Ozires Silva, engenheiro
Ozires Silva, engenheiro | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado



A crise e o desemprego histórico, tal como na situação atual do Brasil, são problemas para alguns e oportunidades para outros. E a maneira de enxergar isso já diz muito sobre o quanto cada um está mergulhado em uma cultura passiva, de aguardar que as soluções simplesmente caiam do céu.

"No fundo, no fundo esse é um problema nosso, ninguém vem do céu para nos ajudar ou atrapalhar, nós que desenvolvemos essa cultura." O autor dessa máxima é o engenheiro e fundador da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), Ozires Silva, 86 anos, que tem uma biografia pautada justamente em transpor desafios.

Talhado pela obstinação em encontrar soluções por meio do trabalho duro e de muito estudo, ele segue uma autoridade no que tange à arte de empreender e nessa entrevista à FOLHA defendeu que é necessário abolir a cultura de ser mero espectador e passar a ator da própria vida e do país que se deseja.

O Brasil, como o senhor já classificou, segue "despreparado para assumir riscos" e inovar, tal como o senhor fez com a construção do avião Bandeirante e o desenvolvimento da Embraer?
Na realidade, se nós dermos uma analisada, como é que se explica que nós vivemos em um país continente, extremamente bem situado do ponto de vista geográfico, com recursos naturais espetaculares, uma população que é um mercado interno extraordinário para o próprio desenvolvimento do País e, com todos esse atributos e sem terremotos ou nevascas, como é que se explica que esse país não tenha crescido? O crescimento depende de valores humanos. As realizações, como o telefone ou a caneta, dependem de mãos humanas. A resposta está na perplexidade desse questionamento. Pois, na verdade, ninguém nos atrapalha. Não tem nenhum país inimigo, não temos que nos defender. Mas temos muito o que fazer para tornar esse país habitável nas condições que nós queremos e precisamos como seres humanos. Só que não temos conseguido isso. O equacionamento de como nós desejamos crescer depende fundamentalmente de nós. Não estamos cumprindo isso e ainda reclamamos. É como se nós estivéssemos olhando para o desenvolvimento do Brasil como se fôssemos espectadores, e eu insisto sempre que nós somos atores. Eu fiz um trabalho no passado (Embraer) que produziu resultados, hoje ele gera 20 mil empregos, vagas no mundo inteiro, nossos aviões estão criando riquezas no mundo. Na época do Bandeirante, a grande dificuldade foi conseguir capitais privados para criar uma empresa para fabricar um avião de projeto nacional no Brasil; a alternativa foi buscar recursos do governo, o que foi conseguido por uma coincidência criada com o encontro não programado com o presidente da República (Artur da Costa e Silva), em 1969. A resposta é questionar por que não reagimos, por que não modificamos? Vemos países muito menos viáveis do que o nosso encontrando caminhos, como a Coreia do Sul. Por que não repetimos a Embraer? Uma história de luta e feitos. Existem coisas boas no Brasil. Nós temos os parâmetros todos, basta utilizarmos. Não trabalhar com o problema, mas com a solução do problema.

Quais os pontos cruciais para o Brasil deixar de ser um país despreparado para assumir riscos e criar algo novo?
Os pontos cruciais são vários, mas creio que o mais importante é que os brasileiros dão mais importância aos produtos importados e não acreditam nas inovações nacionais. Isto dificulta enormemente o desenvolvimento de projetos inovadores nacionais.

A crise atual tem trazido algum avanço no sentido da sociedade brasileira buscar o caminho da inovação e do empreendedorismo?
Creio que sim. A juventude de hoje é diferente da do meu tempo, pensa bastante no empreendedorismo. Isso pode abrir novas perspectivas para o futuro.

Como o senhor vislumbra um caminho de sucesso para o chamado empreendedorismo de sobrevivência, já que parte dos 12 milhões de desempregados estão se lançando ao desenvolvimento de um negócio próprio por falta de vagas na economia formal?
O empreendedorismo cria diferenças, provoca distorções, ele muda o mundo como fez o telefone celular, por exemplo. O empreendedorismo é sempre uma opção de risco, se olharmos o mercado internacional, vemos que os países com maior propensão para o risco estão progredindo rapidamente. Assim, penso que estamos numa transição e temos que ajudar o cenário de mudanças. Para ter sucesso, precisa trabalhar duro. Eu trabalhei muito sábado e domingo, inclusive. Tenho um pecado, que nessa rotina eu não vi os meus filhos crescerem e, hoje, eles me ajudam bastante. Eu sinto um arrependimento enorme, pois eu não dei para eles o que eles estão me dando agora.

Na sua avaliação, o que tem contribuído para a escassez de líderes tanto para organizações públicas quanto privadas? No que estamos falhando para desenvolver novas lideranças?
Infelizmente, o povo brasileiro escolhe seus líderes somente entre os políticos, tem uma tendência de ignorar os indivíduos sem participação no governo. E como sabemos, o governo não produz dinheiro, o resultado é esse que você coloca na sua pergunta.

Como ex-presidente da Petrobras, qual a sua avaliação do trabalho que vem vendo feito nas investigações da Operação Lava Jato? Acredita que poderá impactar na forma de se fazer negócios no Brasil?
Durante a minha gestão na Petrobras, a minha conduta permanente era contra o governo. O tempo inteiro da minha gestão o governo insistia em uma linha de ação com a qual eu não concordava, tanto é que fiquei relativamente pouco tempo à frente da Petrobras, na comparação com os demais. Parece claro que a Operação Lava Jato terá impacto no comportamento das autoridades e nas instituições a elas ligadas. Entretanto, me parece razoável termos que desenvolver uma legislação que impeça essas ligações perniciosas que tanto nos prejudicam hoje. Preocupa-me o excesso de leis que temos no Brasil, mas temos que encontrar fórmulas de conseguir isso sem complicar mais a vida dos brasileiros, pois em sua maioria são honestos.

Do ponto de vista de gestão e governança, o que mudou tanto na Petrobras que o senhor comandou para a que chegou ao caos dos últimos anos?
Pelo que vemos na imprensa, a Petrobras está mudando, temos que esperar para ver o que vem a acontecer, pois acredito muito nas equipes técnicas da própria companhia, com grande capacidade de reagir.

Essa vocação de fazer o que outros consideram impossível parece um pré-requisito para qualquer empreendedor e há alguns livros de sua autoria que tratam disso. É possível elencar as principais ações para aqueles que querem empreender, prosperar e impactar de forma positiva na economia do País?
Como respondi nas perguntas anteriores, temos que criar novos climas no Brasil, que desenvolvam caminhos de apoio aos propensos a correr riscos sempre existentes nos empreendimentos.

A exemplo de vários processos e transformações, há uma enorme diferença no estágio de assimilação do conceito de indústria 4.0 no Brasil, que será um divisor de águas para a competitividade de qualquer organização. Como o senhor tem observado o comportamento do empresariado brasileiro sobre a assimilação dessa nova etapa da revolução industrial?
A indústria 4.0 depende de pesados investimentos em automação. Temos de lamentar que estamos falando de produtos importados sofisticados e caros; uma boa alternativa seria a partir de agora investir em empresas nacionais que produzam produtos da robótica.

Há alguma característica do empreendedor no Paraná que o senhor considera um trunfo para o desenvolvimento na comparação com outros estados e países?
O Paraná tem tradições de empresas visionárias. E elas ao receberem ajuda adequada podem dar boas respostas.

O surgimentos de novos negócios e o movimento da chamada economia criativa/colaborativa, na qual o escambo volta a ser valorizado, são movimentos com os quais os empreendedores precisam estar em sintonia?
Volto a insistir na mudança das atitudes das autoridades e do empresariado, que precisam trabalhar juntos, num ambiente de confiança mútua.

No que se refere ao ambiente de negócios no Brasil, o que o senhor considera mais perverso para o desenvolvimento das empresas?
Sem dúvida, o distanciamento entre as autoridades e o setor privado, esquecendo-se que a ação conjunta de ambos produz enormes riquezas; a Embraer é um exemplo disso.

Por que um país atrasado na educação e sem valores sólidos para combater desvios ainda acredita ser criativo e "um país do futuro"?
O nosso sistema educacional implantado há décadas já provou que está falhando. Temos que mudá-lo dramaticamente, com ousadia e muitos esforços.