Curitiba - Considerada pelo Ministério Público Federal (MPF) "a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro da história do Brasil", a Lava Jato se notabilizou por alcançar e expor, nos últimos três anos, políticos, lobistas e empreiteiros dos mais diferentes partidos e ideologias. Na avaliação de especialistas ouvidos pela FOLHA, o fato de altas autoridades e executivos, como os da Odebrecht, estarem presos ou sendo investigados por corrupção é mesmo muito positivo, devendo representar uma mudança de comportamento, com efeitos inclusive já nas próximas campanhas e eleições.

"Passa à sociedade a percepção de que os mecanismos de controle estão funcionando e atuando de forma rigorosa, com o propósito de assegurar efetiva punição dos malfeitos diagnosticados. A ausência de punibilidade contribui para a perpetuação da corrupção. Se há da parte de corruptos e corruptores a convicção de que não serão punidos pelos ilícitos cometidos, a corrupção tende a se alastrar; tende a prosperar e a se fortalecer frente ao deficit normativo e punitivo das instituições", afirmou Clodomiro José Bannwart Júnior, professor de Ética e Filosofia Política da UEL (Universidade Estadual de Londrina).

Segundo ele, começa a entrar no radar de agentes políticos e de empresários que a atual relação entre as esferas pública e privada, como desvelada pela Lava Jato, não é sustentável. "Teremos de construir novas bases para um relacionamento saudável entre Estado, agentes políticos e o setor empresarial. A Lava Jato, nesse sentido, é uma importante barreira construída a demonstrar que chegamos a um limite. Ou mudamos a rota ou comprometeremos o futuro do país."

Para Rodrigo Prando, professor de Sociologia e Política da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é preciso olhar a Lava Jato a partir de duas dimensões. "A primeira é institucional. Você tem a Polícia Federal e o Ministério Público trabalhando em parceria, conectados em redes, com bons resultados. E a segunda é a biográfica ou pessoal. As biografias do juiz Sérgio Moro e dos procuradores, em especial do Deltan Dallagnol [coordenador da força-tarefa], têm de ser levadas em conta. Ambos são relativamente jovens, estudiosos, com formação intelectual muito consistente (…) A combinação dessas duas dimensões produziu um efeito na esfera política infelizmente devastador."

Conforme Prando, essa situação demonstra que a república e a democracia estão adoecidas na sua raiz. "[A Lava Jato] expôs o poder econômico, o já conhecido patrimonialismo, de maneira nunca vista. O domínio jurídico que têm tanto o Moro como o Deltan permitiu que se utilizassem dessa grande novidade, que são as delações. Eles conseguiram enfrentar um sistema de corrupção, chegando em figuras de destaque, o que antes não era possível", disse. "Nunca se chegava ao topo, nas figuras mais mais proeminentes. E a operação conseguiu isso. Ao conjugar a esfera institucional com a biográfica, está colocando na cadeia empreiteiros, senadores, investigando presidente e ex-presidente", acrescentou.

PERSPECTIVAS PARA 2018

Os dois cientistas políticos projetam campanhas e eleições diferentes a partir do ano que vem. "A Lava Jato tem um impacto saneador, de assepsia. O recado deveria ser muito claro: quem constituir crime vai pagar, vai para a cadeia. A tese que muitos colegas estão advogando, de que existe uma judicialização da política, eu não concordo. Se os políticos estivessem dentro dos limites republicanos e da lei, isso não aconteceria. Quem é honesto e trabalha em prol da sociedade não está na lista [de envolvidos em corrupção]", pontuou o professor da Mackenzie. De acordo com ele, as investigações, se conjugadas com a Lei da Ficha Limpa, devem colaborar para uma melhor escolha por parte dos eleitores. "Tendo acesso à informação e sabendo que alguém está sob suspeita, não se deve votar."

Clodomiro Bannwart também prevê um impacto proeminente à imagem dos políticos. "A Lava Jato está colocando os políticos nus diante da opinião pública. E a opinião pública desempenha uma crítica pública importante, já que ela lida com assuntos públicos, no domínio público, por um público de cidadãos que dispõem do poder deliberativo nas eleições. O debate público serve de testagem aos argumentos apresentados na esfera política. Veja, por exemplo, os argumentos apresentados pelo presidente Temer nos últimos dias. Eles são altamente criticados pela opinião pública, o que fragiliza cada vez mais a sua imagem e o seu governo."

Nesse sentido, o quadro que se desenha para o ano que vem é, segundo Bannwart, bastante complicado, com o sistema político como um todo criminalizado. "Não haverá uma safra de nomes fortes cunhados dentro das estruturas partidárias. Poderá haver muitos nomes oriundos do lado de fora do mundo político, com a tônica de discursos inclusive antipolíticos. Será um cenário de instabilidade e que poderá, a depender do resultado das eleições, dar prolongamento à crise política."

Ele disse acreditar, ainda, que a operação perdure, trazendo mais consequências. "Enquanto a delação premiada – em que pese a crítica que muitos juristas têm feito a este instituto – estiver a pleno vapor, continuaremos a ver o desmantelamento de relações promíscuas praticadas no porão da República. Só não podemos avançar os limites legais e cair num Estado policialesco. O outro lado da moeda, o de um Estado altamente repressor e punitivo, além de perigoso, não coaduna com a democracia", destacou.