Imagem ilustrativa da imagem CONTEÚDO - Ensinamentos comuns, vivências diferentes
| Foto: Divulgação/Alexandre Ondir



A partir de 2020, todas as crianças e adolescentes matriculados tanto na rede pública quanto na particular de ensino deverão aprender seguindo um conjunto de orientações estipuladas pela Base Nacional Comum Curricular - etapa educação infantil e ensino fundamental. Homologada em 20 de dezembro de 2017 pelo ministro da Educação, Mendonça Filho, a BNCC estabelece os conteúdos essenciais que deverão ser ensinados em todas as escolas, assim como as competências e as habilidades que deverão ser adquiridas pelos alunos.

Fruto de trabalho conjunto entre poder público, especialistas e comunidade, a discussão sobre a BNCC começou ainda em 2014, com a instituição do PNE (Plano Nacional de Educação), que colocou a Base como uma das metas. A primeira versão foi divulgada em setembro de 2015, seguida de consulta pública pela internet e análises técnicas. Em março de 2016, após 12 milhões de contribuições, foi finalizada a primeira versão do documento. Em junho, foram realizados seminários com professores, gestores e especialistas abertos à participação pública por todo o Brasil. Já em agosto começou a ser redigida a terceira versão, que foi entregue em abril de 2017 pelo Ministério da Educação ao Conselho Nacional de Educação, para última análise e homologação pelo ministro.

O próximo passo será a construção dos currículos escolares das redes públicas e privadas, que têm dois anos para se adequarem. O desafio será fazer com que um país tão diferente tanto em termos geográficos quanto políticos e econômicos siga os mesmos parâmetros. Para Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais do Movimento Todos Pela Educação, o sucesso da BNCC passa pela valorização do professor. "O sucesso da BNCC em grande medida está ancorado na nossa capacidade de promover mudanças importantes na atratividade na carreira do professor, na estrutura de formação dos professores e nas condições de trabalho que são ofertadas em cada uma das escolas país afora", aponta.

Quais as principais mudanças que a Base Nacional Comum Curricular trouxe?
É sempre importante dizer que se bem implementada, a Base Nacional pode promover mudanças importantes. Não significa que agora podemos esperar resultados melhores. E quais são essas mudanças que a Base pode promover? Podemos destacar três grandes mudanças. Ela estabelece um norte, para que todas as escolas tenham clareza com relação sobre qual deve ser o foco, no que deve concentrar, qual o papel da escola em última instância. Bases nacionais comuns ao longo do histórico da educação de outros países cumprem esse primeiro objetivo. Num documento importante como esse, você pode aproximar a escola do mundo atual.

Uma segunda mudança é que a partir do estabelecimento de um norte claro, no que diz respeito aos objetivos de aprendizagem de todos os alunos, isso permite promover um alinhamento e uma maior coerência entre diversas políticas educacionais. Essas políticas podem trazer maior impacto na aprendizagem dos alunos, como, por exemplo, a formação dos professores, os materiais de apoio, as avaliações de aprendizagem. Isso tudo é fundamental quando entramos um pouco mais a fundo no diagnóstico brasileiro e percebemos que o grande problema da educação brasileira é que não conseguimos gerir sistemas de educação. Temos excelentes exemplos de escolas que individualmente fazem excelentes trabalhos, no entanto, geralmente são exemplos isolados. Não temos no Brasil bons exemplos de sistemas de educação que fazem com que todos as escolas do sistema de fato alcancem bons resultados, salvo as exceções.

E o terceiro ponto, atrelado ao segundo, é que o desafio brasileiro na educação, para além de um desafio de qualidade, de aprendizagem dos alunos, é também um desafio de desigualdade. Temos resultados médios muito ruins, mas quando observamos para além da média, percebemos uma desigualdade muito grande nos resultados dos alunos da escola pública. Essa desigualdade normalmente é explicada pelas condições socioeconômicas do aluno, ou seja, o que o sistema brasileiro acaba por fazer é reproduzir uma desigualdade de renda já existente por meio de escolas que não só não conseguem diminuir essa distância, mas muitas vezes reforçam e ampliam a diferença. Na medida que você tem um instrumento que pode promover um norte comum entre todas as escolas, alinhar diferentes políticas, e portanto gerir o sistema de forma mais efetiva, isso pode ter, se bem implementado, impactos importantes na redução das desigualdades e resultados entre os alunos e entre as escolas.

Como fazer para superar essas desigualdades, tendo em vista que o País é tão grande e tão diferente cultural e economicamente? O documento deve conseguir passar por cima dessas diferenças?
Sempre temos que lembrar que não haverá bala de prata em educação, não haverá uma solução única que resolverá todos os desafios. Agora, a discussão sobre diversidade do País frente a uma BNCC precisa ser sempre bem contextualizada. É importante fazer a distinção entre a base e o currículo. O que esse documento estabelece, do ponto de vista normativo, é o conjunto de objetivos de aprendizagem que são essenciais a todos os alunos brasileiros, seja de escola pública ou particular, independentemente de que região estejam, mas isso deve ser contextualizado à luz do currículo da própria rede.

A Base não é o currículo. É o currículo que, à luz desse objetivo de aprendizagem, traz para o seu contexto local e regional a forma como isso deve ser trazido para o âmbito da escola, é o "como". A base não estabelece o "como", ela diz simplesmente o "quê", o que deve ser o objetivo do processo de ensino e aprendizagem. O currículo estabelece como isso deve se dar no âmbito das escolas de uma determinada rede. É nesse "como" que é possível fazer a contextualização por conta de questões culturais, locais, regionais, geográficas.

A BNCC deve ser suficiente para melhorar a educação pública?
Tudo depende de como será implementada e a chave dessa implementação é a capacidade do sistema de educação, tanto do governo federal quanto dos estaduais e dos municipais, em apoiar o professor. A literatura já consagra que não tem fator que está sob controle da escola que mais explica o resultado da aprendizagem do que a atuação do professor. Por trás dela tem uma série de variáveis que impactam isso, desde a atratividade da carreira, a capacidade de um país de atrair alunos com um bom desempenho no ensino médio para a carreira, algo que o País não faz.

Ainda tem a capacidade do País em prover uma estrutura de formação ao professor que lhe permita um preparo e uma base inicial sólida para o exercício da docência. E políticas que garantam boas condições de trabalho, boas oportunidades de desenvolvimento profissional, para que o profissional possa ter uma atuação à altura do desafio que é ser professor.

O sucesso da BNCC, em grande medida, está ancorado na nossa capacidade de promover mudanças importantes na atratividade na carreira do professor, na estrutura de formação dos professores e nas condições de trabalho que são ofertadas em cada uma das escolas país afora.

As escolas podem fazer alterações conforme as particularidade da região. Há algo que as escolas possam se negar a ensinar ou que possam acrescentar?
O instrumento, enquanto nome, estabelece que o que está ali vai ser cumprido por todos os sistemas, são as aprendizagens essenciais que todo aluno tem direito a aprender, a ter acesso, mas não inviabiliza que as redes acrescentem questões para além da BNCC.

Um ponto polêmico foi o ensino religioso. Houve a retirada dos termos "identidade de gênero" e "orientação sexual". O senhor considera isso um retrocesso ou uma questão ainda a ser discutida?
A decisão do Conselho Nacional de Educação foi de separar essas duas matérias numa discussão específica e que ainda acontecerá. São Paulo introduziu no seu currículo questões relacionadas à discussão sobre identidade de gênero, de maneira complementar a aquilo que a BNCC fez. Um bom exemplo para mostrar que caso o ente estadual ou municipal entenda que isso merece ter um espaço no âmbito do seu currículo. Não está inviabilizado pela BNCC.

Embora o processo para criação da BNCC tenha começado em 2014 e passado por várias etapas, houve por parte de alguns membros do CNE a crítica de ter sido homologada de forma precoce e talvez até com fins eleitoreiros. O tempo e as etapas foram suficientes?
Na experiência internacional, alguns demoram um pouco mais. Talvez o País tenha finalizado esse processo de maneira mais rápida do que a média, mas acho que é bastante razoável assegurar que não foi uma discussão açodada. Foram quase quatro anos de debates que envolveram diferentes etapas de consultas, três diferentes versões, que passaram não só por dois governos, mas por muitas administrações no MEC.

É razoável dizermos que foi dado tempo, houve debate para que a Base fosse trabalhada. É importante lembrar que nunca chegaremos a um documento ideal, que contemple todos os segmentos do debate, isso em lugar nenhum do mundo aconteceu. O importante é termos uma BNCC com qualidade. De modo geral, a Base não é perfeita, mas acho que traz um avanço importante frente ao que hoje está posto enquanto diretrizes e parâmetros curriculares. A Base avança no sentido de trazer um cenário de maior qualidade, mais ambicioso, mais atualizado frente ao mundo atual.

É preciso implementá-la e aí sim prever momentos de revisão desse documento de tempos em tempos. A versão que foi aprovada e o documento que a homologou estabelecem que daqui a cinco anos inicia-se um processo de revisão. Isso permite que a BNCC se mantenha atualizada, relevante e aderente ao contexto e ao momento atual.

Há previsão de prazo para finalização da BNCC do ensino médio?
O MEC sinalizou no final do ano passado que teria a versão 3 do ensino médio, submetida ao CNE até o final do primeiro trimestre deste ano. E entrando no CNE, caso siga um trâmite similar ao da BNCC para a etapa da educação infantil e do ensino fundamental, devemos ter um processo de mais ou menos seis meses. Vamos considerar que até o final do ano, tudo correndo conforme previsto pelos órgãos oficiais, tenhamos a base do ensino médio.

É um processo um pouco mais complexo de implementação, uma vez que envolverá uma mudança de arquitetura, de funcionamento das escolas muito mais significativo, devido à reforma no ensino médio, que introduziu o que se chama de flexibilização curricular. Dá para dizer com segurança que o novo ensino médio, tudo correndo conforme o previsto, só se tornará efetivo em 2020, 2021.