Cléber Oliveira já gastou sola de sapato percorrendo a cidade para entregar currículos e se inscrever em agências de emprego
Cléber Oliveira já gastou sola de sapato percorrendo a cidade para entregar currículos e se inscrever em agências de emprego | Foto: Fábio Alcover



Em pouco mais de quatro meses, Cléber Henrique de Oliveira, de 21 anos, vai se tornar pai. A mulher está grávida do primeiro filho. A felicidade do casal só não é maior por conta da preocupação: ambos estão desempregados e ainda não sabem como vão fazer para suprir as necessidades da criança. Na tarde desta sexta-feira (10), Oliveira engrossava a fila de uma empresa de recursos humanos na zona oeste da cidade em busca de um trabalho temporário na ExpoLondrina. Há cinco meses, ele foi demitido de um apiário e, desde então, já gastou sola de sapato percorrendo a cidade para entregar currículos e se inscrever nas agências de emprego.

Assim como Oliveira, 13 milhões de brasileiros vivem o pesadelo do desemprego, um dos reflexos da pior recessão desde 1948, quando teve início a série histórica divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As quedas do Produto Interno Bruto (PIB) registradas em 2015 e em 2016 somam 7,2%. O PIB representa a soma de todos os bens e serviços produzidos no País. No ano passado, houve retração nos índices relacionados à indústria, ao setor de serviços e à agropecuária. Países como a Grécia (0,3%) e a Rússia (-0,8%) obtiveram resultados melhores que o Brasil durante 2016.

"Antes a gente ouvia falar da crise, mas sempre aparecia um trabalho. Agora, não recebo nenhuma ligação de retorno", lamenta Oliveira. Quando ele tirou a carteira de trabalho, aos 18 anos, a realidade era outra. Em 2013, último ano antes da derrocada da economia brasileira, o País ainda vivia o sonho de ser uma potência emergente. Em meio ao turbilhão da crise, ele tem que se adaptar aos novos tempos. "Não imaginava passar por isso. É uma situação bem difícil, mas não vou descansar até conseguir", diz.

Segundo o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fabiano Camargo da Silva, a crise econômica se arrasta desde 2011 com a redução no ritmo de crescimento nacional e internacional acompanhado das mudanças políticas no Brasil. "As alterações na política econômica e as desonerações da folha de pagamento, por exemplo, não tiveram o efeito esperado. As empresas não repassaram os resultados à população com menores preços ou novas contratações", alfineta.

Silva critica ainda os cortes de investimento e a política de austeridade adotada pelo governo federal. "Esse tipo de política historicamente não deu certo nos países da Europa. O corte de gastos e de investimentos para reduzir a dívida pública para então estimular a confiança dos empresários é uma política que não dá resultado. O empresário só vai investir quando tiver a perspectiva de lucrar a médio e longo prazo", analisa. Para o economista, as investigações da Operação Lava Jato também interferiram negativamente no cenário de recessão. "Sem entrar no mérito da operação, vários investimentos foram parados e houve menos geração de postos de trabalho."

Imagem ilustrativa da imagem Sobrevivendo na crise



CORTES
Quem não tem mais gordura para cortar no orçamento é obrigado a abrir mão de serviços essenciais, como saúde e educação privadas. Em 2016, mais de 1 milhão de alunos migraram de escolas particulares para a rede pública. Já os planos de saúde tiveram cancelamento de 1,4 milhão de contratos. A técnica em enfermagem aposentada Neide Batista Venturini, de 56 anos, deixou de contar com plano de saúde por conta do alto custo. Para não depender do inchado Sistema Único de Saúde (SUS), ela passou a utilizar os serviços da Atend Já, uma das clínicas populares de Londrina. "É uma alternativa mais em conta", justifica.

Neide diz que, se apertasse as contas, poderia até manter o plano de saúde, mas como sempre teve um perfil mais prudente com as contas, preferiu não arriscar. O medo é gastar mais do que pode. Conforme dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), quase 59 milhões de consumidores estavam inadimplentes em fevereiro.

ESTAGNAÇÃO
O professor do departamento de economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marcelo Curado, destaca que esta "é a mais dura recessão vivida no Brasil contemporâneo". "Traduzindo isso, se a gente dividisse tudo o que é gerado no Brasil pelo número de habitantes, é como se a gente praticamente tivesse regredido para o ano de 2010. A sociedade brasileira não consegue gerar mais produtos. Estamos praticamente estagnados", afirma.

Segundo Curado, famílias das classes C, D e E foram as mais afetadas pelo ciclo formado pela redução no número de empregos, a queda na renda mensal, a diminuição no consumo e, consequentemente, na produção. "Toda crise traz um aprendizado. Neste caso, talvez a gente tenha acreditado que o Brasil tivesse chegado a um ponto de desenvolvimento que não chegou. Isso gerou um certo exagero e uma bolha de consumo", acrescenta.

Recuperação a passos lentos
A expectativa de recuperação do PIB com crescimento de 0,5% em 2017 ainda exige cautela por parte dos investidores e da população. "Eu poderia dizer que a gente parou de piorar. O mais grave da crise já passou, mas, por algumas questões econômicas, a gente não vai ter uma recuperação rápida. […] O PIB vai se recuperar antes dos índices de emprego. Essa é uma característica da economia. O emprego só vai voltar a ter um patamar de crescimento no final de 2018", alerta o professor do departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marcelo Curado.

O professor ressalta que as famílias devem manter um padrão de consumo equilibrado, fazer a renegociação de dívidas, quitar débitos e, na medida do possível, poupar para enfrentar os próximos anos. "É importante não se deixar levar por uma pequena melhora na economia e fugir de financiamentos", orienta.

O economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fabiano Camargo da Silva, afirma que a reestruturação das empresas para enfrentar a crise também terá impacto negativo na geração de empregos. "Várias empresas demitiram e fizeram os seus ajustes. Muitas estão automatizando a produção. Ainda que a economia volte a crescer, essas empresas vão demandar uma quantidade menor de trabalhadores para produzir", analisa.(V.C.)

A mototaxista Eslaine do Nascimento só tira o carro da garagem aos fins de semana ou em casos de extrema urgência
A mototaxista Eslaine do Nascimento só tira o carro da garagem aos fins de semana ou em casos de extrema urgência | Foto: Gustavo Carneiro



Famílias adaptam orçamento
Com a recessão, o poder de compra dos brasileiros diminuiu. A retração foi de R$ 280 bilhões entre 2015 (-2,8%) e 2016 (-7%). Desde 2004, os recursos disponíveis para o consumo cresceram ininterruptamente a um ritmo anual médio de 2,5%. Essa é a realidade de Eslaine do Nascimento. A renda familiar dela caiu nos últimos meses. O número de chamadas no mototáxi em que ela trabalha sofreu redução de 70%. Para sobreviver à crise, a mãe de dois meninos (de 8 e 12 anos) adaptou a rotina.

O carro, antes utilizado diariamente, passou a funcionar só aos fins de semana ou em casos de extrema urgência. Os filhos agora vão à escola de ônibus. "Cortei o pão francês e substituí por bolos caseiros, por exemplo. Cortei o churrasquinho de fim de semana, os lanches e a pizza; troquei o refrigerante por aqueles sucos artificiais... Isso não é economia. A gente não economiza nada, isso é ilusão. É que, na verdade, o dinheiro é que perdeu o poder de compra. O mercado que antes dava R$ 800 agora tem que ficar em R$ 600 para uma família de quatro pessoas, mas é metade da compra que a gente fazia", resume.

Mesmo com a substituição de marcas e de alimentos e até o corte de alguns produtos da lista de consumo, Eslaine enfrenta o desafio constante de fazer as compras do supermercado durarem o mês todo. A moradora da região leste de Londrina, assim como milhões de brasileiros, está com o orçamento familiar no limite. A motogirl não fez empréstimos. Ela afirma que "as contas de água e luz estão indo bem". "As outras é que ficaram meio emboladas", afirma.

Eslaine entende que as perspectivas não são nada boas para os próximos meses. "Você vai tirando tudo. O que impactou mais foi ter que ver meu filho falar ‘mamãe, eu queria comer uma pizza’. Aí ter que explicar que não dá e que na semana que vem a gente vai ver. Isso é doído, viu. O psicológico da gente se abala. A gente conversa com as pessoas e vê na cara delas o tipo de vida que estão levando. Você vê que todo mundo está tentando sobreviver a isso e que ainda vai demorar mais uns dois anos para passar", lamenta. (C. F. e V. C.)