Chove agradavelmente na praça da pequena cidade berço da Pastoral da Criança, minutos antes de começar a vigília de oração, um clamor pela paz, proposto pelo papa Francisco. Acabaram de me alertar que o povo não sai de casa quando chove. Contudo, a igreja cheia nega o prognóstico! Aqui, pensei, onde milhares de recém-nascidos morriam desnutridos e desidratados na década de oitenta, escorre a água, mãe da fertilidade do solo.

Porém, lá longe, chovem bombas que são uma maldição. Nestes trópicos, a chuva lava a calçada e revitaliza a grama seca de um inverno prolongado. São secas também as lágrimas exauridas dos familiares que choram os seus mortos. Lágrimas, que já não impressionam na agora longínqua Ucrânia, que infortunadamente perdeu a centralidade para tantos outros conflitos mundo afora.

No país invadido pela Rússia, a galopante indiferença com os que tombam no front, só não é mais dilacerante do que as sepulturas dos setenta mil tombados em combate. Em Abril falava-se em 17 mil! Do lado de Moscou calculam-se mais de cem mil! Pobre povo ucraniano e povo russo, pra quem as primeiras neves do inverno se colorirão de novo de vermelho!

A chuva para nós é cantiga de ninar. Vamos dormir embalados pelo som refrescante que inebria a alma, oxigenando-a num sono reparador. Mas o som ininterrupto das gotas caindo no chão, rouba-nos a paz que do outro lado do mundo já não existe. Sentamo-nos na cama, despertos de um pesadelo, em que nossas vozes gritando ao bom senso, voltam para nós em forma de eco. Resta-nos a prece. O joelho no chão. A realidade de quem acredita na força da oração.

Cremos na solidariedade e na empatia, ausente de julgamentos, da tomada de partido, da condenação. Apenas o nosso pensamento dirigido às vítimas inocentes, que pagam com a vida pelas insanidades dos que atropelam a história e buscam compensação de forma errada e trágica!

A morte é o salário do pecado, assim nos diz S. Paulo (Rom 6,23). O pecado por sua vez, adquire muitos nomes. Mas o seu apelido mais comum é desrespeito à dignidade da pessoa humana! Nenhuma guerra começa “do nada”! Os interesses são escusos, porém escandalosamente explícitos: envolvem ganância e opressão. Nega-se a história, em prol de um novo futuro, como se essa loucura fosse viável! Uma avalanche de prepotência e arrogância em forma de bolas de fogo, soterra para sempre, vidas repletas de lutas e sonhos.

O mundo deixou a guerra fria para trás, mas continua mais inseguro do que nunca! A mudança de época do século XXI desvelou antigos ódios e soltou os grilhões de monstros, que muitos achavam extintos! O que é a verdade, perguntou Pilatos a Jesus? A resposta que damos hoje a essa eterna pergunta, revela sendas perigosas repletas de abismos, que colocam a nossa civilização em sério risco! O Oriente Médio não é um lugar qualquer! Os principais impérios e culturas ali se cruzaram e nem sempre pacificamente! A Ucrânia, idem! A criação da ONU em 1945 foi uma chispa de esperança e ordem, alimentada pela lembrança do holocausto e pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki. Infelizmente, passados 78 anos, o modelo se mostra inócuo, impotente e inoperante.

Novos atores e novas ideologias povoam a Terra. A extrema direita avançou, em não poucos casos, sobre o desgaste da democracia. Ela recuou de fato, sob a pressão do autoritarismo, extremismo e populismo. Não podemos relativizar o fato de que tanto na Rússia como em Israel, regimes caraterizados pelo extremismo e totalitarismo estejam no poder. Se Putin já aniquilou praticamente todas as Instituições de Estado, Benjamin Netanyahu iniciou uma reforma do judiciário israelense que compromete totalmente a independência dos poderes. E não é alheio ao fato da linha do atual governo de Israel, que o seu direito de defesa legítimo, tenha ultrapassado todo o bom senso e seja hoje considerado crime de guerra. Os grandes impérios do atual século, buscam manter a sua hegemonia na nova geopolítica mundial. Quem viver verá! Para contarmos esta história, faz-se imperativo que “haja paz em Israel” ( שיהיה שלום בישראל)!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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