Curitiba - O governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), negou nesta segunda-feira (11) que seu governo esteja promovendo uma censura ao livro O Avesso da Pele, recolhido das escolas do estado na semana passada.

"Não houve censura. Por sinal, o autor [Jeferson Tenório] é muito reconhecido, né? A discussão é só sobre uma ou outra página que tem um conteúdo um pouco mais erótico", disse ele, ao ser questionado pela reportagem durante evento no Palácio Iguaçu de liberação de recursos ao ensino superior.

Segundo o governador, esse conteúdo será analisado à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. "O Conselho [de Educação] do Estado vai analisar se é apropriado para crianças de 12, 13, 14 anos. Não existe censura. Pelo contrário, queremos que todos os livros possam ser utilizados, desde que esteja adequado à idade",

Ratinho disse ainda que o Paraná não precisa "avalizar tudo que o MEC recomenda". "Nós respeitamos o que o MEC faz, mas temos pedagogos que fazem essa análise também", afirmou ele.

Perguntado sobre as críticas à decisão, classificada de retrógrada pela historiadora Lilia Schwarcz, fundadora da Companhia das Letras, o governador disse apenas que "é a opinião deles". "Nós respeitamos, mas também temos a nossa", disse Ratinho.

Editora entra na Justiça para barrar recolhimento de 'O Avesso da Pele' no Paraná

A editora Companhia das Letras, responsável pela publicação de "O Avesso da Pele", de Jeferson Tenório, entrou na Justiça com um mandado de segurança para tentar barrar o recolhimento dos livros de bibliotecas de escolas estaduais do Paraná.

A secretaria de Educação do estado anunciou na última quarta-feira (6) que recolheria os 2.000 exemplares que recebeu do MEC, o Ministério da Educação, para analisar se a história é adequada para a leitura dos estudantes do ensino médio, com idade entre 14 e 16 anos.

O mandado de segurança é um instrumento jurídico que busca impedir um ato ilegal ou abusivo de uma autoridade pública. Em nota, a secretaria de Educação do Paraná diz que não não recebeu notificação sobre o assunto.

Os governos de Goiás e Mato Grosso do Sul tomaram a mesma decisão de recolhimento nos dias seguintes, depois que a diretora de uma escola no Rio Grande do Sul pediu o banimento do título por considerar que suas descrições de cenas de sexo são impróprias. A editora diz que, por hora, só agirá contra a decisão do governo paranaense.

O secretário de Educação do Paraná, Roni Miranda Vieira, diz que o livro infringe o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. "Os livros serão avaliados pela equipe pedagógica, que vai dizer se e como podemos discutir essa história com os alunos."

Vieira afirma que a ação não pode ser considerada censória, visto que o pai de qualquer aluno de uma escola do estado ainda pode pedir à biblioteca da instituição uma cópia do romance para o seu filho.

Em nota, o MEC afirma que os livros são avaliados por professores, mestres e doutores antes de integrarem o catálogo do PNLD. Ressalta ainda que a "permanência no programa é voluntária" e que as escolas têm autonomia para escolher "os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica". O MEC não respondeu se "O Avesso da Pele" infringe as diretrizes do ECA.

Ariel de Castro Alves, membro da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB, em São Paulo, discorda que a obra viole o estatuto. Ele diz que o documento proíbe a produção ou o acesso a conteúdos sexuais que envolvam crianças e adolescentes, o que não acontece no livro.

A narrativa não tem cenas de sexo, mas o protagonista lembra, a certa altura, como as namoradas de seu pai associavam a cor da sua pele a erotismo, dizendo durante o ato sexual frases como "vem, meu negão" ou "adoro o teu pau preto".

"Se o livro não contém cenas de sexo explícito ou pornográficas, por meio de fotos e imagens de crianças e adolescentes, e sim apenas descrições literárias de relações sexuais entre adultos, não vejo nenhum crime ou violação ao ECA", afirma Alves, que já presidiu o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

De fato, a maioria das disposições do ECA sobre sexo explícito em materiais voltados ao público infantojuvenil determina que eles só devem ser proibidos caso envolvam crianças ou adolescentes. O documento também veta materiais que "busquem instigá-la a praticar ato libidinoso, incluindo se exibir de forma pornográfica". (Colaborou Pedro Martins/Folhapress)