A placa que cita Mateus e está fixada na entrada da casa dá uma dica de que o imóvel tem um propósito maior do que moradia. "Fui estrangeiro e vocês me acolheram", diz a mensagem colocada na porta da construção de madeira, caprichosamente pintada de marrom e branco, onde funciona a Casa de Refugiados de Curitiba. Localizada no bairro Cristo Rei, ela serve como um local de passagem para pessoas que, por vários motivos, tiveram que deixar seus países de origem e buscar proteção no Brasil. Atualmente, a residência abriga três irmãos que saíram da Síria para fugir da guerra que dura cinco anos e que até o início do mês passado tinha matado 240 mil pessoas, segundo balanço do Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH). Entre as vítimas fatais estão 12 mil crianças.

A Casa de Refugiados foi idealizada por um grupo de igrejas evangélicas da capital. O coordenador, pastor Marcos Calixto, da Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, contou que o imóvel foi cedido por uma construtora para uso dos refugiados até o ano que vem. Vinte e dois voluntários arregaçaram as mangas para reformá-la. No Natal do ano passado, a casa começou a receber os novos habitantes.

Os atuais moradores, os irmãos Hanna, estão contando os dias para a chegada do restante da família - pais, irmão, cunhada e sobrinho - que deve chegar a Curitiba ainda este mês. Milad, de 29 anos, Karim, de 27, e Jony, de 21, chegaram aos Brasil no final de 2013 e antes de Curitiba passaram por outras cidades. O filho do meio foi o primeiro a desembarcar por aqui, com visto de turista, conseguindo depois visto humanitário para morar no País. O mesmo aconteceu com os outros parentes.

A família Hanna morava em Aleppo, a segunda maior cidade da Síria, centro econômico do país, hoje destruída por ataques diários. Entre os três irmãos, Karim é o que melhor fala português, tanto que trabalha como intérprete entre os árabes e os voluntários. O rapaz passou sete meses no Rio de Janeiro - por isso um leve sotaque carioca e o uso de gírias como "caraca". Como os Hanna fazem parte da população cristã da Síria, Karim chegou aqui por intermédio de igrejas evangélicas. Ele voou da Síria para o Líbano e depois São Paulo. Aterrissou na capital paulista sem falar português ou mesmo inglês. "Pratiquei inglês com os brasileiros. Comecei a falar bem português. Deus abriu portas para mim", disse o rapaz que está cursando o terceiro ano do ensino médio em Curitiba e no ano que vem pretende entrar em uma faculdade de Teologia.

"Minha família queria ir para qualquer lugar seguro. Mas nunca pensei no Brasil. Mas eu agradeço a Deus que foi o Brasil", disse Karim. Inicialmente, eles consideraram a opção de morar na Europa, mas o moço lembrou que a viagem de forma legal entre a Síria e o Velho Continente é muito cara, impossível para uma família que perdeu as terras onde plantava oliveiras, a pequena fábrica de jeans e a casa. "O mais lindo no povo brasileiro é que ele é amigável, brincalhão. Nunca me senti fora da minha casa. Nunca senti eu sou estrangeiro aqui (sic). Algumas vezes eu fiquei triste, mas na maioria das vezes, de boa. O carinho, o amor, eu gosto do Brasil", declarou.

Os três sírios têm muita esperança de viver em paz no Brasil e fazem planos para quando o restante da família chegar. Querem alugar uma casa, conseguir emprego e quem sabe até abrir um negócio. "Deus que sabe. Deus está abrindo portas bastante (sic)", afirmou Karim. O caçula dos três irmãos quer continuar em Curitiba a faculdade de Direito, sonho interrompido pela guerra. Tanto Jony quanto Milad também fazem planos de casar e constituir uma família por aqui.

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