Curitiba – Apesar de na tribuna e nos corredores da Assembleia Legislativa (AL) do Paraná as discussões mais acaloradas girarem em torno das mensagens polêmicas encaminhadas pelo Palácio Iguaçu, na pauta ainda predominam projetos de pouco impacto direto na vida dos mais de 11 milhões de cidadãos residentes no Estado. Em 2017, das 372 leis, resoluções e decretos promulgados ou sancionados pelo governador Beto Richa (PSDB), 67,82% estavam nessa "categoria".

Para se ter uma ideia, foram 91 proposições concedendo títulos de utilidade pública a associações, o que corresponde a 24,46% do total. Feito pela FOLHA, com base na consulta ao site da própria AL, o levantamento considera apenas matérias de autoria dos parlamentares ou dos poderes Judiciário e Executivo que acabaram incorporadas à legislação. Os deputados estaduais apresentaram 884 sugestões, entretanto, a maior parte ou não chegou a ser votada ou aguarda a "canetada" de Beto.

Tal situação vem se repetindo ao longo dos anos. Em 2016, quando 219 textos acabaram ratificados, a proporção ficou em 61,18%. Já em 2015 foi de 54,1%. Entre as novas determinações, 87 autorizam doação, cessão ou alienação de imóveis, nove conferem títulos de cidadão honorário ou benemérito a personalidades, dez nomeiam trechos de rodovias e dez criam rotas ou regiões turísticas [veja infográfico]. Houve ainda 17 mensagens inserindo festas ou eventos no calendário oficial do Estado, 23 criando datas "comemorativas" e seis que deram a municípios o título de capital de algum produto ou atividade.

Imagem ilustrativa da imagem Leis de pouco impacto voltam a dominar pauta da AL em 2017



Muitas matérias foram protocoladas para agradar prefeitos que integram a base eleitoral dos autores ou igrejas e outras instituições ligadas a eles. As demais mensagens referendadas se dividem entre as "burocráticas" - validando prestações de contas ou alterando pontualmente normas jurídicas –, as que criam cargos ou estruturas dentro da administração e as que de fato têm influência na rotina dos paranaenses, isto é, que tratam de políticas públicas e programas. Há, claro, várias controversas, caso da que liberou a venda e o consumo de cerveja e chope nos estádios e demais praças desportivas, e das que integravam os chamados "pacotaços" anticrise do governo.

A lista das medidas avaliadas como de menor impacto inclui a que estabelece 20 de agosto como "o Dia da Mulher Advogada", de autoria da Cantora Mara Lima (PSDB), a que insere no calendário oficial a caminhada peregrina "Caminho da Terra do Sol", entre Cascavel e Boa Vista Aparecida, de Nereu Moura (PMDB), e a que institui o Dia Estadual do Movimento das Empresas Júnior, de Márcio Pauliki (PDT). A criação da Rota Turística dos Parques do Paraná, sugerida por Maria Victoria (PP), e a concessão do título de Capital Paranaense da Fé em Santa Rita de Cássia ao município de Lunardelli, proposta por Alexandre Curi (PSB), também tomaram tempo dos parlamentares.

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FALTA QUALIDADE
De acordo com o cientista social e doutor em sociologia Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o exercício do mandato de um deputado estadual de fato está hoje mais preso a questões consideradas acessórias do que a elementos essenciais, que melhoram a vida da população. "Não fiz um levantamento dos outros Estados, mas tendo a pensar que a situação não é diferente. Dar um titulo de benemerência a alguém ou um nome de rua deixa feliz um grupo social, uma família, um indivíduo ou pessoas influentes. No limite, porém, pouco impacta", avaliou.

Conforme o professor, a atuação dos políticos de forma geral tem perdido qualidade. "Quando me perguntam do salário que ganha um deputado, dizem que é alto, há essa discussão da quantidade. Mas a gente tem de parar de discutir quantidade e discutir a qualidade do serviço devolvido à sociedade. Faltam lideranças que tenham projetos para o País e o Estado. A política está deixando a desejar. Qual a vocação do Estado do Paraná? O que o Legislativo pode fazer para melhorar o emprego, a geração de renda?", questionou.

Ainda segundo Prando, para que a situação melhore, o eleitor precisa escolher bem. "Em 2018 temos eleição. A maioria dos brasileiros entende que a democracia é importante no momento de votar, sendo que ela é um processo. Cabe ao cidadão acompanhar o mandato do deputado que elegeu – quantas leis propôs, quais? Se isso fosse feito, provavelmente continuaríamos tendo uma quantidade enorme de leis, mas aumentaria a qualidade, ou o número das que impactam positivamente na vida das pessoas."

Comissão deve propor redução de 30% no número de leis
A Comissão de Revisão e Consolidação Legislativa da Assembleia Legislativa (AL) do Paraná estima reduzir neste ano em 30% o atual acervo de leis do Estado. Criado em setembro de 2017, o grupo já analisou 1.252 das 19.090 normas. Dentre elas, 29 devem ser revogadas nos próximos meses, como a que transfere uma "locomóvel" à prefeitura municipal de Ipiranga e a que altera as carreiras de "médico e guarda sanitário".

Para o presidente da comissão, Tiago Amaral (PSB), a diminuição facilitará o acesso dos cidadãos aos serviços. "Temos hoje uma linha que estimula a produção legislativa dos parlamentares de forma excessiva. No entendimento da opinião geral, bom deputado é aquele que apresenta muitos projetos. Isso é um equívoco, porque o excesso de leis causa burocracia no País e é o que nos leva a um nível de letargia", opinou.

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| Foto: Pedro de Oliveira/Alep



Segundo ele, o fato de muitas leis serem aprovadas não garante que a população seja bem atendida. "De nada adianta você escrever num papel que o cidadão tem direto a determinado serviço se não é viável que a administração pública preste esse serviço. Criam-se falsas expectativas, o que é prejudicial para a própria estrutura pública. Sem contar que isso aumenta o desgaste, porque as pessoas ficam com a ideia de que nada funciona", prosseguiu.

Na opinião do político do PSB, a competência residual dos Legislativos faz com que a pauta da Assembleia seja dominada por projetos "menores", caso dos que concedem títulos de utilidade pública ou referendam doação de imóveis. "A maior parte das obrigações fica com a União ou os municípios. Cabe ao Estado decidir questões como normas gerais dos poderes, ambientais, de direito do consumidor e tributárias", disse.

De acordo com o deputado, por se tratar de previsão constitucional, a princípio não há outro caminho a ser seguido. "No formato que temos hoje, ainda é necessário, mas é sim extremamente discutível que esse tipo de projeto seja a pauta principal da Assembleia ou que tome o nosso cotidiano de discussões. Isso acaba muitas vezes cerceando o tempo que teríamos para tratar de outras questões, na linha de fiscalização, e cujo impacto na coletividade seria maior", ponderou.