O depoimento do ex-presidente Jair Bolsonaro nesta quarta-feira (5) à Polícia Federal, no caso das joias recebidas de presente na Arábia Saudita, abriu uma temporada de dúvidas para as forças de direita em relação ao futuro. Além desse inquérito, o ex-presidente enfrentará uma ação que poderá deixá-lo inelegível até 2030. Ele começará a ser julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) depois da Páscoa, pela suposta prática de crime eleitoral, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação nas eleições do ano passado. Além disso, poderá responder a outros processos.

Bolsonaro voltou ao Brasil, depois de três meses nos Estados Unidos, no dia 30 de março, e foi anunciado como líder da oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele revelou que pretende viajar pelo país para ajudar a unir a oposição e as forças de direita, mas recusou o posto de líder e declarou que o “chefe” é o presidente do seu partido, o PL, Valdemar da Costa Neto. E lembrou que o PL tem força suficiente no Congresso e nos estados. Além do inquérito sobre as joias e a ação no TSE, o ex-presidente é alvo de outros processos e de pedidos de investigação sobre temas como a propagação de fake news e as mortes de yanomamis em Roraima.

“Não tenho muita certeza se ele (Bolsonaro) chega forte. O Lula conseguiu se eleger de novo, mas tem um legado de avaliação positiva, saiu do segundo governo com 87% de aprovação”, diz o cientista político e professor da UFPR Bruno Bolognesi. “Não é só o fato de a direita querer, é saber também se o Bolsonaro é viável eleitoralmente. Ele tem muitos obstáculos para romper além do aspecto jurídico. A mobilização baixou, as pessoas saíram da frente dos quartéis. É um investimento alto, tem que ter dinheiro, apoio, agora ele está em um partido que tem dono e é mais difícil conseguir isso a longo prazo”.

A possível ausência do ex-presidente no cenário poderia abrir novas oportunidades para a direita, como a ala da operação Lava Jato, representada pelo senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e pelo deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Para Bolognesi, no entanto, seria difícil articular uma candidatura nacional. "Ele (Moro) tem uma base concentrada no Paraná. Tem o efeito celebridade, mas para concorrer a governador já teria dificuldades. Um candidato a presidente tem que ter muitos acordos nos estados”.

CENTRÃO

Outro fator que pode dificultar o crescimento do lava-jatismo é o chamado centrão, que reúne parlamentares de vários partidos e foi a base do governo Bolsonaro nos últimos dois anos. O centrão tem parlamentares que foram alvo da Lava Jato e poderia haver resistências a um nome ligado à operação. “O centrão vai com quem tiver chance de ganhar, se for a esquerda ele vai, se for a direita ele vai. O centrão não tem nenhuma preferência que não seja por recursos”, afirma o professor da UFPR.

O cientista político não descarta, no entanto, a possibilidade de Moro ou outro nome aparecer com chances caso Lula e Bolsonaro não concorram a presidente em 2026. “Seria uma janela de oportunidade meio inédita no Brasil. Isso poderia abrir espaço talvez para o Sergio Moro, talvez para a (ministra) Simone Tebet. Há a chance de uma renovação completa”, avalia. “Mas acho difícil alguém apostar contra o Lula se ele for candidato à reeleição. Ninguém quer perder, a única pessoa que vai apostar contra o Lula é o Ciro Gomes. É uma eleição de alto custo derrotar o Lula”.

Liderança x prisão

O deputado federal Filipe Barros (PL-PR), um dos principais apoiadores de Bolsonaro no Paraná, admite que há o risco de o ex-presidente se tornar inelegível, segundo ele por causa do “ativismo” de setores do poder Judiciário. “Nossos receios são advindos basicamente da politização do Judiciário. Se analisarmos o aspecto exclusivamente jurídico, Bolsonaro não devia ter qualquer tipo de receio, mas como estamos vivendo um período de ativismo judicial, em que agentes da lei se comportam como agentes políticos, temos receio das ações que tramitam no TSE”, disse ele em entrevista a uma emissora em Brasília.

Barros, que esteve na recepção a Bolsonaro no dia 30, em Brasília, avalia que o ex-presidente será o grande líder da oposição ao governo Lula, que considera um governo “descoordenado” e com “uma pauta fraca”. “Estávamos aguardando ansiosamente essa decisão (de voltar para o Brasil) para que o Bolsonaro continue exercendo sua liderança, ele vai rodar o país fortalecendo o PL e orientando toda a oposição. Não só na Câmara e no Senado, mas a própria população tem pedido isso. Ele vai começar as viagens pelo Nordeste, mas deve passar por todos os estados no primeiro semestre”.

"Precisamos entender quem será o líder da extrema direita", diz presidente do PT no Paraná

Para o presidente do PT no Paraná, o deputado estadual Arilson Chiorato, o ex-presidente Jair Bolsonaro não chegará com força na eleição de 2024 porque corre o risco de ser preso. “Acho que ele vai ser preso, tem muita coisa para ser aprofundada. Na minha opinião a ala lava-jatista toma a dianteira, mas isso não significa um crescimento, pois eles já estiveram juntos e ficaram do tamanho que deu a derrota para o Bolsonaro. Precisamos entender quem será o protagonista da extrema direita, Bolsonaro, Moro ou o (governador do Paraná) Ratinho Junior”.

O presidente estadual do PT, deputado Arilson Chiorato
O presidente estadual do PT, deputado Arilson Chiorato | Foto: Valdir Amaral/Alep

Para Chiorato, é difícil surgir um novo nome da direita ou mesmo do centrão até as eleições do próximo ano. “O processo está entre esses três correntes, acredito que fique entre o Bolsonaro, o grupo da Lava-Jato ou o Ratinho Junior. O centrão envolve a questão da governabilidade, esteve com o Bolsonaro na eleição passada, mas agora pode ser que esteja com o Lula. O centrão não tem um nome para a disputa eleitoral”.

O cientista político Bruno Bolognesi, da UFPR, vê poucas chances para o governador do Paraná em uma disputa presidencial. “O Paraná é um estado sem expressão nacional. Tem que ser governador de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de Minas Gerais. Acho que o Ratinho Júnior vai ser senador”, aposta. No plano local, Bolognesi diz não ver grandes possibilidades de renovação no grupo que está no poder. “O Ratinho Junior se aproxima do (ex-governador) Beto Richa, agora do Eduardo Pimentel (vice-prefeito de Curitiba). É o grupo Lerner (do ex-governador Jaime Lerner) desde sempre”. Nesta semana, Ratinho Junior anunciou que apoiará a candidatura de Eduardo Pimentel, que é de seu partido, o PSD, para a prefeitura de Curitiba no ano que vem. Pimentel é neto do ex-governador do Paraná Paulo Pimentel.