Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil
Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil | Foto: Divulgação



O movimento liberal tem ganhado força, sobretudo de políticos de centro-direita, neste ano pré-eleitoral. Mesmo sem saber ao certo o significado desse pensamento, muitos postulantes, a menos de um ano das eleições de outubro de 2018, já estão pegando carona nesse discurso.

Em geral, os liberais defendem a democracia, a liberdade econômica e individual e a propriedade privada e criticam o excesso de burocracia, a carga tributária, leis e normas que regem um país. No Brasil, são contra o protecionismo econômico e a centralização do poder em Brasília e não acreditam nos programas sociais como alternativa para diminuição das desigualdades sociais.

O engenheiro Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil - entidade voltada a difundir conhecimento sobre temas políticos, econômicos ou científicos sobre o liberalismo -, defende que a prosperidade no País só será possível com maior abertura econômica. "O Brasil é uma maquina de distribuição de renda às avessas", explica Beltrão, ao citar a elevada carga tributária brasileira, que na sua opinião serve apenas para sustentar a máquina pública e os poderosos que ditam as regras de seus altos cargos em Brasília.

Filho do economista e ex-ministro Hélio Beltrão, que ocupou as pastas do Planejamento e Previdência Social e Desburocratização no governo militar, o presidente do Instituto Mises é defensor no Brasil dos ideais difundidos pelo economista austríaco Ludwig von Mises (1881-1973), arauto da liberdade econômica e crítico do socialismo enquanto sistema econômico.

Beltrão estará em Londrina nesta segunda-feira (11), a convite do Partido Novo, para palesta no Teatro do Colégio Londrinense. Por telefone, concedeu a entrevista a seguir à FOLHA.

O que você define como ideais liberais para o Brasil?
Respeitar a liberdade do indivíduo de buscar os ideais de autorregulação na sua atividade econômica. Como isso não ocorre, temos um país onde não há crescimento, um país sem prosperidade. Liberdade no Brasil é tirar o peso do Estado. O governo precisa decidir menos para que o cidadão empreenda mais, com menos constrangimento para buscar sua liberdade.

Onde o liberalismo deu resultado? Como espera ver o liberalismo no Brasil?
Os Estados Unidos são o exemplo mais claro disso, quando começaram sua nação no início do século 18. Os profissionais liberais e agricultores entenderam à época que não é o Estado que nos concede nossos direitos, mas que eles tinham seus direitos e o Estado era mais limitado e concedia pouca coisa. A Coreia do Sul é outro exemplo: em 1950, aquele país oriental tinha o mesmo nível de desenvolvimento do Brasil. A diferença é que a burocracia é pequena, não tem excesso de legislação e a política comercial é mais aberta. Até os países que dizem que tem Estado grande, como a Dinamarca, Noruega e Suécia, são modelos liberais que deram certo. Eles estão à frente em todos os rankings de liberdade econômica, como a abertura comercial. Na América do Sul, no Chile, desde a década de 80, houve avanços significativos ao abrir o mercado para o mundo.

Outra crítica que o senhor faz é como Brasília dita as regras para todo o País. Por que somos dependentes dessas decisões?
Historicamente, as decisões no País foram centralizadas. O mais correto é que fossem delegados aos Estados e municípios vários poderes que hoje estão nas mãos de Palácio do Planalto. Não estou falando apenas da fatia do dinheiro dos impostos, mas também do poder e das regras centralizadas por burocratas de Brasília. Não tem lógica essa tutela, com regras idênticas para um país continental como o nosso.

Pelo tamanho do Estado brasileiro, com enorme taxa tributária, ele é eficiente? Isso reflete em serviços públicos à altura?
Fica bem claro nesse cenário que hoje o pobre no País tem celular e televisão, mas não tem saneamento, não tem remédio, não tem educação de qualidade. O Estado é inchado, a burocracia é asfixiante, a regulamentação é gigantesca e arbitrária. O cidadão paga uma quantidade gigantesca de impostos que incidem sobre os produtos e não vê retorno algum em serviços.

O pensamento liberal cabe num país com tanta desigualdade como o Brasil?
Quem se dá bem com Estado grande são os aliados do governo, os que se beneficiam disso. A desigualdade é fruto justamente desse modelo de Estado grande. As pessoas mais ricas do País hoje são funcionários públicos de alto escalão, juízes, desembargadores, políticos. É uma maquina de distribuição de renda às avessas. O povo, por meio dos impostos, pagando o Estado. O Estado não cria dinheiro, ele tira do povo. A própria Previdência é deficitária, não sustenta o salário dos servidores aposentados, que são cerca de 1 milhão de pessoas.

Vocês são contra os programas sociais? É possível avanço nessa área sem intenção do governo?
Nós, como cidadãos responsáveis, não podemos deixar de atender às pessoas que estão vivendo em condições não dignas, qualquer liberal vai defender isso. Nós temos a responsabilidade de amparar essas pessoas. Isso não quer dizer que temos que garantir educação e saúde universal gratuita. Devemos atender quem realmente precisa. O problema é que existem programas federais que tendem a ser burocráticos e funcionam muitas vezes só no papel, há abusos nesse sistema. O pensamento hoje é o seguinte: as pessoas pagam os impostos e deixam que o governo resolva. Ou seja, as pessoas lavam as mãos. Esse formato de bolsas não vai resolver o problema nunca.

A reforma da Previdência que está em curso vai conseguir os avanços desejados pelos liberais?
Na medida que vai tentar diminuir o deficit, sim. Mas está muito longe do ideal. O certo é fazer contas individuais, como fez o Chile no passado, um dos grandes fatores do crescimento lá. Naquele país, os trabalhadores tiveram a opção de passar para o sistema individual. Ou seja, as pessoas optaram por migrar para o sistema privado, com 10% de desconto nos salários. As pessoas passaram a controlar suas próprias contas e saíram do buraco negro que é a previdência. Não é que lá seja ideal, mas houve enorme avanço no sentido de capitalização desses recursos. E aqui ninguém está discutindo isso hoje, o que é uma lástima. Aqui a reforma não resolverá o problema de que 90% do PIB (Produto Interno Bruto) é gasto para bancar a Previdência.

A abertura total do mercado não quebraria as empresas brasileiras?
Quando liberal defende o livre mercado, estamos falando de livre associação entre as pessoas, sem interferência arbitrária do governo. Os salários não crescem por decreto. À medida que a economia vai bem, que as empresas começam a produzir mais, os salários crescem. Como uma empresa nacional conseguirá ser competitiva ao ter que pagar três vezes mais por um computador? Para se ter um funcionário registrado hoje, um empresário paga o dobro só para manter os encargos, enquanto na China ele vai pagar muito mais barato. O empresário brasileiro faz milagre. São todas essas tarifas de importações, barreiras não alfandegárias que impedem a competitividade do Brasil. O País tem a economia mais fechada do G20 (grupo dos 20 países mais ricos do mundo). Se a gente permanecer fechado, toda nossa base de custos vai ser cara, não teremos empresas competitivas, que cresçam e prosperem no comercio exterior.

O que os liberais pensam das eleições de 2018? Vocês acreditam em uma mudança? Esses candidatos "outsiders" podem emplacar ou os políticos "tradicionais" ainda vão predominar no Congresso?
Eu acredito que haverá, pela primeira vez, uma leva de pessoas com essa nova mentalidade de mais liberdade no Brasil. Não saberemos se serão dez, 20 ou 40 deputados. Além disso, vai surgir outra cota de políticos tradicionais se vendendo como liberais desde criancinha, embora nunca tenham sido de fato. Isto é, correndo atrás do voto do eleitor que busca esse perfil de candidato.

Tem gente que pegará carona neste discurso também na corrida para presidente? O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que votou contra o Plano Real e reformas no passado, seria dessa cota?
Temos o Doria (João Doria, prefeito de São Paulo), que também se diz liberal, o Bolsonaro querendo ganhar esse apoio. O Bolsonaro tem uma visão, e sempre deixou isso claro, que é nacionalista e intervencionista, que não tem nada a ver com o liberalismo. Entretanto, essa mudança no discurso demostra que esses ideais liberais estão sendo demandados nas eleições presidenciais. Obviamente que os candidatos mais à esquerda não vão utilizar isso, porque não vai colar. Acredito que essa pauta liberal vai ser debatida na eleição presidencial.

Hoje, nas universidades públicas, há poucos estudiosos que são a favor do pensamento liberal. O discurso socialista ainda impera na academia. Você acredita numa abertura também nesse meio?
À medida que alguns professores e pesquisadores vão se aposentando, vão surgindo pessoas com pensamentos diferentes, algo mais atualizado. Existe uma demanda nova, pedidos de estudantes por esse debate. É natural que leve tempo, mas o corpo docente das universidades deverá incorporar essas ideias.

Seu pai implantou o programa de desburocratização no último governo militar. Houve avanços nesse sentido?
Na minha opinião, piorou. Meu pai teve êxito ao eliminar milhões de documentos exigidos por ano, conseguiu instituir os juizados especiais de pequenas causas e estabeleceu o conceito de microempresas que hoje conhecemos como Simples. Mas a burocracia continuou. No Brasil, conseguimos eliminar a lei que exige reconhecimento de firma, mas todos os órgãos continuam pedindo. A burocracia é penosa principalmente para o pequeno que não pode usar um despachante, que tem que tirar uma parte do seu capital produtivo para ficar em cartórios. Contudo, estou vendo no Brasil alguns movimentos no sentido de desburocratização, com emissão de alvarás automáticos para abertura de empresas em caso de atividades que não têm risco.

Na Assembleia Legislativa do Paraná, há uma frente parlamentar disposta a eliminar parte das 19 mil leis existentes no Estado. Qual é sua opinião?
A burocracia cria insegurança jurídica. Esse trabalho de revisão legal é fundamental. É preciso mudar essa mentalidade dos parlamentares decidirem o que é proibido e o que é obrigatório. A liberdade individual fica espremida entre a proibição e a obrigação. O que é preciso é um tipo de legislador raro, alguém interessado em simplificar e eliminar regras e consolidar normas.