Tique-taque, tique-taque. Assim como os ponteiros dos relógios marcam horas e definem hábitos aos seres humanos, o organismo também conta com um marcador para nos ajudar a adaptar às diferentes fases do dia. Todo esse compasso é feito por uma espécie de relógio biológico, que segue um ritmo de 24 horas, chamado de ritmo circadiano. E a revelação de todo o mecanismo molecular que o controla rendeu a três cientistas norte-americanos - Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young - o Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2017, divulgado no dia 2 de outubro.

Mas antes de explicar os caminhos que levaram a essa descoberta, é indispensável saber qual é a relação desse relógio interno com a saúde. A ciência por trás disso é a cronobiologia que, resumidamente, investiga e estuda como o organismo se comporta em determinados períodos.

O neurocientista Fernando M. Louzada, coordenador do Laboratório de Cronobiologia Humana da UFPR (Universidade Federal do Paraná), explica que o funcionamento deste relógio está diretamente ligado ao regulamento do sono e às funções comportamentais e metabólicas, desde níveis hormonais até a temperatura corporal. Isso dá indícios, então, de que "quando esse relógio está dessincronizado cronicamente, há um aumento do risco de desenvolver doenças", diz, citando as doenças cardiovasculares, síndromes metabólicas, diabetes tipo 2 e até alguns tipos de câncer, como o de mama.

Esse entendimento também traz algumas respostas, como para o mal-estar provocado quando se viaja em diversos fusos horários, ou então a dificuldade de algumas pessoas para se adaptar ao horário de verão.

SINCRONIA
Para Edson Delattre, professor aposentado do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Biologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), "não basta que se tenha ritmos internos, é preciso que eles estejam sincronizados para que haja homeostasia", afirma.

E o principal sincronizador externo é o dia e a noite (claro e escuro). "Por isso, basta o indivíduo, por exemplo, trabalhar à noite e dormir de dia para haver uma dessincronização. Se nosso relógio não tivesse o sol, o ritmo na maioria das pessoas ficaria mais longo. Então, o claro e o escuro é uma forma de acertar nosso relógio todo dia", comenta Louzada.

O estudo dos três laureados mostra que à noite a temperatura do nosso corpo é mais baixa, nos preparando para descansar. Já ao amanhecer começa a haver processos como a liberação de cortisol, aumento da pressão arterial, para uma melhor coordenação, atenção e reação. "A espécie humana é temporizada. Ela foi feita ao longo da evolução para dormir à noite e ficar acordada durante o dia. E quem determina essa regulação são genes específicos que regulam os ritmos, revelados no estudo", completa.

Quanto aos indivíduos que são vespertinos, a explicação, segundo Louzada, é genética. "Isso faz com que o relógio seja mais adiantado ou atrasado em algumas pessoas", afirma.

Mas o corpo humano também conta com um sincronizador interno. De acordo com o neurocientista, é o chamado hormônio melatonina, secretado à noite. E o aviso para o organismo saber que é dia ou noite é dado pelo hipotálamo, no cérebro. "É onde está localizado nosso principal 'relógio biológico', pois há vários dele em todo o corpo, no entanto, esse tem uma conexão direta com a retina, pois a informação luminosa chega através dela", ressalta.

Cientistas utilizaram moscas de frutas no estudo
No século 18, o astrônomo Jean Jacques d'Ortous de Mairan descobriu que as plantas de mimosa poderiam ter seu próprio relógio biológico. Para chegar a esta conclusão, ele colocou a planta em um ambiente de constante escuridão, uma vez que ela tem o hábito de se abrir em direção ao sol durante o dia e se fechar à noite.

Com o experimento, mesmo na ausência de luz solar, as folhas continuavam seu curso normalmente. Já os cientistas norte-americanos recém-premiados com o Nobel de Medicina utilizaram no estudo moscas de frutas.

A publicação oficial explica que a pesquisa isolou o gene que controla o ritmo biológico diário normal e constatou que ele codifica a proteína PER que se acumula na célula durante a noite e é degradada durante o dia. Os níveis dessa proteína oscilam ao longo de um ciclo de 24 horas, ou seja, em sincronia com o ritmo circadiano.

Em seguida, o trio identificou componentes de proteína adicionais, expondo o mecanismo que regula todo o processo de auto-manutenção dentro de cada célula. Com isso, descobriu-se que nosso corpo desencadeia ligações que nos preparam para acordar e para dormir. (M.O.)