A prática médica, muitas vezes, depara-se com situações desafiadoras, nas quais os tratamentos convencionais ou os indicados pelos profissionais médicos nem sempre são suficientes para atender às necessidades específicas de determinados pacientes. Nesses casos, diversas pessoas recorrem aos chamados medicamentos de uso "off label”, às vezes por conta própria, outras vezes por prescrição médica. Essa prática, polêmica e que levanta discussões relevantes quanto ao direito de o paciente receber tratamento adequado, diz respeito ao uso de determinadas drogas ou fármacos para indicações diferentes das prescritas na bula.

Afinal, quando um medicamento é aprovado pelos órgãos reguladores, não significa que a finalidade para a qual foi aprovado seja a única possível. Daí o termo “off label”, que se refere ao uso de um medicamento de maneira diferente daquela indicada em bula e aprovada pela agência reguladora de saúde. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é responsável por regular o uso de medicamentos. No entanto, a legislação brasileira não proíbe expressamente a prescrição “off label”, ao contrário, reconhece que há situações em que essa prática é justificável.

Obviamente, não estamos colocando em discussão aqui a automedicação, que não é recomendável em qualquer situação. Pelo contrário, mesmo a decisão de prescrever um medicamento “off label” deve ser respaldada por evidências científicas sólidas, considerando a segurança e a eficácia do tratamento, além de o ser feito por um profissional qualificado e credenciado para prescrever medicamentos, como o é o médico. Como profissional de saúde, o médico tem o dever ético e legal de buscar o melhor interesse do paciente, mesmo que isso envolva o uso de medicamentos “off label”.

No contexto jurídico brasileiro, o direito de receber tratamento “off label” é pautado no princípio da integralidade da assistência à saúde, previsto na Constituição Federal. Esse princípio impõe ao Estado o dever de garantir tratamento adequado a todos os cidadãos, seja em qualquer situação. Portanto, se o médico considerar que um determinado medicamento “off label” é a opção mais adequada para o paciente, poderá buscar judicialmente o acesso a esse tratamento, principalmente se o tratamento lhe for negado via procedimento padrão.

No entanto, a prescrição médica não implica automaticamente no fornecimento do medicamento pelo sistema de saúde. A fundamentação legal pode se basear em dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que garantem o direito à saúde. E a jurisprudência brasileira tem reconhecido, em alguns casos, o direito do paciente de receber tratamento “off label” quando forem comprovadas a necessidade e a ausência de alternativas terapêuticas eficazes. E o parecer médico é importantíssimo para fundamentar cientificamente essa solicitação.

É importante ressaltar que a judicialização do acesso a medicamentos “off label” não significa uma fragilidade do sistema de saúde, mas, sim, a busca pela concretização dos direitos fundamentais do cidadão. O Judiciário, ao analisar esses casos, busca equilibrar o direito à saúde do indivíduo com a necessidade de racionalização e planejamento do sistema público de saúde, garantindo uma harmonia no funcionamento do sistema.

Por fim, é crucial que o paciente esteja ciente de seus direitos e busque orientação jurídica adequada ao considerar a via judicial para o acesso a medicamentos de uso “off label”. A colaboração entre profissionais da saúde, fundamentando a necessidade de uma prescrição desse tipo, e advogados é fundamental para assegurar que a decisão seja embasada em critérios técnicos e éticos, promovendo, assim, uma abordagem integrada e responsável no cuidado à saúde da população.

Patrícia Siqueira, advogada do Escritório Batistute Advogados