Carlos de Souza, que aparece com a mulher Angelita Rabschinski, passou por uma cirurgia para retirada de um tumor: "Estou me sentindo bem, trabalhando, levando a vida normalmente"
Carlos de Souza, que aparece com a mulher Angelita Rabschinski, passou por uma cirurgia para retirada de um tumor: "Estou me sentindo bem, trabalhando, levando a vida normalmente" | Foto: Roberto Custódio



Passar por uma cirurgia acordado. Para muitos, essa possibilidade pode ser tanto assustadora quanto uma novidade, mas para a medicina isso já é uma prática antiga. No artigo "Anestesia para craniotomia em paciente acordado", o autor Ronaldo Contreiras de Oliveira Vinagre, médico anestesiologista, cita que o procedimento foi praticado com sucesso antes mesmo do advento da anestesia.

Mas o marco da técnica cirúrgica, que o autor trata como a "era moderna da craniotomia com o paciente acordado", começou há mais de 50 anos. Alguns casos emblemáticos foram pacientes que, durante a operação, cantaram ou mesmo tocaram instrumentos enquanto médicos operavam seus cérebros.

Aplicada com mais frequência na área da oncologia, a técnica chamada de "awake craniotomy" pode ter outras aplicações e estudos estão avançando nesse sentido. O neurocirurgião Bruno Loyola Godoy, que atua no Inca (Instituto Nacional do Câncer), no Rio de Janeiro, enfatiza, porém, que a minoria dos neurocirurgiões incorpora a técnica na prática clínica atual. "Já está comprovado que é seguro e eficaz. A nossa briga é para difundir mais essa prática entre os neurocirurgiões brasileiros", diz ele, membro titular da SBN (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia).

Godoy lembra que, apesar de antiga, a técnica foi pouco usada por muitos anos e que os avanços tecnológicos, como a monitorização eletrofisiológica, deram nova visibilidade. "Mas ainda são poucos os centros que a utilizam", afirma, salientando se tem estudado agora a aplicação em diferentes cenários.

Em Londrina, o Hospital Evangélico efetivou entre janeiro de 2014 e julho de 2017 10 cirurgias com paciente acordado para casos de Parkinson.

Já a Santa Casa, em 2016, realizou uma cirurgia para clipagem de aneurisma cerebral, se tornando uma das poucas instituições no País a utilizar o método para este fim. A paciente é Inez do Amaral, moradora de Guarapuava (Centro-Sul). Ela vem sendo acompanhada a cada cinco meses e passa bem. "O caso da Inez foi específico, mas a técnica está mais aprimorada e a tendência é fazer cada vez mais para isso", observa o neurocirurgião Marcelo Haddad, que foi acompanhado pelo também neurocirurgião Sérgio Murilo Georgeto e o anestesista Luciano Fonseca.

Na área de oncologia, foram realizadas duas awake craniotomy no município. A primeira foi realizada na Santa Casa, em 2016, e a mais recente, no Hospital Evangélico.

O Hospital do Câncer de Londrina, segundo a assessoria de comunicação, ainda não incorporou a técnica. A diretoria do hospital informou que em breve este tipo de procedimento será possível de ser realizado pela chegada de novos equipamentos.

Imagem ilustrativa da imagem Médicos querem difundir técnica de operar o paciente acordado



SEGURANÇA
O neurocirurgião Godoy, do Inca, detalha que na oncologia o processo é indicado quando se tem tumores próximos a áreas eloquentes (responsáveis pela função motora ou de linguagem). "Pois torna possível ao cirurgião monitorar essa área durante a remoção do tumor. Isso resulta em um grau de ressecção maior com um risco menor de deficit neurológico. Por isso que ela se torna até mais segura que o método convencional. Além disso, diminuem as complicações relacionadas à anestesia geral", explica.

Com a técnica tradicional, isto é, com o paciente anestesiado, esse deficit só será quantificado no pós-operatório. Esse entendimento foi o que motivou o neurocirurgião Carlos Zicarelli, do Hospital Evangélico em Londrina, a operar o empresário londrinense Carlos de Souza, 47, com ele acordado.

Souza passou pela cirurgia em novembro de 2016 para retirada de um tumor na área motora primária, que representava um risco alto de comprometimento dos movimentos do lado esquerdo do corpo. O caso foi divulgado no dia 18 de julho.
"O tumor era progressivo e por isso houve uma emergência em estudar o caso e aplicar a técnica que nos permitiu verificar os estímulos do paciente durante o procedimento", diz Zicarelli.

Souza fez novos exames de ressonância e os resultados são positivos. "A lesão não retornou. Estou me sentindo bem, trabalhando, levando a vida normalmente", conta.

SEM DOR
Um dos pontos que os neurocirurgiões destacam nesse tipo de intervenção é o esclarecimento do paciente. O anestesista Antônio Cavazzani Neto, que participou da cirurgia de Souza, revela que é fundamental informar o paciente de todas as etapas para que ele fique o menos ansioso e preocupado possível. "A função do cirurgião é tratar a doença e do anestesista, cuidar dos sinais vitais do paciente. Nosso objetivo é deixá-lo bem controlado em relação à dor, náuseas e vômito, ou seja, vamos fazer manobras para deixá-lo bem confortável durante o ato cirúrgico", afirma.

Segundo Cavazzani Neto, o paciente recebeu uma anestesia geral através de uma máscara laríngea. "Quando o médico acessou a cabeça, eu despertei o paciente e entrei com medicamentos para mantê-lo calmo, colaborativo e sem dor. Vale lembrar que o cérebro não sente dor. O que dói é a parte óssea e a membrana dura-máter", comenta.

Cardiologia intervencionista
Em várias intervenções cardíacas, manter o paciente acordado, apenas com uma leve sedação e anestesia local, é uma prática rotineira. Quem afirma isso é o cardiologista intervencionista Ederlon Nogueira, que atua no Hospital do Coração de Londrina. "Há cerca de três anos, esse procedimento era utilizado somente em pacientes que não podiam ir para a cirurgia cardíaca normal, justamente pelo risco cirúrgico. Mas hoje isso já é muito praticado no dia a dia e a tendência é que essa tecnologia passe a atender futuramente pacientes de baixa complexidade", ressalta.

Nogueira chega a contabilizar uma média de cinco intervenções diárias. "Especialmente para casos de angioplastia, implante de válvula via cateterismo, entre outros. Dentro da cardiologia intervencionista, a maioria dos procedimentos é realizada só com ansiolítico e anestesia local", aponta.

Vale lembrar que em cirurgias cardíacas a técnica é totalmente diferente, pois a craniotomia acordada, como o próprio nome já diz, consiste na abertura cirúrgica do crânio. (M.O.)