O procurador Carlos Fernando Lima, um dos painelistas do EncontrosFolha: "Se o Congresso impedir que nós processemos os políticos, qual vai ser a sensação da sociedade?"
O procurador Carlos Fernando Lima, um dos painelistas do EncontrosFolha: "Se o Congresso impedir que nós processemos os políticos, qual vai ser a sensação da sociedade?" | Foto: Fábio Alcover



Três anos depois de trazer à tona um gigantesco esquema de corrupção na Petrobras que abalou as estruturas do País, a Operação Lava Jato corre o risco de não deixar legado algum à sociedade devido à "desfaçatez da classe política".

A preocupação foi externada nesta quarta-feira (22) em Londrina por um dos coordenadores da força-tarefa da operação, o procurador do Ministério Público Federal Carlos Fernando dos Santos Lima, durante a 8ª edição do EncontrosFolha, que teve como tema "Ética e Transparência nas Empresas". Lima e o advogado Marlus Arns, que atua na equipe de defesa do ex-deputado Eduardo Cunha, foram dois dos painelistas do evento.

O procurador confirmou que mais de 300 novos inquéritos serão iniciados daqui pra frente em decorrência das delações premiadas do Grupo Odebrecht. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator da Lava Jato na corte, Edson Fachin, recebeu nesta semana os 83 pedidos de abertura de inquérito a partir dos acordos de colaboração premiada de 78 executivos e ex-executivos da empreiteira, enviados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

A Lava Jato completou três anos semana passada e 155 acordos de colaboração premiada já foram realizados com pessoas físicas, e outros dez de leniência com pessoas jurídicas. Laudos apontam que os prejuízos à Petrobras podem chegar a R$ 42 bilhões. "O procurador-geral da República solicitou ao Supremo ao menos 300 novas investigações",disse Carlos Fernando dos Santos Lima à FOLHA.

DECEPÇÃO
E se a Lava Jato teve como maior mérito levar à cadeia políticos, grandes empreiteiros e lobistas, a operação corre o risco de ter sido em vão e deixar um enorme sentimento de frustração na sociedade, segundo o procurador da força-tarefa, se o Congresso levar adiante propostas que visem blindar os investigados.

"Nós podemos ter esse legado (de prender políticos e empreiteiros), mas também podemos ter uma decepção da população", alertou. "Se por um acaso o Congresso, que está ameaçando novamente aprovar uma anistia, soltar pessoas que estão presas, que estão condenadas, impedir que nós processemos os políticos, qual vai ser a sensação da sociedade? Não será positiva porque a Lava Jato atingiu e colocou na cadeia, a sensação será que realmente nós não temos nada o que fazer, os poderosos sempre vão vencer. Então, ainda estamos no meio de um caminho, não chegamos no final dele", afirmou Lima.

Investidas
O procurador salientou que as "forças contra as investigações são muito fortes e se vê diariamente pessoas interessadas em anular algo que promova realmente a limpeza no País". "Foram inúmeras as investidas contra a Lava Jato. No final do ano passado, toda semana estávamos na imprensa denunciando projetos (de lei) que visavam acabar com a operação, ou punindo quem investiga".

Ele citou, por exemplo, a "retaliação no pacote das dez medidas contra a corrupção" propostas pelo Ministério Público Federal (MPF). O projeto 4850-2016 recebeu uma série de emendas antes de ser aprovado na Câmara dos Deputados. "Eles perderam muito da vergonha, mas ainda têm medo da população. Por sorte, salvo a retaliação que fizeram das 10 medidas, nós não tivemos um prejuízo das investigações, entretanto isso pode acontecer a qualquer minuto", ponderou.

Surpresas
Uma das "surpresas" que os políticos podem preparar, segundo o procurador, são as medidas de anistia da Lava Jato, como já foi dito pelo relator da reforma política nesta semana. "A classe política age como um corpo em solidariedade aos seus membros investigados. Está se revelando para a população o que tem de pior, esse corporativismo na corrupção. Só existe uma coisa que os políticos temem mais que as investigações: as eleições ".

Críticas
Sobre os questionamentos feitos por alguns analistas e parte da sociedade de que a Lava Jato teria ela própria politizado sua atuação ao centrar suas investigações no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e demais políticos do PT, Carlos Lima disse que é uma interpretação errada. "Isso não é verdadeiro. Essa crítica nem é mais feita, justamente pelo fato de que agora as revelações envolvem todos os partidos, mesmo os de oposição, porque quem não faz no governo federal acaba fazendo nos governos estaduais e nos governos municipais", rebateu.

Reforma política
Por fim, o coordenador da operação disse não ver outra alternativa a não ser uma reforma política, devido ao sistema eleitoral muito caro, "que gera necessidade excessiva de dinheiro e que os candidatos acabam buscando de fontes não oficiais". "Isso gera o caixa 2, o loteamento dos cargos políticos, além da exigência desses funcionários públicos para que forneçam dinheiro aos seus padrinhos. Vimos isso na operação Carne Fraca, um loteamento político no MAPA e também vimos isso na Petrobras, no loteamento das diretorias."

Paraná
Ao ser questionado por que tantas operações com ramificações no Paraná - como Carne Fraca, Publicano e a própria Lava Jato -, o procurador elogiou o Ministério Público e a polícia que agem no Estado. "Isso vem se desenvolvendo nos últimos 20 anos, com a operação Banestado. Nós, do Ministério Público Federal, aprendemos a lidar com autoridades estrangeiras, a fazer investigações técnicas de corrupção e lavagem de dinheiro. Isso realmente faz toda a diferença". Leia na edição do próximo final de semana a cobertura completa do EncontrosFolha. O evento teve os apoios da Vectra e ISAE/FGV. (Colaborou Diego Prazeres)