A médica Débora Anhaia de Campos já sentiu por incontáveis vezes o peso da intolerância, tanto nas redes sociais como fora delas. Militante em direitos humanos e paz desde quando iniciou a faculdade de Medicina na UEL, há nove anos, ela não só sofreu como presenciou agressões motivadas por ódio em relação a questões de gênero, orientação sexual, militância política, racial e social.

Ainda na universidade, foi gestora do Centro Acadêmico de Medicina e esteve um ano à frente do Diretório Central dos Estudantes. Atualmente, integra a Rede Feminista de Saúde e como médica atua na Rede Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual e Doméstica contra a Mulher. Também é ex-coordenadora do Núcleo 8 de Março de Mulheres e de Gênero do PSOL e participou desde a fundação, em 2015, do Fórum LGBT de Londrina e Região. Ela ainda faz parte dos movimentos de luta antimanicomial e antiproibicionista em Londrina e no ano passado aproximou-se da organização de algumas mulheres de encarcerados na unidade 2 da Penitenciária Estadual de Londrina para denúncia de violações de direitos humanos.

"Conforme meu envolvimento político se aprofundava e se ampliava, os ataques motivados por ódio também se intensificavam", recorda a médica. "Sempre fui vista como a 'feminista/comunista'. Isso dificultou bastante minhas denúncias serem levadas a sério." O fato de se declarar abertamente bissexual também resultou em agressões ainda dentro da faculdade e há pouco mais de dois anos, ela e um amigo, hoje seu marido, foram ameaçados de morte após defenderem a criação do Dia Municipal de Luta contra a Violência LGBTfóbica. "A minha militância passou a ter um impacto maior porque passei a militar de maneira expressiva como médica na defesa da descriminalização e legalização do aborto e também em defesa da educação sexual nas escolas e na luta contra a violência motivada por sexismo e LGBTfobia."

Às agressões que resultam da defesa de temas tão polêmicos, Campos diz reagir normalmente por ter consciência de não estar fazendo nada imoral, criminoso ou antiético, mas não deixa de acionar todos os meios jurídicos e de segurança pública possíveis quando sofre algum crime ou violência, especialmente no ambiente virtual. "Coletamos provas, 'printamos', registramos tudo e também não nos expomos em grupos que são 'ambientes inóspitos', por exemplo, eu não vou comprar brigas em grupos de direita e fascistas. Não gasto tempo nem energia discutindo com haters e bloqueio haters e perfis fakes."

Quando as agressões partem do perfil de uma pessoa real, conta ela, a estratégia é enviar cópia do comentário violento a todos os familiares do autor das ofensas que consegue encontrar na rede social usada pelo agressor. "O último episódio foi há cerca de três semanas, onde após um homem dizer que as pessoas LGBTs deveriam ser assassinadas, em um vídeo do Núcleo LGBT do PSOL Londrina, enviei uma mensagem para 49 familiares do mesmo e em questão de algumas horas o mesmo me mandou mensagem pedindo desculpas e apagou seu post LGBTfóbico", relata a médica. "Medo é um sentimento que a gente sente, mas que também é contornável com terapia e educação coletiva. Sentir medo inclusive me protege, mas não me paralisa mais porque os agressores contam com o meu medo para efetivar seu objetivo, que é me silenciar."

Sobre a intolerância e o ódio que se manifestam no ambiente virtual, a médica avalia que as agressões são estimuladas pela sensação momentânea de suspensão de todas as leis, regras morais e código de ética. "Talvez boa parte da população que hoje tem acesso ao ambiente virtual não estava acostumada a debater tantos assuntos ao mesmo tempo em um ambiente pseudodemocrático porque seu acesso às informações é filtrado pelo que você já gosta e sabe sobre o assunto e é direcionado para pessoas e grupos que pensam como você, muitas vezes reafirmando ou reforçando um preconceito ou um equívoco ao invés de proporcionar um ambiente de real reflexão a respeito do tema."

Como estratégia de defesa, Campos foi em busca de conhecimento para aprender a conviver com pessoas que podem lhe ferir, mesmo que apenas verbalmente. "Com o tempo aprendemos a lidar com pessoas violentas, a neutralizá-las de alguma forma. Há muitos traços perversos ou de sociopatia em pessoas que propagam o ódio e fui estudar um pouco sobre como conviver", diz. "Não tolero violência ou discursos violentos ou de ódio em absolutamente nenhum ambiente em que estou, ainda que venha em forma de piada ou de brincadeira, mas na defesa do meu ponto de vista, quando interpelo uma pessoa que está fazendo um discurso de ódio, eu a coloco para pensar sobre o que falou, a constranjo perante os outros."

Uma dica, segundo ela, é combater a intolerância com argumentos reais para saber debater com propriedade os pontos de vista que defende.

Proibição não é única forma de combate ao ódio
Assessor de direitos humanos do escritório da Anistia Internacional em Londres, Joshua Franco alerta que nem toda retórica odiosa ou hostil é ou deveria ser ilegal. O direito à liberdade de expressão, afirma ele, engloba o direito de expressar ideias que ofendam, chocam e perturbam. Franco lembra que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos exige que os Estados proíbam, embora não necessariamente criminalizem, a defesa do ódio nacional, racial ou religioso que incite a discriminação, hostilidade ou violência. "Mas os estados devem ser claros de que a proibição está longe de ser a única ferramenta a sua disposição para combater a incitação ou outra retórica discriminatória", afirma.
O assessor defende a abordagem, pelo Estado, das causas profundas da discriminação que dão lugar a essa retórica, adotando medidas com o intuito de erradicar a discriminação em todas as áreas, aumentar o pluralismo dos meios de comunicação e a diversidade de visões públicas, além de capacitar os grupos marginalizados.
"Os líderes governamentais que falam pelo Estado devem seguir as leis internacionais de direitos humanos e respeitar, proteger e cumprir o direito à não discriminação. Os líderes devem se esforçar para erradicar a discriminação na sociedade", pondera Franco.(S.S.)