Desde 2011, alunos dos cursos de direito, serviço social e ciências sociais da UEL acompanham a situação dos moradores do Morro dos Carrapatos
Desde 2011, alunos dos cursos de direito, serviço social e ciências sociais da UEL acompanham a situação dos moradores do Morro dos Carrapatos | Foto: Saulo Ohara



Mais de 2.500 alunos da graduação e da pós-graduação, professores, servidores técnico-administrativos e colaboradores externos atuam nos 231 projetos de extensão realizados pela UEL (Universidade Estadual de Londrina). A proximidade com a comunidade e a troca de experiências, nem sempre divulgadas para além do campus, fazem a diferença na vida de quem recebe o apoio inesperado e também na formação dos novos profissionais.

Paulo Cosmo da Silva, 52, e Maria Luisa de Lima, 62, recebem Ana Flávia Vilela, estudante da UEL, com um sorriso no rosto. Os dois aguardam há mais de 10 anos a tão sonhada casa própria. Paulo e Maria vivem no fundo de vale entre o Jardim Monte Cristo e o chamado Morro dos Carrapatos, na região leste de Londrina. Durante 10 anos, o casal, vindo de São Paulo, ocupou uma área em cima do morro junto com mais de 30 famílias. Porém, o terreno particular é alvo de ação de reintegração de posse.

Diante da possibilidade de destruição dos barracos, o casal decidiu se mudar para a base do morro. Diante do impasse, os moradores tiveram contato com o projeto "Lutas Londrina", criado para oferecer assessoria jurídica popular e buscar o mínimo de dignidade para famílias de baixa renda. Enquanto percorre a rua sem asfalto cercada por materiais recicláveis coletados pelos vizinhos até o pequeno barraco de madeira construído pelo casal, a estudante da UEL percebe o quão distante a Constituição está da realidade brasileira. "O projeto mudou completamente a minha visão do direito", confessa Ana Flávia.

Edna de Paula Silva, moradora do Morro dos Carrapatos: "A gente é pobre, sim, mas não precisa ser humilhado"
Edna de Paula Silva, moradora do Morro dos Carrapatos: "A gente é pobre, sim, mas não precisa ser humilhado" | Foto: Saulo Ohara



Desde 2011, alunos do curso de direito da UEL acompanham a situação dos moradores do Morro dos Carrapatos. O projeto coordenado pela professora Erika Dmitruk também reúne colaboradores dos cursos de serviço social e ciências sociais. O grupo trabalha pela garantia de assistência às famílias e pela realocação para áreas que ofereçam condições mínimas de moradia.

Enquanto esperam, Paulo e Maria contam como é a vida às margens da sociedade. "Quando chove ninguém passa. Quando venta cai a energia. Mas aqui foi tudo comprado. A gente não invadiu. Lá no morro, ela [Maria] pagou uns R$ 1.000 pelo espaço. Aqui deu uns R$ 800 só o chão e ainda com mato. A madeira a gente trouxe tudo nas costas", detalha Paulo.

Desempregado há 3 anos e com problemas de saúde, ele exibe o papel de cadastro na fila da Cohab (Companhia de Habitação de Londrina) como uma última esperança com o apoio dos estudantes. "Eles são ótimas pessoas. Toda vez que precisa, eles vêm mesmo e fazem reunião com a gente. Antes só a gente aqui não resolvia nada. Com eles parece que a gente fica mais forte", comenta o morador.

Paulo Cosmo da Silva e Maria Luisa de Lima esperam conseguir a casa própria há mais de 10 anos; enquanto isso, casal moral em barraco no pé do morro
Paulo Cosmo da Silva e Maria Luisa de Lima esperam conseguir a casa própria há mais de 10 anos; enquanto isso, casal moral em barraco no pé do morro | Foto: Saulo Ohara



"A gente vive aqui por necessidade. O nosso Brasil diz que é rico, mas não é rico. É uma pobreza. Tem muita gente passando fome e as coisas estão muito caras. Se paga a água e a luz, falta comida dentro de casa. A gente é pobre, sim, mas não precisa ser humilhado", desabafa outra moradora, Edna de Paula Silva, 53.

Ana Flávia conheceu o projeto no último ano da faculdade. Depois de cursar direito, ela decidiu fazer ciências sociais e permaneceu no "Lutas Londrina". "A perspectiva da assessoria jurídica popular é justamente poder auxiliar esse processo, estar junto da comunidade e servir com disposição. É reconhecer também que esse é o nosso papel. Somos formados em uma universidade pública e é uma forma de exercer a cidadania e retribuir aquilo que a gente aprendeu", afirma.

EXTENSÃO
O total de projetos de extensão desenvolvidos pela universidade em 2017 é menor que o do ano anterior. Conforme dados repassados pela Pró-Reitoria de Extensão da UEL, 2.928 participantes estiveram envolvidos em 259 projetos durante 2016, contra 231 projetos em 2017. Em 2011, apenas 199 propostas foram realizadas junto à comunidade. Os trabalhos são desenvolvidos em Londrina e região.

Segundo o Pró-Reitor de Extensão da UEL, Gilberto Hildebrando, as dificuldades encontradas pelas equipes vão desde a falta de recursos financeiros para custear a manutenção dos veículos utilizados nas visitas periódicas até a formação de novas lideranças nos bairros. As atividades duram, em média, quatro anos. No entanto, há propostas que ultrapassam esse período. "Às vezes, a equipe obtém resultados inesperados por se deparar com situações que não estavam presentes na formulação do projeto. Em alguns casos, o grau de confiança da comunidade em relação à UEL acaba sendo maior e revela novas demandas", comenta.

As iniciativas dos projetos de extensão surgem a partir de sugestões da própria comunidade, de prefeituras ou até mesmo de empresas. A pró-reitoria pretende intensificar a integração entre projetos de ensino, pesquisa e extensão. "A formação universitária é uma formação ampla que vai além dos aspectos técnicos. A universidade tem que formar pensadores e alunos que vão se deparar com problemas futuros e que terão que buscar novas soluções", argumenta o pró-reitor.

Capacitação no campo e na cidade



Famílias dos assentamentos Iraci Salete, em Alvorada do Sul (região metropolitana de Londrina), e Eli Vive, em Lerroville (distrito rural de Londrina), contam com a ajuda de 20 alunos da UEL por meio do projeto "Desenvolvimento Participativo da Cadeia Produtiva de Aves e Leite". As atividades coordenadas pela professora Ana Maria Bridi são realizadas desde 2011. Neste período, mais de cem alunos já participaram do projeto.

Atualmente, 14 famílias estão envolvidas nos trabalhos realizados em Alvorada do Sul. "Encontramos uma produção desestruturada de frango caipira de corte. Havia muito problema sanitário no rebanho, problemas com vendas clandestinas de aves. Eles produziam de uma forma muito rudimentar. O que a gente está fazendo é organizar a cadeia produtiva, evitar que as doenças entrem no rebanho, organizar o manejo alimentar, as instalações e a conservação ambiental para uma produção sustentável", explica a professora.

Alunos de zootecnia, medicina veterinária e agronomia atuam em parceria. O projeto em Alvorada do Sul conquistou prêmio nacional em 2015. O dinheiro repassado foi aplicado na construção de um miniabatedouro que deve ser concluído no final de 2018.

Já no assentamento Eli Vive, em Lerroville, uma propriedade modelo foi estruturada para capacitar os moradores em produção de leite a pasto. São realizados dias de campo, palestras e oficinas. Mais de 500 famílias moram no local que é um dos maiores assentamentos do Brasil. A área fica próxima a uma usina de beneficiamento de leite e a produção das famílias vai para a cooperativa.

"Os alunos saem de lá modificados. Eles desenvolvem o senso de autonomia, de fazer as coisas, de procurar soluções. Eles chegam e se deparam com uma problemática como o canibalismo nas aves, por exemplo. Eles têm que resolver esse problema. Nesse caso, eles viram o problema, voltaram para a universidade, consultaram professores, acharam uma solução, voltaram para a comunidade e explicaram o que estava acontecendo e qual seria a alternativa", destaca. Para a professora, a troca de experiências é fundamental para o aprendizado.

BOM NEGÓCIO
Na cidade, o programa Bom Negócio Paraná também capacita os participantes e é ofertado em universidades públicas em todo o Estado. O novo coordenador do projeto na UEL, professor Renato Pianowski, conta que a proposta começou em Curitiba. Com o curso de formação, os empreendedores podem pleitear financiamentos por meio da Fomento Paraná. Entre os conteúdos ministrados estão administração financeira, gestão de tempo e precificação.

"Antes, o índice de mortalidade das novas empresas no país era de 80% em 2 anos. Hoje, com consultores e empresas como o Sebrae, esse índice foi reduzido para 40% ou 50% em 10 anos", lembra Pianowski. A capacitação dura, em média, três meses. Porém, o período do curso varia de acordo com a necessidade do grupo formado e das entidades que solicitaram a capacitação. O curso também é ofertado à distância. Estudantes e professores de economia, administração e ciências contábeis participam do projeto.

"Estamos diminuindo a mortalidade das micro e pequenas empresas. São elas que movem o País. São as pequenas empresas que geram empregos no comércio", finaliza o professor.