais pesquisas sobre isso", acrescentou.

Cerca de metade das mulheres jovens recém-diagnosticadas com câncer de mama tem interesse em ter filhos, mas as pesquisas mostram que menos de 10% delas ficam grávidas depois de receber tratamento para combater a doença.