Na iminência da reintegração de posse, a maioria das 400 famílias do Flores do Campo vive o drama de não ter para onde ir
Na iminência da reintegração de posse, a maioria das 400 famílias do Flores do Campo vive o drama de não ter para onde ir | Foto: Fotos: Anderson Coelho



A ocupação do Residencial Flores do Campo, na zona norte de Londrina, completa um ano neste fim de semana. No centro dos holofotes da questão habitacional, o empreendimento com 1.200 imóveis inacabados, financiado pela Caixa Econômica Federal, tem ordem de reintegração de posse concedida pela Justiça Federal desde outubro do ano passado. Na iminência do cumprimento do mandado judicial, a maioria das 400 famílias vive o drama de não ter para onde ir. O caso, no entanto, não é exceção. De acordo com levantamento da Cohab-Ld (Companhia de Habitação de Londrina), cerca de 3.600 famílias vivem em ocupações irregulares em Londrina.

O último estudo aponta 43 áreas de ocupadas na cidade. Apesar de a zona leste liderar em número de ocupações, com 18 ocorrências, a zona norte, com 12 pontos, é a que tem o maior número de famílias, pois abriga quatro das maiores ocupações: Aparecidinha, com 560 famílias, São Jorge (520), Córrego Sem Dúvida (500) e Flores do Campo (400). A zona sul também aparece em destaque nas estatísticas por conta dos bairros Jardim União da Vitória 5 e 6, que ainda não foram regularizados. A zona oeste tem três áreas ocupadas e, a área central, apenas uma, na Vila Marizia.

Segundo o presidente da Cohab-Ld, Marcelo Cortez, entre 2013 e 2016, a quantidade de famílias em áreas irregulares mais que triplicou, passando de 915 para 3.368. Um dos casos mais representativos é a da ocupação do fundo de vale do Córrego Sem Dúvida, nos fundos dos bairros Maria Cecília e Aquiles Stenghel. Em janeiro de 2014, eram 11 famílias. Hoje, são cerca de 500. O que era mata com alguns barracos de madeira se tornou um bairro, com pequenos comércios, mercearias e até igrejas. Maria Aparecida Lopes de Oliveira, conhecida como Cida, orgulha-se de ser a primeira a chegar. "No começo tinha cobra e bicho morto aqui. Aos poucos fomos nos organizando. Em pouco tempo, já estava tudo ocupado", lembra.

Após o primeiro ano de ocupação, os primeiros barracos deram lugar a casas de alvenaria. Com medo de perder o investimento, Cida resolveu esperar um pouco mais, porém há um mês começou a construir uma casa na ocupação. "Sei dos riscos, mas não dá mais para morar no barraco. As folhas de madeiras estão empenando com o tempo e dá medo de o telhado cair na nossa cabeça." Cida diz acreditar no bom-senso da Cohab. "Se tirar a gente daqui, no outro dia outras pessoas ocupam de novo. Queria muito que nos deixassem ficar aqui", torce.

Imagem ilustrativa da imagem LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares



Na ocupação existem várias famílias de outras cidades que vieram atrás da casa própria. Joaquim Marciano de Souza, 67, veio de Ribeirão Preto, no interior paulista, há três anos. Conta que "viajava por aí" e que resolveu descansar. "Resolvi que precisava de um canto para viver. Só conhecia Londrina de passagem. Ouvi falar da ocupação e vim parar aqui. É um lugar muito bom", avalia. Pelas regras da Cohab, só pode concorrer a um imóvel quem reside há pelo menos cinco anos em Londrina.

O metalúrgico Thiago Ronaldo de Paula, 31, mora na ocupação com a esposa e dois filhos. Depois que a kombi que ele usava para fazer frete quebrou, mal consegue dinheiro para o sustento. Ele reivindica apenas um pedaço de terra. "Não precisa dar a casa. Se falarem que o terreno está regularizado, o povo se ajuda e constrói. Te garanto que fica melhor que essas casas cheio de rachaduras que entregam para o povo", critica.

De Paula conta que já foi recusado em dois empregos por morar em área de ocupação irregular. "O endereço pesa. É só eu subir três quadras aqui que já sou discriminado. Me criticam porque eu não pago pela água e luz que consumo. O que eu mais queria era poder estar dentro da lei, com tudo certinho. Não tem um dia que eu não sinta vergonha por estar aqui", lamenta. Assim como muitos outros moradores das ocupações, ele reclama da morosidade da fila da Cohab. "É preciso que se investigue o porquê dessa fila não andar", sugere.

Vera Lúcia do Rosário, 51, conta que está há 20 anos na fila da Cohab. Diz que já perdeu a esperança de conseguir a casa própria. "Minha última esperança era o Flores do Campo. Eles falaram que o residencial ia abrigar o pessoal da zona norte, mas depois que entraram lá, vi que vou ficar sem minha casa mesmo", desabafa. A amiga Márcia Pereira, 40, está de olho em um dos últimos espaços vagos na ocupação do Córrego Sem Dúvida. "Vou entrar aqui, não quero nem saber. A prefeitura sabe que não tenho condições de pagar aluguel. Tem cinco filhos, um deles é especial. Agora acho que estou grávida de novo."

Há um ano, o casal Valdemir Marques e Crisley Silva vive em um barraco feito com lâminas de madeira no Jardim Cancún
Há um ano, o casal Valdemir Marques e Crisley Silva vive em um barraco feito com lâminas de madeira no Jardim Cancún



CANCÚN
A cinco quilômetros do Córrego Sem Dúvida está localizada outra ocupação, a do Jardim Cancún, nos fundos do Conjunto Vivi Xavier. Ali, Crisley Rodrigues da Silva, 29, mora há um ano em um barraco feito com lâminas de madeira. Ao todo são 17 famílias na ocupação. Ela conta que no início os barracos ocupavam dois terrenos. "A parte de baixo era um terreno particular e o dono conseguiu a reintegração de posse. Então, nos juntamos todos aqui, que é um terreno da prefeitura", detalha. A maioria dos moradores tem um algoz em comum: o aluguel. "Para quem ganha um salário, o aluguel pesa muito. Além disso, ganhei minha filha e não tinha creche para deixá-la. Tive que abandonar o emprego."

Segundo ela, a Justiça deu prazo para os moradores abandonarem o local. "Temos até o dia 6 de outubro para sair, mas sair para onde? Apesar das dificuldades, aqui pra mim é o paraíso", conforma-se. De acordo com o marido dela, Valdemir Marques, 36, os moradores foram informados pela Cohab que a área ocupada corresponde a uma praça pública. "Praça? Aqui só tinha mata e buraco. O que adianta ter praça para alguns enquanto tanta gente não tem onde morar", questiona. Nos fundos dos barracos de madeira, os moradores cultivam uma horta comunitária. "Boa parte do nosso sustento sai daqui", relata.

"Se tirar a gente daqui, no outro dia outras pessoas ocupam de novo", afirma Maria Aparecida de Oliveira, pioneira da ocupação no Sem Dúvida
"Se tirar a gente daqui, no outro dia outras pessoas ocupam de novo", afirma Maria Aparecida de Oliveira, pioneira da ocupação no Sem Dúvida



FLORES DO CAMPO
O clima de apreensão é grande no Residencial Flores do Campo. Segundo Jarbas Marino Borges, os moradores estão "dormindo com um olho fechado e outro aberto". O medo é que a reintegração de posse seja violenta. O coordenador do Movimento Nacional dos Direitos Humanos em Londrina, Carlos Enrique Santana, demonstrou preocupação quanto à forma como a operação será conduzida. "Nos reunimos recentemente com representantes da Polícia Militar e da Polícia Federal para se evitar violência", resgata.

A Caixa Econômica Federal, que financiou o empreendimento, informa, por meio de nota, que "entrou com ação reintegração de posse e aguarda o cumprimento da decisão judicial". "O objetivo é garantir o direito das famílias selecionadas pelo poder público, de acordo com as regras do Programa Minha Casa Minha Vida. A Caixa ressalta que não reconhece ocupações irregulares de moradias", ressalta.

Novas invasões e inadimplência na mira
Evitar novas ocupações e coibir a inadimplência são algumas das prioridades da Cohab-Ld, presidida por Marcelo Cortez. Ele lembra que mais de mil famílias que moravam em áreas irregulares foram reassentadas em conjuntos habitacionais entre 2009 e 2012. Em muitos dos locais, no entanto, outras famílias tornam a fazer ocupações. "Não podemos ficar enxugando gelo. Temos que parar de espalhar a fama de que, em Londrina, quem ocupa terreno ganha casa", condena Cortez.

O presidente da Cohab-Ld diz que entende o drama das pessoas e garante que elas não serão penalizadas nos processos de seleção para moradias. "Todos têm o direito de participar, desde que atendam às exigências previstas", pondera. Segundo ele, os pré-requisitos são: ter renda familiar de até R$ 1.800 por mês, nunca ter sido contemplado pelo programa Minha Casa Minha Vida e não possuir imóvel próprio. Outros critérios definem prioridade, como: mulheres chefe de família, desabrigados ou em área de risco, filhos menores de 18 anos, beneficiários do Bolsa Família e a questão da territorialidade, que prioriza as famílias da mesma região do empreendimento.

"Evitamos oito ocupações neste ano. Agora vamos trabalhar a conscientização, de que esse não é o caminho mais curto para conseguir uma casa", afirma. Cortez também comenta sobre outra questão polêmica: o sorteio. "Não foi a Cohab que inventou isso. O Ministério das Cidades determina que, quando houver mais famílias interessadas que moradias disponíveis, deve se realizar um sorteio", explica. Para reduzir a fila espera, que tem 68 mil cadastros, Cortez conta que o município está dando subsídios para empreiteiras que construam empreendimentos voltados para atender o público-alvo da Cohab. "São imóveis de até R$ 100 mil, faixa de financiamento que isenta o morador de dar uma entrada", detalha.

De acordo com Cortez, a companhia tem se empenhado em dar celeridade aos projetos. Segundo ele, quase 300 imóveis devem ser entregues nos assentamentos Shekinah (zona norte) e Rosa Branca (zona leste). Apesar de não haver um prazo oficial, ele diz que o processo está adiantado. Cortez também cita dados de inadimplência. Segundo ele, a Cohab-Ld fez 40 retomadas de imóveis por falta de pagamento neste ano. "Nós damos todas as facilidades para o morador, mas se identificarmos que ele não quer pagar, o imóvel será repassado para outra família que esteja na fila." A taxa de inadimplência na Cohab-Ld, que chegou a ser de 44%, hoje gira em torno dos 35%.

LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares
LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares LUTA POR TETO - Londrina tem 3.600 famílias em ocupações irregulares