Celso Fernandes no terreno onde será construído o CAPC: "As coisas começaram a acontecer porque muita gente acreditou que seria possível"
Celso Fernandes no terreno onde será construído o CAPC: "As coisas começaram a acontecer porque muita gente acreditou que seria possível" | Foto: Gina Mardones


Durante 38 anos, o médico urologista Celso Fernandes atendeu pacientes com câncer. Na rotina profissional, lidava diariamente com o diagnóstico, o tratamento e o sofrimento das pessoas. Muitas histórias terminavam bem, outras nem tanto. Mas um dia, fazendo a barba, o médico identificou nele mesmo um nódulo cervical. Realizou exames na própria clínica e se autodiagnosticou: era câncer.
Naquele momento, a vida de Fernandes se transformou em uma daquelas histórias que até então ele acompanhava. E, como a maioria dos pacientes, ele levou um choque. "Minha primeira reação foi perguntar para Deus: por que eu?", revela, para em seguida recordar que, um dia depois, refez a pergunta: "para quê?"
E foi aí que, dormindo, o médico teve um sonho. Nele, ouvia a voz de uma pessoa explicando sobre o local onde estavam: um Centro de Apoio ao Paciente com Câncer. A "voz" esclarecia que o local era redondo para acolher da mesma maneira todos os pacientes. Além disso, oferecia fisioterapia, medicamentos, nutrição, psicólogo e até apoio jurídico e espiritual. "No sonho, eu disse que não estava entendendo o motivo de estar ali. Foi então que a voz me disse que ao final do meu próprio tratamento eu compreenderia", conta.
O fato ocorreu há cinco anos. O que se seguiu foi um tratamento longo – que afastou Fernandes da "vida normal" por um ano – e todo o sofrimento inerente ao processo. "Fiz um diário para registrar a experiência, que é muito difícil, pois o câncer lesa a nossa dignidade. O sofrimento é grande, mas a esperança de cura também é enorme", compara.
Foi durante os seis meses que passou se tratando em São Paulo que ele descobriu que o câncer é também solitário. "Passar por tudo isso me fez entender o motivo do meu sonho. Eu tinha que viabilizar o Centro de Apoio ao Paciente com Câncer, principalmente para humanizar o atendimento", diz. Curado, o médico voltou à rotina com o desafio de viabilizar o CAPC, como passou a ser chamado. A ideia principal, segundo ele, é oferecer humanização no atendimento de pessoas em sofrimento físico e emocional, levando alento e acolhimento para pacientes e familiares.
O CAPC foi oficialmente lançado no dia 4 de abril de 2013 e, desde o início, tem recebido apoio de representantes de diferentes setores da sociedade. A meta é que o Centro faça uma média de 700 atendimentos por dia, o que Fernandes considera suficiente para a região. "Hoje, apenas o Hospital do Câncer atende 1.500 pessoas. A intenção é apoiar os pacientes com atendimento complementar para que os hospitais possam se dedicar ao tratamento", diz.
Ele explica que as cirurgias, quimioterapia e radioterapia inerentes ao tratamento contra o câncer deixam sequelas que precisam de acompanhamento multidisciplinar com fisioterapeuta, nutricionista e outros profissionais. Além disso, o CAPC pretende oferecer assessoria jurídica para informar aos pacientes sobre direitos como aposentadoria, compra de carros com desconto dos impostos para quem ficou com sequelas, colocação de próteses e outros benefícios. "Muitas dessas informações não são divulgadas", avalia.
Outra prioridade, segundo o médico, será o departamento de dor, para oferecer conforto a quem sofre de dor crônica, o que considera uma questão de garantir dignidade ao paciente. Para apoiar os doentes e suas famílias também haverá atendimento psicológico. "A ideia é que haja ainda o departamento da fé, por isso, planejamos um centro ecumênico para receber as pessoas independentemente da religião professada."

Imagem ilustrativa da imagem Da doença à concretização de um sonho


O bem comum

O sonho de Fernandes começou a se transformar em realidade quando virou também o sonho de outras pessoas que se "contaminaram" pela ideia de promover o bem comum. A Fundação Melvin Jones, ligada ao Lions Clube, doou ao CAPC um terreno de 8,2 mil metros quadrados na zona leste de Londrina. Com o terreno em mãos, as próximas etapas começaram a se concretizar. Houve doação de muita força de trabalho para registrar a documentação e fazer os projetos para construção do prédio como o médico idealizou: redondo e acolhedor. "Estou tendo apoio de todas as universidades, que também vão colaborar no atendimento dos pacientes. Para os estudantes, será uma oportunidade de aprender e, principalmente, desenvolver a humanização no atendimento", diz, lembrando que o projeto contempla também ações preventivas.
Para isso, Fernandes idealizou um grande boneco chamado Gulliver, onde as pessoas poderão entrar e conhecer a anatomia e fisiologia do corpo humano. O boneco faz parte de um projeto maior que visa a urbanização do entorno para uso da comunidade. "No local onde hoje funciona um Ecoponto, existe a possibilidade da Fiocruz instalar um centro de pesquisa. A cidade tem pesquisadores suficientes, inclusive para estudar o câncer", considera.
O sonho de Celso Fernandes nada mais é do que exercício de cidadania. "Temos que sair da nossa zona de conforto e pensar mais no ser humano", considera, lembrando que câncer não difere raça, cor, sexo ou religião. Ele afirma que esse sonho grandioso só começou a se transformar em realidade porque engajou outras pessoas. "As coisas começaram a acontecer porque muita gente acreditou que seria possível. O Hospital do Câncer também surgiu durante um chá na casa da Lucília Balallai", compara.
Atualmente, o CAPC já oferece em Londrina o projeto "De bem com você". Toda primeira segunda-feira do mês, mulheres em tratamento contra o câncer podem participar de um curso de automaquiagem gratuito que visa resgatar a autoestima de quem passa pelo tratamento. A iniciativa tem apoio da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), que doa os kits de beleza, e da Escola Lincoln Tramontini, que oferece o curso. Mais informações pelo telefone: (43) 3028-2466.