Ester Sabino, Jaqueline Goes de Jesus, Kizzmekia Corbett, Nísia Trindade, Ana Néri, Rosalind Franklin, Florence Nightingale, June Almeida e Sara Del Valle. Essas são apenas algumas mulheres que se dedicaram ao desenvolvimento de pesquisas científicas ao longo da história e trouxeram à tona informações relevantes para desvendar a Covid-19. Em um ambiente, muitas vezes, machista e permeado de preconceitos, elas conquistaram espaço para disseminar conhecimento.

Imagem ilustrativa da imagem Covid-19 evidencia protagonismo das mulheres na ciência

Com foco na valorização do protagonismo feminino nas ciências, um grupo de professoras doutoras da área de ciências exatas da UFPR (Universidade Federal do Paraná) desenvolveu um livro de passatempos para o período de isolamento em razão da pandemia.

Segundo a docente do Departamento de Química e coordenadora do projeto de extensão “Meninas e mulheres nas ciências”, Camila Silveira, dados da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) apontam que as mulheres representam menos de 30% entre os pesquisadores no mundo. “Na agenda para 2030, um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável é essa questão da equidade de gênero. Essa desigualdade se potencializa na ciência. Temos uma produção brasileira de alta qualidade e de muita relevância, mas que é pouco valorizada”, lamenta.

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As pesquisadoras da USP (Universidade de São Paulo) Ester Sabino e Jaqueline Goes de Jesus estão entre as citadas no livro. As cientistas lideraram a equipe responsável pelo sequenciamento do genoma do novo coronavírus em apenas dois dias. Os resultados auxiliam na análise da propagação da doença e da mutação do vírus. A pesquisadora afro-americana Kizzmekia Corbettt, que atua no Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, também é lembrada por ser uma das cientistas em busca da vacina contra a Covid-19.

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“Muitas vezes, a exclusão das mulheres na ciência é naturalizada. Quando a gente pergunta para as pessoas sobre cientistas, as imagens que elas têm, de uma forma geral, são de cientistas homens. Precisamos trabalhar nesse imaginário coletivo com a divulgação das mulheres que ao longo da história foram invisibilizadas e que contribuíram muito com a ciência”, comentou Silveira.

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A professora defende que o investimento na educação básica seria uma das formas de atrair as meninas para as carreiras científicas. A vice-coordenadora do projeto, Camilla Oliveira, docente no Departamento de Física, garante que o meio ainda é muito desafiador para as mulheres que já lidam com a desigualdade de gênero fora do meio científico. Porém, as conquistas estimulam a persistência.

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“Desde o início da pandemia, por exemplo, as mulheres têm publicado menos artigos porque estão ocupadas na quarentena com todas as atividades da casa, o cuidado com os filhos e o trabalho. Além disso, infelizmente, a gente ainda lida muito com a situação de assédio sexual e moral. A voz ainda não é escutada em muitas instituições. Temos muita gente tentando mudar essa mentalidade. Já conquistamos muito, mas há ainda muita batalha pela frente”, destaca.

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O material gratuito sobre as mulheres na ciência está disponível na internet e possui 72 páginas. Nele há atividades como caça-palavras, desenhos para colorir e palavras cruzadas. A cada página, o leitor se depara com conceitos da ciência, resumos sobre a trajetória das pesquisadoras ou orientações para evitar a infecção pelo novo coronavírus.

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A intenção do grupo é buscar parcerias para imprimir e distribuir o material a quem não possui acesso à internet. As ilustrações do livro cedidas à reportagem são do artista e estudante do curso de Física da UFPR, Marcelo Jean Machado. Confira o material completo em https://meninasemulheresnascienciasufpr.blogspot.com/2020/05/livreto-passatempos-mulheres-nas.html

Encarando a desigualdade

Ao tentar se licenciar para continuar os estudos, a professora Halha Saridakis notou um tratamento diferenciado. “Decidi que eu tinha que fazer um mestrado. Pensei em fazer em tempo parcial, mas conversei com um professor de São Paulo e ele só aceitava alunos com dedicação exclusiva. Foi aí que eu vi a diferença. A universidade em que eu estava não me deixava sair. Não me dava bolsa, não tinha jeito. Mas eu pensei: ‘Bom, já que eu tenho que sair, eu vou mais longe’. E fui para a Inglaterra. Mesmo sem bolsa. Foi, sem dúvida, um pouco de perseguição por eu ser mulher porque muitos professores na época já saíam com bolsa e tudo, mas consegui um período de licença sem remuneração”, recorda.

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Saridakis cursou a graduação em Farmácia e Bioquímica no início da década de 1960. Muitas mulheres, segundo ela, já se interessavam pela área. Porém, a maioria do corpo docente era formada por homens. “As professoras lutaram bastante para se impor. Eu tive uma professora maravilhosa que sempre precisava enfrentar os colegas. Ela tinha estudado muito mais do que a grande maioria. Outra sofria um menosprezo grande e até assédio sexual”, afirma.

Na volta do mestrado, a pesquisadora na área de microbiologia percebeu um cenário um pouco melhor dentro da universidade, mas não menos desafiador. “Em termos de cargos, não daria para assumir nada. Não tinha mulheres nessa posição [na década de 1970]. Dentro das pesquisas, a maioria trabalhava em grupos sempre chefiados por homens”, relata a professora doutora aposentada.

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A geneticista Nilza Maria Diniz conta que já se deparou com comportamentos machistas de homens e mulheres dentro do ambiente universitário. “Em todos os locais você vai ter elementos machistas. A gente tem uma cultura instalada. Isso é estrutural, global. Raramente você tem locais ou relações em que você possa dizer que, de fato, está livre dessas pressões de gênero, poder e preconceitos”, completa.

A professora da UEL (Universidade Estadual de Londrina) é a única brasileira a integrar o World Emergency Covid-19 Pandemic Ethics Committee (WeCope) ou Comitê de Ética Pandêmica de Emergência Mundial da Covid-19. O grupo formado por 45 pesquisadores pós-doutores de 30 países debate assuntos ligados ao novo coronavírus. Ao todo, 20 integrantes são mulheres.

“As pessoas ou instituições não precisam anunciar determinadas atitudes para dizer que não são machistas. Você simplesmente tem que mostrar no dia a dia que não é machista. É uma mudança de comportamento. Não estamos em uma guerra de um contra o outro. O que se quer é apenas respeito”, frisa.

Iniciativas para empoderar

Apenas 30% de todas as estudantes do ensino superior optam por áreas relacionadas ao Stem (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática). A estatística é resultado de pesquisa realizada pela Unesco. Diante desse cenário, iniciativas buscam promover a equidade de gênero por meio da divulgação e valorização da trajetória das mulheres.

A Maurício de Sousa Produções, criadora da Turma da Mônica, por exemplo, lançou o projeto Donas da Rua. Ilustrações e biografias de personalidades como a bióloga Bertha Lutz, as escritoras Rachel de Queiroz e Carolina de Jesus, a matemática e cientista espacial Katherine Johnson e a cientista Marie Curie são divulgadas para empoderar as meninas.

No campo da produção acadêmica, a Gênero e Número, organização de mídia independente que atua na promoção ao debate de gênero, criou a plataforma Open-Box da Ciência. O grupo selecionou 250 pesquisadoras, todas com doutorado, em cinco áreas de conhecimento. Na plataforma é possível visualizar um panorama das produções científicas, acessar links diretos para artigos produzidos e conferir dados estatísticos do ensino superior no Brasil.

Saiba mais:

http://turmadamonica.uol.com.br/donasdarua/

http://www.openciencia.com.br/