‘‘Z’’ ou ‘‘S’’? ‘‘S’’ ou ‘‘Z’’? Eis a questão! Embora os brasileiros não tenham o hábito de se preocupar muito com o problema do uso (in)correto de sua língua, esta questão veio à tona recentemente, em Londrina, com a abertura de um restaurante chamado Chinezinho Express.
Tendo em vista este descaso com que se costuma tratar o assunto, merece elogios a atitude dos professores de português de alguns colégios da cidade que abriram espaço em suas aulas para discutir a questão e explicar aos alunos que o nome do restaurante contém um erro ortográfico: escreve-se com ‘‘S’’. Conforme prescreve a gramática, faz-se o grau diminutivo com o acréscimo do sufixo (= terminação) ‘‘inho’’ às palavras, logo chinês + inho = chinesinho.
Mas, como explicar então o ‘‘Z’’ em palavras como ‘‘chapeuzinho’’, ‘‘pezinho’’, ‘‘farolzinho’’, ‘‘florzinha’’, por exemplo, também no grau diminutivo, se o sufixo diminutivo é ‘‘inho’’? A questão que se coloca é: por que o diminutivo de palavras como pé, chapéu, farol e flor não é ‘‘chapeuinho’’, ‘‘peinho’’, ‘‘farolinho’’ e ‘‘florinha’’, por exemplo? Trata-se de uma preocupação com a eufonia, responde a gramática. O ‘‘Z’’ que aparece na forma diminutiva destas e de outras palavras tem uma função eufônica, ou seja, faz com que a junção do sufixo com a palavra soe mais agradavelmente aos nossos ouvidos. Assim, palavras já terminadas em ‘‘S’’ ou ‘‘Z’’, como chinês, japonês, Inês, juiz, avestruz, giz, não precisam deste ‘‘socorro’’ eufônico e fazem o grau diminutivo simplesmente com o acréscimo de ‘‘inho’’; às terminadas nas demais consoantes e também, alguns casos, em vogais (pé, chapéu, farol, flor, etc.) acrescentamos o ‘‘z’’ antes do sufixo.
Mas o problema merece considerações mais profundas que a simples aplicação da regra gramatical. Não é possível, a partir da ‘‘verdade’’ da gramática normativa, determinar que o nome do restaurante está errado e que deve ser corrigido. Um problema linguístico não pode ser considerado isoladamente do contexto social em que foi produzido, conforme ensinam as modernas teorias discursivas e também artistas da linguagem, como Érico Veríssimo, que afirmou: ‘‘devemos defender-nos de toda palavra, toda linguagem que nos desfigure o mundo, que nos separe das criaturas humanas, que nos afaste das raízes da vida.
A linguagem serve, antes e acima de tudo, para escrever a história de sujeitos; por isso, apagar a linguagem é apagar a história e, por extensão, os sujeitos que a escreveram. É preciso diferenciar um equívoco ortográfico grosseiro de uma inteligente jogada de marketing. Um fato concreto ilustra nossa opinião. Recentemente, andando pelo Shopping Ibirapuera, em São Paulo, deparamos com uma loja chamada Simulassão e procuramos saber o porquê da grafia ‘‘errada’’. Ouvimos o óbvio: jogada de marketing. O marketing, eis a questão. O mundo mudou. Há algumas décadas, esta e questões semelhantes só podiam ser esclarecidas com base em estudos diacrônicos da linguagem, sem considerar contextos e intenções comunicativas, mas isso foi antes de Saussure, das teorias sócio-linguísticas e discursivas e dos estudos semióticos sobre os recursos de que a linguagem dispõe para provocar vários efeitos de sentido.
Se a linguagem escreve a história do mundo e, se este mundo mudou, é preciso mudar também a perspectiva com que olhamos esta linguagem. Escreve-se chinesinho com ‘‘s’’, como ensina a gramática, mas e a intenção do marketing? Assim como o ‘‘SS’’ no nome da loja paulistana - onde, diga-se de passagem, compramos algumas coisas - o ‘‘Z’’ do nome do restaurante é uma jogada de marketing. Se o nome da loja fosse grafado com ‘‘Ç’’, como prescreve a gramática, é provável que não tivesse despertado nossa atenção porque seria apenas mais uma entre centenas de lojas. E, ainda que tivéssemos entrado e comprado, é bem provável que nunca mais lembrássemos da compra e, muito menos, da loja.
Mas, se o mundo mudou e se devemos considerar a linguagem o instrumento de expressão deste mundo, como deve a escola comportar-se neste contexto? A resposta a esta questão não é tão simples como pode parecer à primeira vista. Poderíamos considerar que as transgressões gramaticais cometidas pelos alunos também expressam um mundo - o mundo dos que não têm acesso ao conhecimento adquirido na escola - e permitir que eles continuem escrevendo errado para expressá-lo?

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Não, evidentemente. Não estamos, convém destacar, fazendo apologia à transgressão gramatical mas, apenas, alertando para a necessidade de considerarmos sempre a situação social em que o ato de linguagem foi produzido. No caso do restaurante londrinense, assim como no da loja, por exemplo, é preciso considerar a intenção do marketing. A instituição escolar não pode ignorar o contexto social quando analisa a linguagem.
Londrina tem sido, aliás, uma cidade pródiga no fabrico destes ‘‘erros’’ ortográficos, como se pode observar nos nomes de duas empresas - SENP (Sociedade Eletrotécnica Norte do Paraná) e SERCOMTEL (Serviço de Comunicação Telefônica de Londrina) - bastante conhecidas de todos. O ‘‘N’’ (em SENP) e o ‘‘M’’ (em SERCOMTEL) constituem ‘‘erros’’ ortográficos da mesma forma que o ‘‘Z’’ do nome do restaurante e só não causaram a mesma estranheza porque não eram palavras pré-existentes às empresas, como ocorreu com chinesinho. Segundo a gramática prescritiva, conforme sabemos, devemos usar ‘‘M’’ apenas antes de ‘‘B’’ e ‘‘P’’ e ‘‘N’’ antes de todas as demais consoantes, o que nos obrigaria a escrever ‘‘sercontel’’ e ‘‘semp’’. Ocorre, porém, que o ‘‘N’’ de SENP significa norte e o ‘‘M’’ de SERCOMTEL também é parte de uma das palavras que compõem o nome da empresa telefônica. Noutras palavras, tanto o ‘‘M’’ quanto o ‘‘N’’ têm, nos dois casos, um sentido, uma história. E aí, mais uma vez, voltamos ao eterno dilema shakespeareano: sacrificar o sentido em respeito às regras gramaticais? Ou sacrificar a gramática em respeito ao sentido?
Optamos por preservar o sentido. Como ensina a Semiótica, o sentido nasce da relação e é nesta perspectiva que ele se confunde com a história. A substituição do ‘‘N’’ pelo ‘‘M’’, em SENP, por exemplo, estaria apagando uma história construída por sujeitos: a história da homenagem prestada pelos fundadores da empresa à região norte do Paraná - através do ‘‘N’’ de SENP - sob a forma de uma aposta que eles fizeram, tanto no sucesso da região, como no da empresa que então nascia. O ‘‘N’’ será, sempre, um instrumento para resgatar esta história que se perderá no tempo, se o ‘‘erro’’ for corrigido. Vale o mesmo raciocínio para a palavra SERCOMTEL.
Assim, antes de condenar o nome do restaurante ao rigor da correção gramatical em si/por mesma, temos que considerar o marketing que concebeu sua criação e, deste ponto de vista o Chinezinho está em boa companhia porque as duas empresas - de materiais elétricos e telefônica - destaca(ra)m-se, tanto regional quanto nacionalmente. Mas podemos mencionar também outra empresa bem sucedida em âmbito nacional para ilustrar o fato, a Refinações de Milho, Brasil Ltda (cujo nome está escrito na caixa assim mesmo, com a vírgula entre o substantivo e o adjetivo), fabricante da MAIZENA, uma palavra que, segundo a prescrição gramatical, deveria ser grafada com ‘‘S’’. O sucesso da empresa foi tamanho que qualquer bom dicionário explica, no verbete maisena, que o ‘‘nome comercial’’ grafa-se com ‘‘Z’’, o que é um bom exemplo de que a linguagem deve curvar-se à história. Outro bom exemplo desta submissão gramatical é a palavra MERCOSUL que deveria, caso optássemos pela obediência cega à gramática, ser pronunciada ‘‘mercozul’’ uma vez que ‘‘S’’ entre vogais soa como ‘‘Z’’.
Só resta, encerrando estas considerações, desejar que o Chinezinho londrinense alcance o mesmo sucesso que a refinaria de milho e que, num futuro próximo, os bons dicionários registrem o fato. E por que não?