Imagem ilustrativa da imagem Azul-celeste na bandeira e no coração
| Foto: Acervo Pessoal



O azul e branco são as cores da morada e do trabalho do jornalista Ariel Palacios, correspondente internacional da GloboNews em Buenos Aires. Mas o azul-celeste é muito mais que isso para o jornalista brasileiro que vive há mais de 20 anos na capital argentina. As cores estão presentes no coração de Palacios, torcedor do Tubarão, que confessa a saudade que sente de Londrina e o sonho de voltar a morar no Norte do Paraná.

Nascido em Buenos Aires, Palacios se mudou para o Brasil ainda na infância por causa da profissão do pai, engenheiro que atuou em São Paulo e Governador Valadares (MG) antes de trazer a família para Londrina em 1976. O menino de 9 anos se apaixonou pela cidade e pelo futebol. Da janela do apartamento, acompanhou a construção do Estádio do Café enquanto a identidade brasileira e o orgulho pé-vermelho cresciam.

O jornalista tem uma relação peculiar com o LEC. Um afeto baseado, simplesmente, no vínculo sentimental com o clube, que ignora a frieza dos resultados. Na última vez que esteve em Londrina, em 2013, Palacios lançou o livro "Os Argentinos" e teve a oportunidade de visitar a Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde se formou. Por telefone, ele conversou com a FOLHA sobre a paixão pela cidade que o recebeu de braços abertos na década de 70 e como não perde a chance de falar sobre Londrina na TV ou entre amigos. "Sempre dou um jeito. Se alguém comenta sobre Londres, eu já falo que não sou de Londres, mas sou de Londrina".

Como começou a sua admiração pela cidade de Londrina e pelo Tubarão?

Eu cheguei em 1976 e morava no 13º andar do Edifício Alaska, na esquina da Pio XII com a Pernambuco. Naquela época havia poucos prédios e eu via a construção do Estádio do Café da janela do apartamento. Até então o estádio do clube era o VGD. Antes disso, nunca tinha sido muito interessado em futebol, mas com 9, 10 anos, você começa a se interessar mais. E como Londrina virou a minha cidade, a coisa lógica era torcer para o Londrina. Também coincidiu que, um ano depois, o Tubarão chegou ao quarto lugar no Campeonato Brasileiro com grandes jogadores. Tinha um técnico muito bom, que era o argentino Armando Renganeschi e tinha o cara que eu acho o melhor jogador que o Londrina teve: Carlos Alberto Garcia. Além de tudo, Garcia tinha uma coisa que era louvável em qualquer esportista. Ele era um cavalheiro e, infelizmente, isso faz muita falta hoje em dia. Um cara legal, uma boa pessoa. Não é o artilheiro histórico do Londrina, mas entre idas e vindas se tornou o craque do clube. Foi para o Vasco e voltou, depois saiu novamente e retornou. O interessante daquela época é que os clubes não tinham esta coisa de comprar jogadores a toda hora. Mesmo que não fossem de Londrina, havia uma relação de identidade com o clube. Não havia contratos de cinco ou seis meses para ir bem em um campeonato e depois ir embora. Eu nunca achei graça nesta falta de identidade dos clubes, o que ficou comum nos últimos 30 anos no mundo inteiro. Eu acho legal um jogador que começa no clube e se aposenta no mesmo clube.

Como você avalia a relação dos torcedores com os clubes atualmente?

Eu nunca entendi torcedores que são de uma cidade e torcem para times de outras cidades. O cara é do interior de São Paulo, torce para um time do Rio e para um time da Espanha. Não faz sentido. A minha cidade é Londrina, pois me criei em Londrina e, logo, torço para o time da minha cidade. A lógica é essa. Independentemente se o time ganha ou não, se está na terceira divisão ou se é o campeão mundial de clubes, tem que torcer pelo clube que a gente possui algum vínculo sentimental. Numa cidade grande como Buenos Aires, São Paulo ou Rio, existem vários times, mas eu acho que a pessoa tem que ter uma conexão sentimental com ele. Se a pessoa é do bairro de Botafogo, a lógica é que ela torça para o Botafogo. Escolher um time só porque ele ganha, para mim, não faz sentido. O time é como um parente, a gente torce a favor dele ou não. Não é uma questão de ter uma espécie de lucro emocional. Só vou torcer para o time que ganha sempre. Aí, qual é a graça? Esse é o problema que fez o futebol perder muito do seu aspecto lúdico. A pessoa quer ganhar, ganhar e ganhar, independentemente se o time joga de uma forma divertida ou não. O futebol é para você se divertir. Se você só quer ganhar, aplica na bolsa em ações ou torce para o Barcelona. Várias vezes me perguntaram se torço para o River ou Boca. Primeiro, a Argentina não se divide entre River Plate e Boca Juniors. E segundo, qual a lógica de eu torcer para um time de Buenos Aires, Córdoba ou Mendoza ou de outra cidade argentina? Eu me criei em Londrina, então torço para um time londrinense.

Você acompanha o dia a dia do Londrina?

Não acompanho. Eu acompanhava mais quando eu morava em Londrina. Depois ficou mais difícil. De vez em quando, alguém me informa: o Londrina venceu. Eu acho fantástico. Mas, acompanhar, acompanhar propriamente dito, não acompanho. É mais uma questão de vínculo sentimental e não um acompanhamento estatístico ou de jogos. Sempre espero que o Londrina vá bem, mas não tenho acompanhado. Nos últimos anos, o time melhorou muito graças ao [Claudio] Tencati, se não me engano, o técnico há mais tempo no comando de um time no Brasil. Mas, acompanhar mesmo, não dá tempo. Tenho que ficar o dia todo acompanhando o que está acontecendo na Argentina e na América Latina em áreas como política, economia e também esportes. Então, não dá tempo para ficar de olho nas outras coisas. Como eu não cubro o Brasil, eu não fico de olho no Brasil, incluindo assuntos esportivos. É uma questão de prioridade. Mas sempre fico feliz com notícias de Londrina que os amigos me informam. Lembro que, no ano passado, o Londrina Esporte Clube fez 60 anos, não é? Fiquei muito contente. Mas não tenho acompanhado em detalhes, muito menos questões políticas ou de torcida do clube. No entanto, é aquela história: mesmo não acompanhando a gente torce. Como um amigo que a gente não vê há muito tempo, mas continua torcendo por ele.

Você pensa em voltar a morar em Londrina?

De Londrina, tenho muita saudade. Eu morava no Edifício Alaska e depois mudei para a Rua Alagoas, próximo ao Colégio Canadá, onde fiz o colegial. Achava divertidíssimo caminhar pelo Calçadão. Fiquei muito triste quando fiquei sabendo do incêndio do Teatro Ouro Verde. Eu adoraria voltar a morar em Londrina, mas esse é um daqueles planos que você nunca sabe se vai se concretizar. No futuro, não sei se em cinco, dez ou mais anos, gostaria de voltar para Londrina. As partes mais novas da cidade eu não conheço direito. Na Gleba Palhano, eu estive apenas uma vez, em 2013. Eu adoro aquele área entre as avenidas Higienópolis e JK, uma região residencial próxima do centro. Sempre que posso falar da cidade de Londrina ou do Londrina, eu falo. Sempre dou um jeito. Se alguém comenta sobre Londres, eu já falo que não sou de Londres, mas sou de Londrina, lembrando da origem do nome da cidade. Sempre que dá para fazer publicidade do time ou da cidade, eu faço o possível. E todo dezembro, no dia do aniversário de Londrina, eu coloco o hino da cidade, que é muito bonito e tem relação com a imigração. "Londrina, cidade de braços abertos" mostra uma cidade feita por imigrantes. Foi uma época muito importante na minha vida, entre 9 e 25 anos. Londrina tinha o tamanho ideal para você passar a adolescência, juventude e fazer a faculdade.

Lionel Messi é assunto frequente em seus comentários e os xingamentos contra o auxiliar brasileiro nas Eliminatórias renderam bastante discussão?

Há dois anos, eu também colaboro com o Redação SporTV falando sobre futebol argentino e da América Latina. Mesmo longe da Argentina, também tem muita coisa sobre o Messi. O último assunto foi o perdão da Fifa (Messi havia sido punido pela Conmebol em quatro jogos após ofender o auxiliar Emerson Carvalho. A Associação de Futebol Argentino recorreu), algo que eu não concordo. Se tem uma norma no futebol, você tem que seguir. Se a pessoa quer xingar, derrubar, usar a mão para fazer o gol, ele está no esporte errado. Se o cara quer ficar xingando alguém, adversário ou juiz, ele tem que ir para o Telecatch. Se vai usar a mão, tem que jogar handebol. Futebol é com o pé, como o próprio nome em inglês já diz. Se quer dar um soco em alguém, muda para o boxe. As normas são para serem cumpridas. Aí tem gente que fala que essa história de violência sempre existiu no futebol. Não é bem assim. Quem conhece a história do futebol, sabe que não é verdade. Nas primeiras décadas do século 20, o futebol era uma coisa lúdica para você se divertir. Um esporte de cavalheiros.

Qual sua análise sobre o problema da violência nos estádios, tão presente na América Latina?

Infelizmente, para a maioria, o futebol acabou virando uma forma de tentar lidar com suas frustrações pessoais, familiares, no trabalho, políticas e sociais. A pessoa quer descarregar no futebol, mas está no lugar errado. Se tranca no quarto e dá socos na parede ou pega uma enxada e arruma o jardim, se não tem dinheiro para fazer uma terapia. O estádio do futebol não é para isso. O problema é que a violência nos estádios tem se tornado algo muito comum e, infelizmente, as autoridades, cartolas, jogadores e a própria torcida têm sido muito condescendentes com essas coisas. Se você mata alguém na porta da catedral, isso é um assassinato com grande repercussão. Se o crime acontece no estádio, a justificativa é que o esporte mexe com paixão. Não, a lei é a mesma. Não é porque você comete um crime dentro do estádio, que você tenha imunidade. O cara coloca uma bomba em uma igreja, escola ou universidade, é um horror, um atentado terrorista, mas se coloca dentro do estádio está tudo bem? Claro que não. O mais impressionante é que, muita vezes, a pessoa que pede mão dura na sociedade, pena de morte, é a mesma que acha que violência no estádio é normal. Isso é um absurdo. Quem viola a norma, seja um jogador ou torcedor, tem que ser punido. Não pode ser tratado de forma especial apenas porque é um jogador ou torcedor ou porque o fato aconteceu no estádio.