Desde que a nova legislatura tomou posse na Câmara Municipal de Londrina, em 1º de janeiro, 38 projetos de lei foram protocolados até agora por vereadores e, segundo analistas ouvidos pela FOLHA, a maior parte deles passa longe dos problemas centrais da cidade. "Muitos são projetos pontuais, que não envolvem o todo do problema no qual se inserem. Alguns têm claro apelo populista, no sentido de que seu autor quer popularidade", resumiu o professor de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Bianco Zalmora. "Há temas importantes, mas, alguns são tratados de maneira pontual, sem a profundidade necessária", concordou Elve Miguel Cenci, também docente de Filosofia da UEL.

A pedido da FOLHA, os professores analisaram parte dos projetos de lei protocolados neste início de mandato. "Justamente por ser início de mandato, há uma avalanche de propostas; os vereadores querem mostrar serviço. A tendência, é a redução de projetos com o passar do tempo", avalia Zalmora.

O vereador que mais apresentou projetos foi Emerson Petriv, o Boca Aberta (PR), com 12 proposições, sendo que três delas já foram retiradas de pauta pelo próprio autor. As propostas de Petriv foram as que mais receberam apontamentos de "populistas". "Ele joga sempre projetos que tenham mais impacto sobre a opinião pública; isso fica muito claro", interpreta Cenci.

Imagem ilustrativa da imagem POLÊMICA - Nova legislatura lota pauta da Câmara com projetos superficiais



Apenas este vereador protocolou quatro das cinco propostas que têm relação com o transporte urbano. Duas delas preveem gratuidade de transporte – uma reduz de 65 para 60 anos a idade para o transporte coletivo gratuito e a outra isenta de pagamento da tarifa desempregados. "São propostas meritórias e têm sensibilidade social, mas quem vai pagar a conta?", questiona Zalmora. No PL que estabelece o benefício para os idosos, o vereador menciona que não pode haver aumento da tarifa. "Então, quem vai pagar é a prefeitura, tirando recursos de outros setores."

Para o professor, "absurdo e inviável" é o projeto que exige autorização legislativa para a concessão de reajuste da tarifa. Ponderou que nenhum vereador teria interesse em aprovar medida impopular como o reajuste de tarifa, ainda que tecnicamente recomendado por planilha de custos. "Seria uma politização de um assunto que é técnico; que cria uma camisa de força e pode acabar onerando a prefeitura."

Petriv também quer regulamentar o transporte alternativo municipal e intermunicipal de passageiros em vans, ideia, que segundo Zalmora, carece de legitimidade. "O que se precisa é discutir melhoria para o transporte coletivo; van não é solução; van é a solução de quem vai investir em van", pontua. "E não há uma discussão pública sobre isso que dê legitimidade a uma proposta como essa." O outro projeto que envolve transporte é de autoria de Rony Alves (PTB), que regulamenta o Uber, cuja polêmica é certa, uma vez que afeta diretamente interesses do taxistas.

Outro projeto de Petriv que recebeu crítica dos dois analistas é o que permite a venda de cerveja e chope em estádios, comercialização que é proibida pela lei federal conhecida como Estatuto do Torcedor. Na justificativa, o vereador afirma que "é costume a comercialização de bebidas alcoólicas em outros eventos como shows, feiras, eventos públicos e não se verifica casos de violência nesses eventos". Entretanto, para Cenci, a medida vai na contramão do que ambiente mais pacífico que se tenta criar em locais de jogos de futebol.

Para Zalmora, também merece críticas a proposta de usar o fundo criado para reforma da Câmara – que tem mais de R$ 13 milhões – para reforma e ampliação de unidades de saúde e pagamento de plantonistas. "É um dinheiro de reserva, um remanescente, que não pode ser usado para o pagamento de plantonistas. Obviamente, não é um projeto que resolve o problema da saúde", comentou. "Claramente, há intenção de obter popularidade, chamar atenção para si; é o uso indevido, não ilegal, mas, indevido da própria ação de legislar."

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DESNECESSIDADE
Zalmora apontou alguns projetos que seriam desnecessários, embora possam conter propostas relevantes. É o caso do projeto de Roberto Fú (PDT) que estabelece a doação de material escolar para crianças carentes. "Isto deveria ser uma política pública implementada a cada ano, com certeza. Não vejo que tenha de ser por projeto de lei", defende. Neste caso e em outros, afirma ele, a Câmara, em vez de exercer sua função legislativa poderia prestar assessoria ao Executivo, aprofundando o assunto com discussões públicas.

Na área da educação, também há um projeto – de Ailton Nantes (PP) – que prevê prioridade no atendimento na educação infantil de crianças em situação de vulnerabilidade. "A família dessa criança também tem que ser atendida, tem que haver o atendimento integral e o projeto não prevê nada disso", comenta Zalmora.

O professor sentiu falta de propostas nas áreas de saúde, desenvolvimento econômico e industrial, segurança pública, meio ambiente e sustentabilidade financeira da cidade. "São temas que os vereadores não fizeram qualquer menção", avalia Zalmora. "No caso da sustentabilidade financeira, muitos projetos não informam de onde sairiam os recursos para sua implantação, tornando-os inviáveis ou de difícil execução."

SEM PARTIDO
O projeto mais polêmico até agora, no entanto, parece ser o do vereador Filipe Barros (PRB), que cria o programa Escola sem Partido, cujo objetivo seria impedir o professor de fazer política partidária em sala de aula. Para Zalmora, a intenção do vereador é, certamente, dar uma resposta a quem o elegeu e barrar, principalmente, a questão da discussão sobre ideologia de gênero nas escolas. Cenci foi crítico em relação à proposta de Barros, afirmando que é "um projeto absurdo e inconstitucional".

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