O eletricista João Cândido com a família Sousa: Júnior, Cristiano, Cristiane, Alessandro e Ana Beatriz
O eletricista João Cândido com a família Sousa: Júnior, Cristiano, Cristiane, Alessandro e Ana Beatriz | Foto: Anderson Coelho



Santo Antônio da Platina - "Fui cortar a luz de uma residência, pois estava para vencer o terceiro talão. Antes de sair, quando encerrava o serviço no tablet, um menino me pediu R$ 1 para comprar doces. Como só tinha R$ 5, dei a nota e falei para dividir com os dois irmãos. No fim da tarde, ao voltar para religar a energia, ele me esperava todo feliz. Achei que era por causa da luz, mas ele se aproximou, disse 'ainda bem que você veio', abriu a mão e deu R$ 2. Falou que era meu troco."

Em um país que se depara constantemente com casos de corrupção e de inversão de valores, a história do eletricista João Cândido da Silva Neto, 57, acaba se transformando em exceção no que aparentemente deveria ser considerado normal. Além disso, acontecimentos deste tipo também levam à reflexão sobre a importância de valorizar boas práticas para a construção de uma sociedade mais honesta.

O episódio com o funcionário da Copel (Companhia Paranaense de Energia) aconteceu entre setembro e outubro de 2016, em Santo Antônio da Platina (Norte Pioneiro), porém foi compartilhado somente dois dias depois do Dia das Crianças de 2017. "Gosto de registrar o que acontece no meu dia a dia, então escrevi isto e guardei. Como vi a situação família, que está passando por dificuldades, resolvi postar no Facebook na expectativa de que meia dúzia de colegas de trabalho viesse ajudar", explica Neto, que também costuma ter suas crônicas publicadas na FOLHA.

O que ele não esperava, porém, é que a meia dúzia se transformasse em milhares e que o caso repercutisse em todo o Brasil. Desde que fez a postagem, em 14 de outubro deste ano, mais de 230 mil pessoas curtiram a publicação e mais de 130 mil compartilharam. "Na data que fiz o post, meu celular não parava de receber notificações durante a noite. Fiquei meio sem entender o porquê. No outro dia, quando vi, já estava com milhares de solicitações de amizade e de pessoas querendo colaborar com o menino e a família", relembra.

Para o eletricista, essa comoção retrata o sentimento que teve ao receber o inesperado troco da criança. "Na hora que ele me deu o dinheiro a 'ficha não caiu'. Mas depois parei e percebi o quanto a atitude daquele menino havia sido grandiosa. O quão honesto era aquele singelo gesto", acredita. "Cheguei à conclusão de que temos uma geração linda que está vindo para melhorar nossa sociedade."

SIMPLICIDADE
A origem do menino, entretanto, mostra que a atitude que teve é reflexo da vida simples e baseada em valores que leva junto com a família. A casa onde mora fica no final de uma estrada rural que margeia a PR-092. No caminho, dezenas de pés de café levam até a residência, que é de madeira e tem a estrutura da área firme graças a alguns caibros improvisados. Cachorros e galinhas correm e ciscam pelo quintal de terra, trazendo a pureza habitual que guarda o clima longe da cidade.

Todos os dias os pais esperam na área os três filhos chegarem da escola. Eles vão e voltam dos estudos com o transporte oferecido pelo município, mas para chegar à condução, precisam andar cerca de 700 metros de estrada de chão. O horário de voltar para casa é no fim da tarde. Entre um raio de sol e outro que clareia a casa a partir das frestas do telhado, o trio - dois meninos e uma menina - chega feliz, pede a bênção e senta-se no banco que fica na entrada da cozinha.

"Devolvi os R$ 2 porque não eram meus e sim do senhor João", responde Alessandro Júnior Rodrigues de Sousa, 11, ao ser questionado sobre a atitude que teve. "Para mim, foi normal o que fiz. É o que meu pai e minha mãe ensinaram e ensinam para todos aqui de casa desde sempre", resume o garoto com poucas palavras e sua naturalidade característica. Ele usou o dinheiro que recebeu para comprar doce de leite, sua guloseima favorita.

Para Alessandro Monteiro Sousa, 34, pai do menino, o gesto do filho é motivo de orgulho, mas principalmente de certeza de que ele aprendeu a relevância de ser honesto e ter caráter. "Fazemos de tudo para criar nossos filhos com educação. Busco passar para o Alessandro e os irmãos dele os valores que eu recebi quando era criança. Não somos ricos, porém o que temos é nossa dignidade e nossos valores. Dinheiro nenhum vale mais que isso", ressalta.

Marceneiro, Sousa está desempregado e vem enfrentando problemas para conseguir pequenos serviços, já que o carro está quebrado e não tem meio de locomoção, e nem condição financeira para pagar o conserto.

AJUDA
Desde que a história ganhou notoriedade, a família vem sendo procurada por moradores de Santo Antônio da Platina, de cidades da região e até de outros países. Entre os compromissos assumidos por aqueles que se dispuseram a colaborar estão a doação de cestas básicas e o pagamento das contas de luz da residência onde vivem de favor por um ano. "Tudo é bem-vindo, mas sabemos que tem pessoas que precisam muito mais que nós", afirma Sousa.

Segundo ele, o principal a família já possui e conquistou com muita dedicação. "Todos os dias dobro meu joelho e não peço para Deus bens materiais, mas bênção para meus filhos e saúde para eu poder trabalhar e oferecer o melhor para eles. Creio que se essa ajuda está vindo agora graças a um gesto do Alessandro, é em virtude disso."



SONHO PARA O FUTURO
Fã do pai, o que fica demonstrado pelo carinho que se refere a ele, Alessandro Júnior conta que quer continuar estudando para poder ajudar os pais e os irmãos. "Meu pai sonha em ter uma marcenaria. Quero ser montador de móveis, igual ele, para podermos trabalhar juntos", projeta o menino, que tem como matéria favorita a matemática. "Já português eu não gosto muito não", confessa com um tímido sorriso.

A procura de pessoas querendo conhecê-lo e oferecendo ajuda também está interferindo na rotina da criança. De acordo com ele, na escola os colegas estão até pedindo autógrafo. "Minha professora veio e me deu os parabéns. Várias pessoas estão fazendo isso", diz ele, sobre o olhar de admiração da mãe, a dona de casa Cristiane Rodrigues, 34, e dos irmãos, Cristiano, 10, e Ana Beatriz, 8.

De acordo com João Cândido da Silva Neto, funcionário da Copel há 12 anos e conhecido na cidade por realizar ações voluntárias, o episódio fez com que ganhasse uma nova família. "A mensagem que tiro desta atitude do menino, e depois de conhecer sua família, é que o mundo ainda tem jeito e que o ser humano, apesar dos pesares, é bom", elenca o eletricista, que com um abraço se despede de Alessandro Júnior, selando com carinho a amizade que brotou da honestidade.(Leia mais na pág. 9)

SERVIÇO
Quem quiser ajudar a família de Alessandro Júnior Rodrigues de Sousa pode entrar em contato por meio do telefone (43) 99869-5794.