São Paulo - A PF (Polícia Federal) cumpriu na manhã desta quinta-feira (8) mandados de busca e prisão contra ex-ministros de Jair Bolsonaro (PL) e militares envolvidos na suposta tentativa de golpe para manter o ex-presidente no poder. Um dos alvos foi o próprio Bolsonaro, que entregou seu passaporte para a PF.

Em sua decisão que autoriza a operação, o ministro Alexandre de Moraes (STF) afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve acesso e pediu modificações na chamada "minuta do golpe".

A ação da PF desta quinta foi batizada de Tempus Veritatis e investiga uma organização criminosa que, diz a PF, atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito "para obter vantagem de natureza política com a manutenção do então presidente da República no poder".

Os policiais cumpriram 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva no Distrito Federal (DF), Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo.

Além das prisões e buscas, a PF também cumpriu medidas diversas como a proibição de manter contato com os demais investigados, proibição de se ausentarem do país, entrega dos passaportes no prazo de 24 horas e suspensão do exercício de funções públicas.

Bolsonaro teria recebido do ex-assessor Filipe Martins, que foi preso nesta quinta (8) em Ponta Grossa, e do advogado Amauri Feres Saad uma minuta de decreto para executar um golpe de Estado, com a decretação de prisão de várias autoridades, como do próprio Moraes e do ministro Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

Segundo as informações coletadas pelas investigações, foram realizadas alterações no texto a pedido de Bolsonaro, permanecendo a determinação de prisão de Moraes e a realização de novas eleições.

Três militares até então pouco citados no noticiário foram alvo de mandados de prisão. O major Rafael Martins de Oliveira teria direcionado os manifestantes para locais como o STF e o Congresso e realizado a coordenação financeira e operacional para dar suporte aos atos antidemocráticos.

Após o segundo turno, o coronel Bernardo Romão Correia Neto teria organizado reunião com militares formados no curso de Forças Especiais (Kids Pretos), o que, segundo a PF, demonstrou planejamento para utilizar técnicas militares contra o próprio Estado brasileiro.

No mesmo dia, Neto teria enviado ao tenente-coronel Mauro Cid uma minuta intitulada "Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro", documento que, de acordo com a PF, foi provavelmente discutido na reunião e utilizado como instrumento de pressão contra o então comandante do Exército, general Freire Gomes.

Já o coronel Marcelo Costa Câmara teria ficado responsável por um núcleo de inteligência não oficial de Bolsonaro, atuando na coleta de informações sensíveis e estratégicas.

PRISÃO DE MORAES

Mensagens trocadas entre o coronel Marcelo Câmara e o tenente-coronel Mauro Cid em dezembro de 2022 indicam, segundo a PF, que os dois estavam monitorando os passos do ministro Alexandre de Moraes, com a intenção de prendê-lo para tentar dar um golpe de Estado. O plano, segundo as investigações, era prender Moraes no dia 18 de dezembro.

A PF encontrou uma série de mensagens nos celulares do tenente-coronel Mauro Cid e de outros investigados que mostram que ao menos seis oficiais-generais das Forças Armadas discutiram com o ex-presidente a edição de um decreto golpista contra a eleição de Lula (PT).

Segundo a Polícia Federal, o objetivo é que ele fosse preso assim que ocorresse o golpe de Estado que os aliados de Bolsonaro são suspeitos de terem planejado após a derrota eleitoral para o presidente Lula (PT), em 2022.

Os oficiais-generais citados são: general Braga Netto (candidato a vice-presidente de Bolsonaro), general Estevam Theophilo (ex-chefe do Comando de Operações Terrestres), general Freire Gomes (ex-comandante do Exército), general Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e almirante Almir Garnier (ex-comandante da Marinha).

'CANETADA' DE BOLSONARO

A Polícia Federal afirma que mensagens encontradas no celular de Mauro Cid indicam que o general Estevam Theophilo teria concordado em executar as medidas que culminariam no golpe de Estado, desde que Bolsonaro assinasse o decreto que vinha sendo debatido. Theophilo foi chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército até 1º de dezembro de 2023, dia em que realizou cerimônia para ir à reserva remunerada da Força.

Os policiais cumpriram 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva em dez estados e no Distrito Federal
Os policiais cumpriram 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva em dez estados e no Distrito Federal | Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

BRAGA NETTO INDIGNADO

Mensagens obtidas pela Polícia Federal mostram que Braga Netto teria chamado o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, de "cagão" por não aderir à tentativa de golpe.

Em outras conversas, o general incentiva críticas ao então comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, a quem se refere como "traidor da pátria".

De acordo com a PF, as mensagens foram enviadas por Braga Netto para Ailton Barros, capitão expulso do Exército que estimulava um golpe militar em conversas com Mauro Cid.

CENÁRIOS GOLPISTAS

Há um vídeo em posse da Polícia Federal em que Bolsonaro e auxiliares discutem cenários golpistas durante reunião ministerial em 5 de julho de 2022. "Eu vou entrar em campo usando o meu exército, meus 23 ministros (...) Nós não podemos esperar chegar 23, olhar para trás e falar: o que que nós não fizemos para o Brasil chegar à situação de hoje em dia?", disse o ex-presidente nessa reunião, segundo a transcrição feita pela PF.

Então chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general Augusto Heleno afirmou: "Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições".

PRISÃO

O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, foi preso em flagrante por posse ilegal de arma de fogo. PL é o partido de Bolsonaro. A arma foi localizada pela Polícia Federal durante a ação de busca e apreensão no âmbito da operação que investiga uma tentativa de golpe. Foi encontrada ainda uma pepita de ouro, pesando 39,18 gramas, com 95,26% de grau de pureza, segundo a perícia. A PF vai apurar se o ouro foi extraído ilegalmente de terras indígenas. A PF afirma que o PL foi instrumentalizado "para financiar a estrutura de apoio as narrativas que alegavam supostas fraudes às urnas eletrônicas, de modo a legitimar as manifestações que ocorriam em frentes as instalações militares".

MOURÃO PEDE REAÇÃO

Em discurso na tribuna do Senado, o senador e ex-vice-presidente da República Hamilton Mourão (Republicanos-RS) conclamou os comandantes das Forças Armadas a não se omitirem contra o que chamou de "condução arbitrária de processos ilegais" que atingem os integrantes da instituição.

O senador é general da reserva e colega de chapa de Jair Bolsonaro (hoje no PL) na eleição presidencial de 2018. Mourão afirmou à imprensa que defende que a investigação contra militares "que eventualmente podem ter cometido crimes" tramite na Justiça Militar. O caso está hoje na Justiça comum, sob responsabilidade do STF (Supremo Tribunal Federal).

Alvo, Bolsonaro reclama de "perseguição implacável"

"Saí do governo há mais de um ano e sigo sofrendo uma perseguição implacável", disse Jair Bolsonaro
"Saí do governo há mais de um ano e sigo sofrendo uma perseguição implacável", disse Jair Bolsonaro | Foto: Sergio Lima / AFP

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi alvo de operação da Polícia Federal (PF) que investiga uma tentativa de golpe de Estado para mantê-lo no poder. A PF foi à casa dele na Vila Histórica de Mambucaba, em Angra dos Reis (RJ), e apreendeu o celular de um de seus assessores, Tercio Arnaud Thomaz. Ele estava na residência com o ex-presidente.

Determinou também que Bolsonaro entregasse o passaporte. Como o documento não estava em Angra, os policiais deram 24 horas para que ele fosse entregue. O passaporte estava na sede do PL, em Brasília, e foi entregue aos policiais que faziam busca e apreensão no prédio do partido.

"Saí do governo há mais de um ano e sigo sofrendo uma perseguição implacável", disse Bolsonaro numa ligação de WhatsApp por vídeo à reportagem. "Me esqueçam, já tem outro governando o país", seguiu o ex-presidente, que está proibido de se comunicar com os outros alvos da operação.

Os policiais cumpriram 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva em dez estados e no Distrito Federal
Os policiais cumpriram 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva em dez estados e no Distrito Federal | Foto: Pedro Ladeira/Folhapress